NP e voz da américa extintos
"O fim de uma era", copyright Folha de S. Paulo, 7/02/01
"Dois veículos de comunicação de massa com grande carga ideológica na década de 1960 deixaram de existir no primeiro mês do século 21.
O jornal ?Notícias Populares? e o serviço brasileiro de rádio da Voz da América foram importantes símbolos numa conjuntura política e econômica do Brasil que se alterou demais nos últimos 40 anos, a ponto de torná-los desnecessários para os fins com que foram concebidos e disfuncionais como empreendimento de negócios.
A Voz da América era um instrumento que o governo americano julgava fundamental na Guerra Fria. O receio de que o Brasil pudesse seguir os caminhos do socialismo justificava altos investimentos dos EUA na propaganda ideológica. Além disso, a vasta população rural brasileira, que não recebia sinal de TV nem tinha acesso a jornais e revistas, usava a Voz da América como fonte de informação e entretenimento.
O fim da Guerra Fria e do regime militar, a disseminação da TV por todo o território nacional e a urbanização acelerada do país tornaram a Voz da América supérflua. Ela passou a funcionar quase exclusivamente como provedora de notícias de Washington para emissoras comerciais de rádio no Brasil sem correspondente na capital americana, o que não justificava mais os gastos de manutenção do governo americano.
O ?Notícias Populares? também surgiu no contexto de polarização ideológica da época. O empresário Herbert Levy o criou para tentar atrair para as idéias conservadoras pelo menos parte do leitorado de ?Última Hora?, diário que apoiava o governo Goulart e tinha boa penetração em setores do operariado.
Não foi apenas o fim do conflito ideológico que, aos poucos, inviabilizou o ?NP?. Nas décadas seguintes à sua fundação, a situação social de seu leitor-alvo se alterou de maneira significativa, em especial do ponto de vista econômico. O operário passou a ganhar mais, a ter mais tempo livre para lazer e a ser capaz de melhorar o seu padrão de consumo e de diversificar as suas fontes de informação e de entretenimento.
A TV passou a ter importância cada vez maior no seu cotidiano. As emissoras, que nos seus primeiros anos veiculavam uma programação de nível cultural mais elevado para a minoria da população capaz de comprar um aparelho receptor, passaram a dedicar cada vez mais tempo para atingir as faixas da população que ascendiam em termos salariais (e, portanto, se tornavam interessantes do ponto de vista da publicidade comercial), mas não necessariamente mudavam de gosto cultural. Programas como ?O Povo na TV?, ?Aqui e Agora? e muitos outros passaram a competir com o ?NP? pela atenção do público.
No Brasil, a tradição da leitura de jornais não chegou a se enraizar nessa camada demográfica. Foi ela que evitou, no Reino Unido, por exemplo, a ocorrência de fenômeno similar com os tablóides sensacionalistas. Lá, o hábito de ler jornais já estava estabelecido havia gerações quando a TV surgiu. O operariado já tinha uma história de cem anos de alfabetização, tempo disponível para o lazer e condições para comprar o diário de notícias, quando a TV apareceu.
Além disso, os meios de comunicação eletrônicos, naquele país, permaneceram sob o controle monopolístico do Estado até há muito pouco tempo, o que permitiu manter um padrão superior de qualidade no conteúdo do rádio e da TV, poupando os tablóides de uma concorrência potencialmente predatória, ao contrário do que aconteceu no Brasil.
Veículos de comunicação de massa às vezes são criados para atender a necessidades específicas de públicos determinados. Quando elas são mais bem atendidas por outros veículos, a lógica indica que eles caminham para a extinção. Não importa quão bem-sucedidos tenham sido no passado. Não houve o que salvasse a ?Life? e, no Brasil, ?O Cruzeiro?, quando a TV passou a oferecer mais e melhores imagens do que essas revistas podiam, com suas grandes fotos. Nem o fato de elas terem vendido, em seu apogeu, centenas de milhares de cópias e terem sido objeto de quase devoção por parte do leitor.
O ?NP? e a Voz da América estão nesse caso. Duraram enquanto
houve demanda para permanência no mercado. Infelizmente para eles, o ambiente
social, político e econômico do Brasil mudou muito e, na evolução
das espécies da mídia, eles se tornaram dinossauros sem chance
de sobrevivência. (Carlos Eduardo Lins da Silva, 48, doutor em jornalismo
pela USP, é diretor-adjunto de Redação do jornal ?Valor
Econômico?. Foi secretário de Redação (1984-87),
diretor-adjunto (1988-89) e correspondente da Folha em Washington (1987-88 e
1991-98))"
"Extintos", copyright Folha de S. Paulo, 11/02/01
"Mais uma vez Carlos Eduardo Lins da Silva demonstra sua sensibilidade e seu profundo discernimento no artigo ?O fim de uma era? (?Tendências/Debates?, pág. A3, 7/2). Por meio da análise da trajetória de dois meios de comunicação já extintos (o serviço brasileiro da rádio A Voz da América e o jornal ?Notícias Populares’), o jornalista mostra uma visão esclarecedora dos contextos político, social e econômico que originaram a criação desses veículos de informação e possibilitaram sua ressonância no público. Oportuna também é a reflexão sobre como as mudanças na sociedade brasileira influem diretamente no perfil dos meios de comunicação do nosso país nos dias de hoje. O autor mostra como a imprensa é um espelho das realidades nacionais onde atua. (Telma de Souza, deputada federal, PT, São Paulo, SP)"
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