GOVERNO LULA
“A ?invasão? nas assessorias”, copyright Comunique-se (www.comunique-se.com.br), 12/09/03
“O XIS DA QUESTÃO – Os números da SECOM indicam que o governo se tornou – já faz tempo – o maior empregador de jornalistas, no Brasil. O modelo se multiplica por governos estaduais e municipais. Depois, também pela iniciativa privada, em vertiginoso crescimento. Bom? Ruim? Ético? Imoral? Antes de polemizar, convém conhecer as razões históricas do fenômeno.
1. Jornalistas no governo – aos milhares
Os jornais de quinta-feira passada (11-9-2003) noticiaram a inauguração da redação e do site da Secretaria de Imprensa e Divulgação (SID) do Palácio do Planalto. Na cerimônia, em discurso informal e bem humorado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva queixou-se dos incômodos provocados pelo dever de conversar com os jornalistas. Mas admitiu: ?Por mais que a gente reclame, por mais que a gente fale mal, nós não seríamos o que somos sem a imprensa brasileira?.
Embora o presidente se queixe do assédio dos jornalistas, o site da CID serve a estratégias e táticas de um fluxo inverso, em busca dos jornalistas. Ou melhor: em busca do espaço da notícia, para ocupar, ampliar e consolidar lugar próprio nos processos jornalísticos.
Face à complexidade da tarefa, a equipe da SID pode ser considerada pequena. São apenas sete profissionais, um deles Ricardo Kotscho, que comanda o grupo, na qualidade de secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da República. Dos sete, Kotscho e mais quatro são jornalistas: Inês Lima, editora do site; Maria Luíza Baldoni, editora de Imprensa Nacional; Denise Gorczeski, assessora especial de D. Marisa Letícia, a primeira-dama; e o fotógrafo Ricardo Stucker, de longa carreira na imprensa. A editora de Imprensa Internacional, Ana Maria Carneiro de Matos, formada em Letras, tem currículo de radialista, e por isso está lá.
O único integrante da equipe sem vínculos de formação com jornalismo é o secretário-adjunto, Fábio Kerche, doutor em ciência política, pela USP.
É preponderante, portanto, a presença de jornalistas no grupo profissional que faz a assessoria de imprensa do presidente Lula.
O perfil profissional da SID sintetiza, de alguma forma, o que se vê nas áreas de comunicação do governo, em plano nacional. Sabem quantos profissionais de comunicação trabalham nas equipes dos diversos órgãos federais, de administração direta e indireta, em Brasília e espalhados pelo País?
Exatamente 2.215.
Foi o que me informaram na SECOM (Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica), quando fiz a consulta. E me disseram mais: em maioria esmagadora, são jornalistas. Profissionais de Relações Públicas e de outros segmentos? Só em raros casos pontuais.
Os números confirmam a ocupação do espaço de assessoria de imprensa/comunicação por jornalistas – na esfera governamental, de forma ainda mais acentuada do que na economia privada.
Os números da SECOM indicam, também, que o governo se tornou – já faz tempo – o maior empregador de jornalistas, no Brasil. E o modelo se multiplica por governos estaduais e municipais.
Bom? Ruim? Ético? Imoral?
Para fazer a discussão, e evitar retóricas levianas, torna-se indispensável mergulhar na história. A história, por ser comprida, terá de continuar no texto da próxima semana. Mas há que dar início ao mergulho.
2. No início, um projeto de RP…
Antes da ventania militar de 1964, mais especificamente antes de Médici, as estruturas de comunicação nos governos eram praticamente inexistentes. Na Presidência da República, as tarefas limitavam-se às de um assessor de imprensa, habitualmente amigo do presidente, como no caso de Autran Dourado, no governo JK. Aliás, vale a pena ler o livro ?Gaiola Aberta?, no qual Autran revela os bastidores dessa sua experiência, carregado de tramóias.
Pois o governo militar, na presidência de Costa e Silva, resolveu criar a Assessoria Especial de Relações Públicas da Presidência da República, a famosa AERP, que rapidamente ganhou status de superministério.
A consolidação teórica e estratégica do modelo deu-se com a realização do I Seminário de Relações Públicas do Executivo, realizado no Rio de Janeiro, de 30 de setembro a 5 de outubro de 1968. Lá estavam, além do pessoal da AERP: representantes (vários deles militares ocupando funções de relações públicas) de 16 ministérios, da Agência Nacional, das estações de rádio oficiais, do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) e da Associação Brasileira de Relações Públicas. Com o aval político da ABI, cujo presidente, jornalista Danton Jobim, fez a conferência de encerramento.
Cinco grandes temas foram debatidos, cada um em sua respectiva comissão: 1) Organização e funcionamento dos serviços de Relações Públicas nos órgãos da administração federal; 2) Normas de trabalho entre os diferentes serviços de Relações Públicas da administração federal e os veículos de comunicação social; 3) Diretrizes de Relações Públicas no Governo; 4) Promoção institucional do Governo; 5) Imagem do Governo na opinião pública.
Guardo, como preciosidade, o documento final do Seminário, com as conclusões das cinco comissões. No seu conjunto, temos ali um programa de Relações Públicas, com diretrizes e metas, num projeto claramente orientado por especialistas do ramo. Não há espaço para transcrições. Mas seria lesar os leitores não citar pelo menos duas conclusões que, a meu ver, sintetizam o espírito e os objetivos centrais do plano:
– ?Adoção de uma política global de comunicação social que permita de fato a integração do povo com o governo. Tal política, para ser realmente efetiva, deve tornar-se uma constante para toda e cada uma das realizações do governo?.
– ?Aproveitamento integral da figura do presidente, no seu aspecto humano, moderado e compreensivo, para caracterizar toda a campanha orientada no sentido de valorização do homem, a única susceptível de criar uma imagem efetiva e imediata do governo?.
Explica-se, assim, em boa parte, a estranha popularidade alcançada pelo general Médici. Enquanto nas masmorras a tortura comia solta, a figura popular de Médici era disputada por políticos e a sua fotografia se espalhava Brasil além, enfeitando residências pobres.
3. … depois, a contratação de jornalistas
Após o Seminário, cresceu o poder da AERP. Além de dispor de verbas e vagas à vontade, a AERP coordenava a rede governamental de divulgação, em crescimento vertiginoso, e administrava a negociação política e financeira com as estruturas de comando dos meios de comunicação.
Para alcançar sucesso, quem os comandos de Relações Públicas contrataram? Jornalistas. Deu-se, então, o fenômeno da multiplicação de jornalistas no governo, uns contratados para cumprir horário de trabalho regular nas assessorias, outros, para nada fazer além da obrigação de interfaces aliadas, nas redações.
Com tal força de barganha, o sucesso media-se em centimetragem de notícias impressas e, principalmente, no imensurável ?não publicado?. Naturalmente, o sucesso da AERP fez escola, disseminando o modelo por governos estaduais e municipais.
Os governos tornaram-se grandes empregadores de jornalistas. Nos anos 70, o modelo de assessorias de imprensa recheadas de jornalistas disseminou-se, também, pelo universo empresarial, que se expandia e modernizava, com a euforia, o ufanismo, os dólares e os incentivos do ?milagre econômico?.
Mas é apenas o começo da história. Para evitar fadigas, recomenda-se um intervalo nessa evocação. Retomaremos o assunto na próxima semana.
Notas de Rodapé
1) Para evitar equívocos de avaliação, esclareço que, até pela minha história pessoal, jamais defendi a reserva de mercado para jornalistas diplomados. Penso, porém, que a obrigatoriedade do diploma serviu para moralizar uma profissão até então corrompida pelos favores oficiais (exclusão do dever de pagar imposto de renda, por exemplo), o que explica o fato de, naqueles tempos, tanta gente querer e conseguir registro de jornalista, sem o ser.
2) A frase ?nas duas últimas décadas, perderam força, competência e espaço, no mercado e nos modelos gerenciais?, que gerou certa celeuma, tinha sentido genérico em relação à carreira e à evolução da profissão de relações públicas que, a meu ver, também por deficiências curriculares, não acompanhou o rápido e complicado desenvolvimento dos modelos administrativos e gerenciais, dentro dos quais a comunicação passou a ter papel complexo, devido à fisionomia discursiva dos conflitos. Mas isso nada tem a ver com o ?ser melhor ou pior?, em comparações, inevitavelmente tolas, entre jornalismo e relações públicas.”
“Férias atribuladas”, copyright Comunique-se (www.comunique-se.com.br), 15/09/03
“Olá! Como foi de férias? Espero que tenha aproveitado bem minha ausência. De minha parte, houve muita atribulação com obras no apê novo e meu pai com uma crise de hipertensão, tendo ido parar no CTI (agora está legal, sendo cuidado pela minha irmã e pelo genro médico, em Lauro de Freitas, na Bahia).
Durante este mês, confesso que procurei (e até fui obrigado pelas circunstâncias a) me desligar do mundo da mídia e provavelmente por isso só três coisas me fizeram sair da letargia. Exponho duas delas abaixo e deixo a terceira para a semana que vem, pois ela me levará um outro ponto.
Caso Inca – Como você deve lembrar os médicos do Instituto Nacional de Câncer se revoltaram contra a administração de Jamil Haddad à frente da instituição. O ex-deputado e secretário de Saúde do Estado do Rio foi acusado de incompetência e de nepotismo, não necessariamente nesta ordem, e todos os chefes do Inca botaram os cargos à disposição.
A imprensa, é claro, deitou e rolou, mas o que me deixou mais surpreso foi a descoberta de nossos jornais, TVs e rádios de que cargos públicos, de qualquer pasta, são usados como moeda de troca política no país. Incrível, não? Nunca poderia ter imaginado isso no Brasil! Logo aqui, onde, desde a Colônia, o mérito sempre foi privilegiado, sendo o principal – e muitas vezes único – critério para a designação para altos cargos.
Obviamente, diante de tal acinte, os nossos coleguinhas saíram a campo em fúria cívica e acusaram a atual administração federal de lotear os cargos públicos, mesmo os mais sensíveis, numa prática perversa, jamais perpetrada contra coisa pública no Brasil. Simplesmente maravilhosa esta atitude de desassombrada vigilância, que, tenho certeza, não esmorecerá ao longo dos próximos anos e governos, sejam estes eleitos por que siglas forem.
O que a TV Bahia tem? – Essa aconteceu durante a minha estada na Bahia, para onde fui levar meu pai, como expliquei lá em cima. Eu e meu velho assistíamos ao Jornal Nacional pela TV Bahia, canal 11, de propriedade da família Magalhães, quando o William Bonner informou que o programa ia ser interrompido para a propaganda política. Logo depois entrou o programa do PT no ar. Como me interessei em saber o que o Duda Mendonça tinha inventado, fiquei olhando.
O programa era regional, mas, pelo menos na Bahia, começou com uma abordagem nacional, falando das reformas e coisa e tal. Nesta parte, apareceram o líder governista na Câmara, o baiano Nelson Pellegrino, e o seu êmulo no Senado, Aloízio Mercadante. Fala daqui, fala dali, a partir de um determinado momento, Mercadante começa a elogiar o Pellegrino, já praticamente escolhido candidato do PT à prefeitura de Salvador, ao mesmo tempo que passa a rolar um filmete mostrando o deputado em articulações com diversos líderes e até recebendo um abraço do Lula.
De repente, o filmete é interrompido e a telinha fica toda preta, apenas com uma faixa verde em cima. Como era transmissão via Sky, pensei que fosse alguma interrupção boba e a imagem logo voltaria. Depois de uns 15 segundos, como nada mudou, comecei a zapear. Verifiquei logo que os canais pagos estavam funcionando. De toque em toque no controle remoto, acabei topando com uma TV aberta, a CNT, que passava o programa do PT. Do Rio. Fiquei surpreso e voltei para o 11. Tudo preto com a faixa verde. Retornei à CNT e assisti ao programa petista fluminense até o final. Assim que acabou, voltei ao 11 e lá estavam Bonner e Fátima como sempre.
Agora, me diga o que você acha que aconteceu?”
“O sabor do fisiologismo”, Editorial, copyright Folha de S. Paulo, 14/09/03
“Errar, todos os partidos erram. O problema do PT é ver virtudes onde existe erro quando o erro é seu. Os outros estão sempre errados, jamais o PT. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, não perde oportunidade para dizer que recebeu uma ?herança maldita? – ou seja, a possibilidade de descontrole inflacionário, o desacerto cambial e a desconfiança dos investidores, nacionais e estrangeiros, no Brasil – e perdeu os primeiros seis meses de governo para conjurar as ameaças. Parece não lhe ocorrer que os fatores subjetivos que orientam a economia só se deterioraram a partir do momento em que ficou evidente que o PT ganharia as eleições, tornando-se concreta a possibilidade da mudança da orientação da política econômica. Antes de janeiro, como presidente eleito, suas declarações de fé na ortodoxia econômica não eram levadas a sério – o que só ocorreu depois que o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, demonstrou com atos inequívocos que não mudaria a política até então seguida pelo ministro Pedro Malan. Enfim, não admite o presidente Lula que ele, e só ele, ainda como candidato, foi a causa da crise dos últimos meses do mandato do presidente Fernando Henrique, crise que só agora dá sinais de estar debelada.
Essa mesma insensibilidade aos fatos desagradáveis da realidade revelou-se em outros episódios. O ?loteamento? da administração pública é um deles.
Tornados evidentes os efeitos nefastos que essa prática produz na administração pública, com prejuízos diretos aos cidadãos que dependem de serviços públicos, o PT não só reluta em reconhecer o erro, como o agrava.
O secretário de Comunicação do Governo, Luiz Gushiken, não apenas considerou injustas as críticas que têm sido feitas ao governo, como tentou dar uma justificativa pseudamente científica para o ?aparelhamento? do Estado:
?Fazemos partilha política com base em critérios técnicos. A partilha política é uma maneira de organizar o Estado. O rodízio natural na democracia, que chamam de loteamento, não é defeito: é marca.?
É defeito e é marca.
É defeito quando o rodízio periódico feito por meio de eleições – e que se destina a mudar o governo e, em conseqüência, as políticas de governo – é usado na tentativa de mudar as políticas de Estado, que dizem respeito aos interesses e necessidades permanentes da Nação e, por isso, ultrapassam o tempo de duração de um governo e se sobrepõem aos programas de quaisquer partidos.
E é marca de desenvolvimento político quando os partidos compreendem a necessidade de uma burocracia estável, profissional, para garantir a perenidade das políticas de Estado; ou marca de atraso, quando um partido que sobe ao poder se sente no direito de nomear 15,4 mil filiados ou aliados para 70% dos cargos de livre provimento, obedecendo unicamente a critérios políticos – e para isso chega a revogar medidas saneadoras e moralizadoras, que reservavam parte desses cargos a funcionários com experiência técnica e administrativa comprovada.
O ?aparelhamento? do Estado não é um direito de quem ganha as eleições. É um mal que se faz a um país que ainda não dispõe de uma burocracia profissional estável. O presidente Fernando Henrique, preocupado com a nossa ancestral herança patrimonialista, fez uma ampla mas insuficiente reforma administrativa, promoveu as privatizações e criou as agências regulatórias.
Essas medidas reduziram o número de cargos disponíveis para a barganha política. Mas não acabaram com a lógica perversa que aprisionou Lula, definida pelo professor de Direito Administrativo Carlos Ari Sundfeld, em entrevista publicada segunda-feira no Estado: ?Não colocar um correligionário em determinado cargo significaria deixar um correligionário do governo anterior no posto.?
Essa lógica está sendo levada a extremos. Cargos de direção nas agências reguladoras estão sendo preenchidos por membros do PT e dos partidos aliados, e não por técnicos de reconhecida competência. E o ministro da Previdência acaba de mudar as regras dos concursos internos para preenchimento de cargos de escalões superiores, atribuindo pontuação – pasmem os leitores! – a quem exerceu cargos de direção em sindicatos e entidades comunitárias, isto é, a quem militou nas organizações de base do PT.
Só há uma maneira de romper essa armadilha política e moral: completar a reforma administrativa, valorizando o funcionalismo, o que não é tarefa simples. O problema, como observou o professor Sundfeld, é que ?é certo que faltam condições para mudar no presente, mas parece claro que tampouco há vontade para mudar no futuro?. O PT experimentou governar com o fisiologismo… e gostou!”
“Governo amplia estrutura de comunicação oficial”, copyright Zero Hora, 15/09/03
“Um novo sistema de comunicação está sendo montado pelo governo Lula com pretensões que vão além do mero aperfeiçoamento da máquina de divulgação oficial. Trata-se de um projeto montado para alcançar – com noticiário oficial e gratuito – um público estimado em 100 milhões de pessoas em todo o país.
A estrutura já conta com 1.150 funcionários e um Orçamento de R$ 90 milhões por ano na Radiobrás, mais 75 profissionais no Palácio do Planalto.
Em função do projeto de expansão do noticiário, a Radiobrás já iniciou uma ampla reestruturação de sua equipe, demitindo antigos funcionários de carreira e atraindo profissionais da iniciativa privada com salários competitivos. Hoje, a estatal mantém 220 jornalistas, com salários que variam entre R$ 2,5 mil e R$ 4 mil. Os que estão sendo contratados chegam para funções de confiança, com salários de R$ 6 mil a R$ 8 mil.
A operação resulta num agigantamento do noticiário oficial, jamais atingido nem durante ditaduras como a de Getúlio Vargas, em que tudo era controlado pelo célebre Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP).
O governo procurou inspiração no Primeiro Mundo. O jornalista Bernardo Kucinski, assessor do secretário de Comunicação de Governo, Luiz Gushiken, fez estágio na Inglaterra e agora está nos Estados Unidos, para ver como funciona a comunicação da Casa Branca. É dele a idéia de criação do sistema de pronta resposta, em que as redações dos jornais são atulhadas de cartas de reclamação contra o noticiário considerado ?incorreto?.
O novo sistema A estrutura de comunicação do governo Lula Radiobrás Orçamento de R$ 90 milhões anuais 1.150 funcionários em todo o país 4 emissoras de rádio 2 emissoras de televisão 1 agência de notícias 1 agência de fotografias Presidência da República 75 funcionários numa agência de notícias própria Ministérios Assessoria de comunicação em todos os 24 ministérios e 9 secretarias especiais.”