Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Carlos Chaparro

JORNALISMO POPULAR

“Jornalismo da exclusão”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 19/12/03

“O XIS DA QUESTÃO ? No jornalismo popular digno desse nome, os critérios de pauta, redação e edição teriam de ser ditados pelo interesse dos fracos, dos explorados, dos oprimidos, dos injustamente punidos pela sociedade e pelo quotidiano. O que nos leva a perguntar: será que temos no Brasil algum jornal que pratique jornalismo popular?

1. O mundo além do rio…

O desenho do recorte territorial da cidade de São Paulo assemelha-se à ?bota? italiana. Só que é uma bota invertida, a biqueira, lá no alto, formando um alongamento no sentido Leste, o cano da perna direcionado no sentido sul, por onde se esparrama a mais alongada região de pobreza e miséria da cidade.

O poluído rio Pinheiros faz um corte na base do cano da bota, junto ao ?pé?, separando São Paulo em duas partes: do lado norte, o próspero centro alargado da cidade, com seu denso perfil de arranha-céus; para o sul, no cano da bota, a vista é de sucessivos horizontes ondulados, formando uma monotonia visual de pobreza e miséria que parece sem fim.

Vejam esta descrição:

?A ponte João Dias (…) é como se fosse uma porta dimensional. Quando o rio Pinheiros fica para trás e se entra na estrada de Itapacerica da Serra, rumo ao (bairro de) Capão Redondo, a paisagem muda completamente. A estrada fica entre duas colinas cobertas de casinhas de tijolos vermelhos. Sempre inacabadas, com concreto exposto. Uma por cima da outra. Amontoados de casinhas vermelhas. Até onde a vista alcança, há casinhas erguidas de maneira desorganizada. (…) Por mais que se tente, não há por onde desviar os olhos.

?(…) A maioria das pessoas que circulam pelos pólos comerciais e financeiros de São Paulo certamente nunca passou por aqui. (…) Olhando de dentro, o rapper Mano Brow descreve assim o bairro onde nasceu: Capão Redondo é a pobreza, a injustiça, ruas de terra, esgoto a céu aberto, crianças descalças, distritos lotados, veículos do IML subindo e descendo de lá para cá, tensão e cheiro de maconha o tempo todo?.

2. Violências

Foi nesse mundo que Marcy Picanço Figueiredo (autora da descrição), minha ex-aluna, resolveu mergulhar, para a pesquisa que daria conteúdo ao seu trabalho de conclusão do curso de jornalismo, na Universidade de São Paulo. Um belíssimo trabalho.

Ela queria descobrir não o lado da miséria, mas o lado da luta. De modo especial, o lado humano da contestação à maneira como Capão Redondo é noticiado pela imprensa.

A imagem de Capão Redondo construída e socializada pelo noticiário está sempre e só nos noticiários policiais. É a imagem da criminalidade, da violência. Mesmo quando a notícia não trata de assuntos policiais, ao substantivo Capão Redondo sempre se agrega o predicado de ?bairro violento da zona sul de São Paulo?.

Criou-se um estigma, que revolta os moradores da localidade ? cerca de 250 mil pessoas empenhadas na batalha diária de sobreviver. Sobreviver não só à violência noticiada, a do crime, mas à violência do abandono, que jornais e jornalistas desprezam: o desemprego, a precariedade do transporte público, as filas humilhantes em hospitais e postos de saúde, a ruína das escolas, a falta de saneamento básico…

Há uma relação injusta entre a imprensa e os moradores de Capão Redondo. E Marcy foi atrás de histórias e protagonistas do esforço realizado por movimentos e grupos sociais (dos quais fazem parte alguns jornalistas voluntários), para a criação de mecanismos locais de comunicação, a partir de discussões críticas sobre à direito à informação, violado pela forma como a imprensa noticia as coisas do bairro.

São projetos que envolvem principalmente jovens. Há um aprendizado prático de jornalismo, boletins, programas de rádio e até uma agência de notícias. Tudo muito precário, mas em funcionamento e em atividade criativa.

A mais importante descoberta de Marcy foi a visão crítica que os jovens têm do jornalismo, graças aos debates promovidos em cursos, palestras e treinamentos. Ela captou a fala de dois grandes protagonistas desse processo, Juarez e Cleide, ambos moradores locais envolvidos nesse esforço de auto-capacitação para o exercício do direito à comunicação, atuando na Agência de Notícias.

3. Vácuo da exclusão

Diz Cleide que nunca havia pensado ser possível preencher o vácuo deixado pela grande imprensa no tratamento dos temas locais. E para demonstrar quanto o vácuo é enorme, cita o caso do ?Criança Esperança?, programa que a Rede Globo patrocina com dinheiro arrecadado em grandes campanhas populares. ?O Criança Esperança? patrocina um projeto no Jardim Ângela, bairro vizinho a Capão Redondo.

Pois bem, ao falar do local onde a obra estava sendo inaugurada, o repórter da Globo começou assim a cobertura: ?Estamos falando do bairro mais violento de São Paulo?. Depois, ainda perguntaria às crianças em festa, beneficiárias da obra: ?Como você se sente participando de um projeto como este, no bairro mais violento do mundo??

Cleide analisa o trabalho desse repórter com extraordinária lucidez: ?O jornalista precisa saber que lida com seres humanos. E esse aí, da Globo, desconstruiu tudo o que foi feito?.

Agora, sintam o senso crítico de Juarez:

?Antes da Agência, não costumava ler jornais. Primeiro, porque era muito novo, tinha apenas 15 anos, e depois porque achava que aquelas manchetes não tinham nada a ver com a minha vida. Na parte de economia, não entendia nem os títulos, aquele monte de câmbio, dólar, 5% para lá, 10% para cá. Não abria a página policial, porque não gosto de ver chacina. Aí, pegava a página principal e tinha: FHC baixa MP. O que é MP? Enfim, só lia desporto e história em quadrinhos?.

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Durante alguns dias comprei, em São Paulo, jornais daqueles que se auto-rotulam de ?populares?. E é impressionante como até nesses jornais o discurso preponderante é o das elites. De um desses jornais, o Agora São Paulo, guardo manchete exemplar, da edição de 30 de novembro: ?Veja como escolher a previdência privada?.

Que operário, que trabalhador, que morador de Capão Redondo terá condições financeiras e perspectivas de vida para pensar em previdência privada? Será que ao menos sabem eles do que se trata?

É caso para perguntar: que conceito de jornalismo popular está na cabeça do editor responsável por essa manchete? O que vem a ser, afinal, jornalismo popular?

Há quem pense que para um jornal ou programa jornalístico ser considerado popular basta a agressividade visual e verbal. Embora indispensáveis, tais recursos de linguagem são insuficientes para qualificar um jornal ou programa de rádio ou TV como populares. Jornalismo popular é aquele que capta, compreende e relata a atualidade na perspectiva oposta à das elites ? entendendo-se por elites (a nata, a flor, a fina flor de uma sociedade ou de um grupo) as minorias prestigiadas e dominantes, constituídas pelos mais poderosos, que se consideram também os mais aptos.

Se assim é, podemos admitir que, nesse jornalismo, os critérios de pauta, redação e edição teriam de ser ditados pelo interesse dos fracos, dos explorados, dos oprimidos, dos injustamente punidos pela sociedade e pelo quotidiano. O que nos leva a duas perguntas, que talvez valha a pena debater: será que temos no Brasil algum jornal que pratique jornalismo popular? Será que merecem ser chamados populares esses programas de TV, do tipo Datena e Marcelo Rezende, que arrotam populismo, dizendo-se arautos do povo?”

 

PESQUISA CIENTÍFICA

Science elege pesquisas mais relevantes do ano”, copyright Galileu, 19/12/03

“A revista ?Science? elegeu em sua edição de 19/12 as dez pesquisas científicas mais relevantes de 2003. Segundo a publicação, os trabalhos selecionados foram aqueles que expandiram o conhecimento humano, e não necessariamente aqueles que trariam aplicações práticas

Em primeiro lugar ficou a confirmação da existência da matéria escura, feita pelo exame de dados obtidos pela sonda WMAP (sigla para Wilkinson Microwave Anisotropy Probe).

Em fevereiro, a sonda captou a imagem mais detalhada já feita da radiação cósmica de fundo (surgida quando o Cosmo ainda era recém-nascido). A WMAP confirmou que apenas 4% do Universo é formado por matéria comum, a mesma de estrelas, humanos e plantas. Outros 23% são matéria escura e o restante, 73%, a energia que influi nessa matéria.

Essa matéria é chamada de escura pois sua radiação não é detectável por nenhum dos aparelhos existentes atualmente. Ela foi descoberta há quase 70 anos e virou debate entre os astrônomos desde então. Com a confirmação de sua existência, a polêmica termina e os cientistas passam a se concentrar em estudos para entender exatamente do que ela é feita.

Em segundo lugar na lista da ?Science? ficou a identificação dos genes que aumentam os riscos de doenças mentais hereditárias, como esquizofrenia, depressão e desordens bipolares.

Atualmente, o alvo das drogas antidepressivas é um receptor cerebral, cujo gene possui dois alelos, um dos quais com uma leve ligação com o aumento do risco da depressão. Quem possui o alelo mais vulnerável tem uma chance bem maior de se deprimir com uma decepção amorosa ou com a perda de um emprego do que quem possui a variante mais forte.

Os diversos trabalhos que apontaram os impactos das mudanças climáticas no planeta receberam o terceiro lugar em importância no ano.

Os cientistas tiveram provas, em 2003, de que o aumento da temperatura planetária está afetando a natureza. A monitoração de seis rios da Eurásia que desembocam no oceano Ártico mostraram que a quantidade de enchentes na região aumentou 7% desde 1936, o que confere com os modelos climáticos dos cientistas.

As plantas e os animais também reagiram ao aquecimento, mudando de lugar ou de comportamento. Essas descobertas alarmaram a comunidade internacional que busca agora meios de minimizar os efeitos das mudanças climáticas e de se adaptar a elas.

Os outros temas escolhidos pela revista são: impacto do RNA (ácidos ribonucléicos) no comportamento celular; observação de atividades moleculares dentro de células; melhor entendimento das maiores explosões do Universo, as de raios gama e supernovas; formação de óvulos e espermatozóides a partir de células-tronco; mudança da direção de luz e outras radiações eletromagnéticas pelo uso de diferentes materiais; seqüenciamento genético do cromossomo Y; e desenvolvimento de novas terapias contra o câncer.”