INTERNET, TV & REALIDADE
“Controle remoto”, copyright Folha de S. Paulo, 4/09/03
“Não será para os meus dias, mas não me custa lamentar. O Luís Edgar de Andrade costuma dizer que a maior injustiça do mundo foi a tardia aparição do e-mail. Ele tem certeza de que tudo seria melhor se o Otto Lara Resende tivesse acesso ao novo recurso de comunicação que hoje está disponível a qualquer um, menos a ele, que tanto adorava escrever cartas, bilhetes e recados.
Ao contrário do Otto, não gosto de escrever, e se o faço é por vil necessidade de ter um teto para me abrigar e um prato de sopa para me alimentar. Mas estou aqui para me lamentar e, se não faço o mesmo lamento que o Otto faria, faço outro, na esperança de que um dia inventem o controle remoto da realidade, das coisas como são e estão por aí.
Outro dia, estava numa conferência sobre a influência dos simbolistas no modernismo. Eruditos de todos os tamanhos e feitios falavam em Mallarmé e em Baudelaire, e eu lamentei não ter um controle remoto para, com um simples clique, mudar de canal, como costumo fazer quando estou vendo TV.
Seria saudável mudar de paisagem e de assunto quando entramos numa dessas frias, cerimônias que não acabam nunca, jantares intermináveis, esperas abomináveis. Sem sair do lugar, sem esforço de mente e de corpo, sem nenhum custo adicional, apertarmos um botão e passarmos instantaneamente para outro programa. Não seria eu o transportado, mas a realidade da qual estaria fazendo parte.
O controle remoto não me livraria apenas das coisas inúteis ou chatas, mas daquilo que não gosto nem preciso ver. Num temporal recente, aqui no Rio, peguei um engarrafamento nefando em Botafogo. Nada podia fazer, ninguém podia fazer nada. Se tivesse o tal controle remoto que um dia ainda será inventado, removeria todos os ônibus encharcados à minha frente e teria a meu dispor uma campina verde, coberta de flores e pássaros, e não estaria indo para uma missa de sétimo dia.”
RATINHO SEM DNA
“Crise faz Ratinho cortar exames de DNA”, copyright Folha de S. Paulo, 4/09/03
“A crise que atinge a TV brasileira está levando um dos ícones da ?baixaria?, os exames de paternidade (DNA), à agonia. Seu maior promotor, o ?Programa do Ratinho?, do SBT, deixou nos últimos meses de encomendar a laboratórios até três exames por dia para apenas três por semana.
Carlos Massa, o Ratinho, conseguiu até agora manter sua equipe ilesa aos cortes de pessoal promovidos desde fevereiro pelo SBT (foram cerca de 400 profissionais), mas vem sofrendo cada vez mais pressões por redução de custos de produção.
As ?atrações? mais afetadas foram os exames de DNA (que custam entre R$ 1.500 e R$ 2.000), as dramatizações (que passaram a ser feitas com o próprio ?elenco?, em cenários e figurinos reciclados) e as reportagens/externas. Com os cortes, o programa está ascendente: deixou de ser deficitário e começou a ser rentável.
Desde a semana passada, todas as áreas do SBT estão revendo seus orçamentos, para preparar a empresa para 2004. Até agora, foram 20 novas demissões. A produção de Ratinho estuda onde cortar. O apresentador estuda pagar do próprio bolso a viagem do cantor Morris Albert (de ?Feelings?) da Itália ao Brasil.
Ratinho, cujo contrato vence em 2005, afirma via assessoria que os exames de DNA (que continuam dando Ibope) saturaram e que seu programa está se tornando mais ?circo? e musical.
OUTRO CANAL
Espera
Em reunião com executivos do SBT, na semana passada, Luiz Sandoval, presidente do Grupo Silvio Santos, afirmou que o ?patrão? adiou o anúncio do nome do novo vice-presidente da emissora. Deve ficar para o início de 2004.
Saque
A Globo programou para sábado, às 16h, a exibição de Brasil x Venezuela pelo Sul-Americano de vôlei. Anteontem, lançou no mercado publicitário a venda dos intervalos da transmissão. A pergunta que não quer calar: e se o jogo não terminar antes do início da novela das seis, às 18h? A reprise do último capítulo de ?Agora É que São Elas? está prevista na grade da emissora.
Conteúdo
Em seu segundo dia no ar, o todo pré-gravado ?Jornal do SBT – 1? Edição?, apresentado por Analice Nicolau e Cynthia Benini, subiu no Ibope. Deu 8 pontos na terça, um a mais do que o ?Jornal da Record?. O dobro do ?Jornal da Band?. Na segunda, só cravou 6.
Cota
A Globo vai exibir em outubro um segundo ?festival? de filmes nacionais (o primeiro, já tradicional, foi em janeiro). Na programação, ?Amores Possíveis? (dia 7), ?Luna Caliente? (que já foi apresentado como microssérie, no dia 9) e ?Eu, Tu, Eles? (10).
Martelo
Depois de ter sua estréia anunciada para julho, a versão televisiva do radiofônico ?Pânico? (Jovem Pan) vai finalmente entrar no ar na Rede TV!. Será dia 28, um domingo, às 19h30.”
TV PAGA
“TV paga perde cliente, mas eleva receita”, copyright Folha de S. Paulo, 3/09/03
“A base nacional de assinantes da TV paga caiu 0,5% entre abril e junho deste ano, pelo sexto trimestre consecutivo, mas o lucro das operadoras cresceu, segundo balanço divulgado anteontem pela ABTA (Associação Brasileira de Televisão por Assinatura).
De acordo com o relatório, o setor fechou o segundo trimestre com 3,461 milhões de assinantes, 17 mil a menos do que no final de março. O faturamento das operadoras, no entanto, atingiu R$ 1,6 bilhão, 15% a mais do que no mesmo período do ano passado.
Parte dessa conta está sendo paga pelo assinante que se manteve fiel ao serviço. O crescimento do faturamento das operadoras se deve ao aumento do preço das mensalidades (em média 25%) e mais publicidade nos intervalos (o veículo foi o único que cresceu no ano passado, 28,4%).
Outra parte está sendo paga pelas programadoras, que renegociaram o valor que cobram por seus canais, antes em dólares, agora em reais. Finalmente, houve aumento também de 5,5% de assinantes de acesso a internet de alta velocidade (145.405 mil).
Os dados da ABTA representam 93% das operadoras do país mais estimativa das restantes. O levantamento mais confiável é o da Pay-TV Survey (PTS), que ainda não divulgou os números do segundo trimestre. No primeiro trimestre, a PTS registrava 3,449 milhões de assinantes e a ABTA, 3,478 milhões (29 mil a mais).”
TV & CONLITOS
“TV é a arena dos conflitos múltiplos”, copyright Folha de S. Paulo, 3/09/03
“Às vésperas do segundo aniversário dos atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos, um curta francês sistematiza paradoxos do papel da TV na vida contemporânea.
?O homem é um animal dotado de razão?, lembra ironicamente o curta-metragem ?Freedub?, uma colagem de fragmentos da cobertura televisiva dos eventos internacionais dos últimos anos, com ênfase nos principais líderes mundiais, em exibição no Festival Internacional de Curtas, em São Paulo.
A TV nos brinda diariamente com imagens de explosões, mortes, escombros, corpos e ferragens distorcidos.
Vivemos uma guerra mundial de guerrilha. Espécie de ?reality show? da morte, construído de acordo com sofisticadas técnicas de roteiro e efeitos especiais, as ações bélicas dessa guerra mundial só se completam com a veiculação estratégica na televisão e na mídia.
A eficácia dos milhares de microatentados suicidas, assim como das bombas com endereço certo, que atingem figuras e instituições-chave na política internacional, não seria a mesma sem a visibilidade que a televisão lhes propicia.
A TV é a arena dos conflitos múltiplos, descentralizados e violentos que fazem o cotidiano do mundo globalizado.
A força persuasiva da imagem realista, para além da diversidade linguística e cultural vai fazendo da TV fonte cada vez mais ousada de notícia.
Hoje a TV não se limita a ilustrar informações veiculadas em primeira mão pela imprensa escrita. Em muitos casos, de Saddam Hussein a Tony Blair, da BBC à Al Jazira, ela é, não sem contestações, o veículo a sair na frente.
O filme, reflexão de oito minutos, que ainda pode ser visto nesta sexta-feira (dia 5) às 16h no MIS -?Museu da Imagem do Som (av. Europa, 158, SP, tel. 0/xx/11/3062-9197), na edição paulista do evento, e em datas e horários específicos nas mostras circulantes em outras cidades, não menciona os eventos do 11 de Setembro. Mas fica a indagação.
O tempo passa, e o evento continua a reverberar. O espetáculo cinematográfico feito para a TV, que destruiu as torres do World Trade Center, não deixa dúvidas sobre a centralidade perversa que a disputa pela visibilidade adquire nos dias de hoje.
A primazia de imagens como essas, ao contrário do que faria supor o ideário iluminista, tem colocado em xeque as possibilidades da razão.
No novo milênio as esperanças da era das luzes parecem literalmente ameaçadas.
Nesse panorama, as imagens estranhamente escuras transmitidas pela TV na cobertura dos blecautes recentes que deixaram Nova York e Londres sem luz por várias horas são sintomáticas.
O consumo descontrolado de energia denota falta de planejamento na manutenção e expansão das redes elétricas.
A inusitada crise de infra-estrutura atinge um dos maiores ícones do mundo moderno.
Entre excesso e escassez de luz vale destacar o trabalho de realizadores que se dedicam a pesquisar alternativas de tratamento visual da violência.
Esther Hamburger é antropóloga e professora da ECA-USP”