Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Carlos Helí de Almeida

CINEMA vs. TV

"O cinema brasileiro nunca foi uma ameaça ao mercado americano. Mas Hollywood anda muito preocupada com as movimentações em torno do novo pacote de leis que está sendo gestado em Brasília para regular o audiovisual nacional a partir de 2002. Antes mesmo de as decisões do Grupo Executivo para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica (Gedic), composto por representantes do governo e da classe cinematográfica, chegarem ao Congresso no final de agosto, as reuniões da comissão interministerial têm sido bombardeadas por cartas de representantes de altas patentes da indústria do entretenimento americano exigindo – com ameaças de retaliações e chantagens – a participação de suas entidades na confecção do pacote, que prevê uma ampliação da taxação de filmes e programas de TV estrangeiros no país.

Em 6 de junho chegou à embaixada brasileira em Washington uma carta assinada por Jack Valenti, 79 anos, 40 deles à frente da MPA (Motion Pictures Association of America), entidade encarregada de fazer lobby do produto audiovisual americano em todo o mundo, reclamando sobre a possível adoção de medidas ?discriminatórias contra as indústrias de cinema e televisão americanas?. No documento, endereçado ao embaixador Rubens Barbosa e repassado ao ministro-chefe da Casa Civil, Pedro Parente, líder da representação do governo no Gedic, Valenti pede que sejam detidas medidas que comprometam ?as relações da nossa indústria em seu país e as relações de troca entre os dois países?.

A carta de Valenti é mais diplomática do que a escrita por Steve Solot, vice-presidente para a América Latina da MPA, esta enviada diretamente a Pedro Parente no dia 15 de junho, na qual o executivo expressa sua preocupação com ?a pouca transparência do processo de discussão da reestruturação do setor audiovisual brasileiro?. Solot afirma que a MPA e suas empresas associadas devem ter uma participação mais efetiva no processo de discussão do Gedic, pois, nos últimos anos, as companhias americanas têm ?alcançado um papel importante na produção e distribuição do cinema brasileiro, no país e no exterior?. Tanto Valenti quanto seu representante no Brasil demonstram particular inquietação quanto à proposta do Gedic de aumentar a carga de impostos sobre o produto audiovisual estrangeiro, o que reverteria para a produção do brasileiro. Ainda não está decidido como será este aumento. Uma idéia é que, em vez de a taxação acontecer por título de filme, passe a acontecer por cópias, o que afetaria mais as produções americanas.

A indignação americana toma proporções mais agressivas na carta enviada a Parente pela presidente da TAP (Television Association of Programmers), entidade que congrega mais de duas dezenas de programadoras de TV por assinatura, um dos braços da MPA. ?As medidas aventadas pelo Gedic são protecionistas e trarão impacto altamente negativo nas atividades das redes de programadores de TV por assinatura que integram a nossa associação?, escreve Mary Pittelli. ?Em vista disto, cumpre-nos alertar sobre a concreta possibilidade de algumas de nossas associadas cessarem suas atividades em território brasileiro, o que resultará no fim de fornecimento de programação para o Brasil?, ameaça ela.

Tanto os delegados do Governo quanto os da classe cinematográfica do Gedic repudiam os apelos dos americanos. ?É inadmissível que entidades estrangeiras queiram participar da confecção de leis brasileiras; é uma questão de Estado?, avalia o produtor Luiz Carlos Barreto, um dos cineastas que integram o Gedic. ?Uma instituição americana não pode reclamar por não ser consultada a respeito da elaboração da regulamentação do mercado interno de um país. É uma atitude colonialista. Eu me senti insultado por eles?, revolta-se o produtor.

O Gedic, na verdade, ouviu as reivindicações dos americanos, chegou mesmo a se reunir com eles há três semanas, no Rio, mas rechaçou qualquer tipo de interferência externa na elaboração de normas que, lembram seus gestores, ainda nem foram definidas. ?O Governo está se comportando muito soberanamente a respeito?, diz Cacá Diegues, outro membro do Gedic. ?Vejo falta de senso na atitude dos americanos. O cinema está organizado em todo o mundo, em termos de leis e encargos, inclusive nos Estados Unidos, e o que queremos fazer é exatamente isso aqui no Brasil?, explica o diretor de Orfeu."

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"A rejeição do Gedic às investidas da MPA (Motion Pictures Association) e seus parceiros ainda não teve conseqüências graves para as relações comerciais entre os dois países. Mas o histórico do poderoso Jack Valenti, que há quatro décadas circula com grande desenvoltura pelas altas esferas dos seus domínios além-mar, e o teor ameaçador da correspondência trocada com o governo brasileiro indicam que as tentativas americanas não vão ficar por aí. ?Eles têm pressionado muito, mas temos de estar preparados para novas investidas, porque as medidas do Gedic mexem com muitos interesses. Mesmo que elas cheguem ao Congresso na íntegra, as medidas estarão sujeitas à pressão de lobbies?, avisa Diegues.

As cartas enviadas aos representantes do governo dentro do Gedic já deixam ver nas entrelinhas as possíveis reações a medidas consideradas ?injustas? em relação à indústria audiovisual americana. Steve Solot lembra que a recente retomada da produção de filmes brasileiros tomou um grande impulso com a contribuição de empresas associada à MPA na co-produção e/ou na distribuição de títulos, por intermédio do Artigo 3 da Lei do Audiovisual, que permite o investimento do imposto sobre a remessa de lucros em filmes nacionais.

Segundo os cálculos de Solot, as afiliadas brasileiras das majors americanas co-produziram ou distribuíram mais de 25 títulos nos últimos cinco anos. ?A possível elevação da carga tributária incidente sobre as atividades de importação, distribuição e exibição de obras audiovisuais (em qualquer meio), bem como a criação de mecanismos como a reserva de mercado, somadas à elevada carga tributária brasileira, pode inverter a percepção dos investidores, determinar a fuga de recursos, a redução do número de empregos no setor e um possível recuo no processo de desenvolvimento?, adverte Solot em sua carta.

Valenti, por sua vez, diz que as medidas propostas pelo Gedic encarecerão o entretenimento fornecido ao consumidor brasileiro. Mary Pittelli, da TAP (Television Association of Programmers), é mais incisiva: ?Medidas protecionistas como as pretendidas pelo Gedic provocarão distorções no mercado e terminarão por restringir o leque de escolhas de programação oferecido ao consumidor?, escreve a executiva.

Mary, que está à frente de uma entidade que tem como associados programadoras de TVs populares, como Fox (e suas divisões Kids e Sports), MGM Gold, Cartoon Network, CNN International, TNT, Nickelodeon Latin America e MTV, entre outras, garante que ?as medidas a serem adotadas pelo Gedic poderão constituir violação de dispositivos da Organização Mundial do Comércio (OMC)?.

Sobre esta questão, Luiz Carlos Barreto esclarece que foram feitas consultas jurídicas e nenhuma das novas medidas propostas pelo Gedic ferem as regras da OMC. ?Acho que os americanos estão mais incomodados com a extensão das taxas à programação das emissoras por assinatura, que atingem, inclusive a programação transmitida via satélite. Até agora, o que ocorria era um verdadeiro contrabando de imagens que não passava pelas fronteiras convencionais, o que consideramos desleal?, critica Barreto, que é sócio, junto com outros cineastas e produtores, do Canal Brasil (NET). ?Na verdade, a taxação das TVs para o desenvolvimento da indústria cinematográfica já existia desde 1982, ela só está sendo atualizada?, completa o produtor.

O que assusta os brasileiros tanto quantos as queixas e as chantagens dos americanos é a forma através da qual as discussões do Gedic, que têm transcorrido sob total sigilo, chegaram aos ouvidos dos distantes queixosos. ?Nenhum membro do Gedic sai das reuniões com documentos. Também nos comprometemos a não divulgar detalhes sobre elas com ninguém. Até as atas dos encontros ficam em Brasília?, observa Barreto. É um mistério que renderia muitas teorias conspiratórias nas mãos de um Oliver Stone."

"EUA recuam de tom de ameaça à
TV brasileira", copyright Folha de S. Paulo, 27/7/01

"Estúdios e programadores dos EUA avaliam que foi equivocado o tom das cartas enviadas a alguns ministérios brasileiros exigindo participação no debate sobre política de radiodifusão e ameaçando abandonar a televisão brasileira.

A medida, tomada há cerca de um mês, foi uma reação ao discurso de proteção do conteúdo nacional que pauta as discussões do Gedic (Grupo Executivo para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica), o anteprojeto de lei de radiodifusão do ministro Pimenta da Veiga (Comunicações) e vários projetos de lei.

A Tap Brasil (versão brasileira da Associação de Programadores de TV dos EUA), formada oficialmente há duas semanas, deve se reunir com parlamentares, cineastas e membros do governo para defender seus interesses. O objetivo é convencer os envolvidos de que o protecionismo pode prejudicar o mercado nacional.

Além de negociar um encontro com o Gedic, a Tap Brasil já definiu que irá convidar para uma reunião o deputado federal Aloizio Mercadante (PT-SP). No final de junho, ele apresentou um projeto de lei que proíbe a veiculação de publicidade estrangeira na televisão brasileira ?mesmo que dublada para o português?."

    
    
                     

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