Tuesday, 19 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Carlos Chaparro

QUALIDADE NA TV


OS MAIAS

"O melhor de Eça ao alcance de milhões", copyright AOL (www.americaonline.com.br), 23/01/01

"O xis da questão – Eça de Queiroz, que precisou do folhetim para espalhar seus primeiros textos, e que morreu sem conseguir publicar várias das obras por ele escritas, alcança agora, com a minissérie Os Maias, milhões de pessoas, primeiro no Brasil, depois em Portugal. E as deslumbra numa história de 44 capítulos, narrada em linguagem cinematográfica

1. Arte e atrevimento

A TV Globo marca este início de milênio colocando, ao alcance de milhões de brasileiros, a obra-prima de Eça de Queiroz. Um século depois da morte de Eça, a principal obra do maior romancista português chega ao povo do país que concentra 85% das pessoas falantes da língua em que ele tão bem escreveu. E chega revestida dos encantos visuais da linguagem cinematográfica, que a tecnologia digital e a edição não linear tornam possíveis. Além disso, beneficiada pelo acréscimo dos talentos de quem escreveu e dirigiu a adaptação, e arte do elenco de primeiríssima linha, atores e atrizes capazes de entender e expressar com perfeição as mais refinadas emoções e a mais subjetiva mordacidade da melhor obra de Eça.

Há, desde já, nesta versão a de Os Maias, um atrevimento que vai incomodar os queirozianos mais fanáticos. A autora da adaptação, a dramaturga Maria Adelaide Amaral, transladou, para a história que nos conta na TV, personagens de dois outros livros de Eça. De A Relíquia, ela pediu emprestado o malandro Teodorico, com a respectiva Titi, a carola Patrocínio das Neves, que já estão na história, para nos divertir; e de A Capital veio o deslumbrado Artur Corvelo, que logo, logo, também deve entrar em cena.

O resultado será bom, não duvido, e que se dane a ortodoxia queiroziana. Já estamos rindo com Teodorico e Titi, riremos também com Corvelo. Além do mais, é impossível colocar na televisão as grandes obras da literatura sem impor adequações às formas de narrar, às vezes, até, à própria narrativa. E Maria Adelaide, que é portuguesa, do Porto, e aos 13 anos começou a ler Eça, costuma navegar muito à-vontade nessas águas, nas adaptações em que se mete.

Para o caso de Os Maias, a autora da adaptação tem explicações convincentes: ‘Na teledramaturgia’, diz ela, ‘é sempre necessário um núcleo de humor, para que o público respire e tenha fôlego para seguir em frente com o drama da história principal. Acontece que o humor de Os Maias era muito sofisticado, inalcançável para grande parte do público. Era necessário algo mais popular, mais saborosamente simples. E encontrei isto em A Relíquia e em A Capital’.

2. Eça bem tratado

Reli Os Maias, para avaliar melhor a minissérie. E não tenho dúvidas de que trazer Eça de Queiroz para a televisão é um senhor desafio. A crítica social, a mordacidade e a ironia do deboche com que se desnuda a decadência da aristocracia portuguesa, são coisas do subtexto, na narrativa. À plenitude do romance de Eça é indispensável uma leitura inteligente, igualmente mordaz. Por isso, em Os Maias, a história e os personagens estão menos nos diálogos do que nas refinadas e alongadas descrições, nas quais de derrama o talento do escritor.

Trazer esse fino e devastador jogo de sentidos para a televisão é coisa para a arte de gente grande. Mas a Globo, quando se mete a produzir uma obra como Os Maias, não brinca em serviço. Investiu largamente em pesquisa, para os figurinos, a cenografia, a fotografia, a maquiagem, a linguagem da época. Para o entendimento das sutilezas da literatura de Eça, contratou especialistas. Passou dois meses de andanças em Portugal, com o elenco principal e a equipe de direção e produção, em filmagens que ambientaram a história na paisagem portuguesa. Caprichou na trilha musical. Fez, enfim, tudo o que foi necessário, com o maior rigor, para reproduzir na televisão, com fidelidade, a dramaticidade, o discurso e a arte do realismo de Eça de Queiroz. E quem mais ajudou foi o próprio Eça, graças à riqueza e à precisão com que na obra original descreve personagens, ambientes, cenas, cenários e diálogos.

Para reduzir os riscos do investimento (cerca de quatro milhões e meio de dólares), e dar boa conta dos 52 personagens da história, a Globo reuniu um elenco de se tirar o chapéu: Walmor Chagas, Stênio Garcia, Fábio Assunção, Antonio Calloni, Ana Paula Arósio, Paulo Betti, Jose Lewgoy, Selton Mello, Otávio Augusto, Osmar Pardo, Eliane Giardini, Eva Wilma e tantos mais. Pôs à frente deles o diretor de maior talento da casa, Luiz Fernando Carvalho, o mesmo de ‘O Rei do Gado’ e ‘Renascer’, craque nas habilidades da narração visual. Usou sem reservas a sua enorme e avançada capacidade de produção digitalizada. Pelo resultado das duas primeiras semanas, e apesar dos tropeços de montagem e sonorização dos dois ou três primeiros capítulos, já se pode dizer que a Globo começou o ano com uma obra-prima.

Pena que o horário de exibição seja tardio e incerto. (Carlos Chaparro é professor de jornalismo da Universidade de São Paulo)"

"Beleza", copyright O Estado de S. Paulo, 26/01/01

"Que beleza, Os Maias da Globo. Fora a Patrícia Poeta e o tempo hoje, é a coisa mais bonita vista na televisão desde… Bom, desde o último trabalho do Luis Fernando Carvalho, esse orgulho da classe dos luis fernandos. Agora só falta decidir se ele é o David Lean ou o Luchino Visconti da televisão brasileira. Para Os Maias, Carvalho escolheu um andamento que, na música, seria chamado de ‘andante majestoso’, que pode impacientar a geração videoclipe, mas está perfeito, e era o ritmo preferido de Lean e Visconti. Como Lean, ele faz um superespetáculo intimista, intercalando o panorâmico e o plano fechado como um diálogo entre classe e indivíduo, História e drama pessoal, o meio e os seus efeitos e a sua crítica. E explora como um Visconti o que só pode ser chamado de sensualidade do cenário, toda a carga sugestiva que tem uma cortina esvoaçante ou o reflexo de uma vela num pescoço. Olha, acho que Os Maias não só é a melhor coisa já feita na nossa televisão como não se fez nada parecido desde que o Scorsese comandou aquela investigação arqueológica de uma era e de uma sociedade, no seu A Idade da Inocência. E só aumenta a expectativa da estréia de Carvalho no cinema, com o Lavoura Arcaica, baseado no ótimo Raduan Nassar.

O Éfe Agá chamou de desperdício de dinheiro público a reunião em que a partir de hoje se discutem algumas das questões mais importantes do mundo em Porto Alegre – em contraste, supõe-se, com as cidades da Ásia onde ele e mais 150 brasileiros desembarcaram de cinco aviões para tratar de nada muito importante, ou nada que a representação diplomática no local não pudesse tratar melhor e mais barato. Não sei como foi a chegada do esquadrão em Brasília, mas os cinco aviões bem que poderiam ter feito um vôo rasante em formação sobre a capital, para dar ao público pelo menos um show em troca do seu dinheiro."

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