GAROTINHO vs. CARTA CAPITAL
"A História Proibida", copyright Carta Capital, 20/05/02
"O leitor deveria encontrar nesta e nas próximas quatro páginas uma outra história. A que envolve o pré-candidato à Presidência da República pelo PSB, Anthony Garotinho, e Guilherme Freire, cidadão que declarou em entrevista a CartaCapital ter sido freqüente doador de campanhas políticas e intermediário de negócios do agora presidenciável.
Garotinho, apesar de seus assessores terem sido informados de que CartaCapital não publicaria o conteúdo de fitas – e sim uma entrevista em que Freire contava, inclusive, por que gravou conversas de e com o ex-governador -, buscou na Justiça o embargo à reportagem.
O que se lê a seguir, enquanto a revista vai à Justiça em busca do direito líquido e certo de publicar uma entrevista com um cidadão que acusa, e diz ter como provar, é o estilo e algo mais de um homem que quer governar 170 milhões de cidadãos brasileiros.
CartaCapital confia na Justiça e tem a certeza de que seus leitores, em breve, terão acesso a esse capítulo pregresso da história de Garotinho. Aos fatos.
No dia 24 de abril, CartaCapital conversou pela primeira vez, por telefone, com o empresário Guilherme Freire, que afirmava ter denúncias, e provas, contra o ex-governador do Rio de Janeiro e candidato à Presidência, Anthony Garotinho.
Freire afirmou ter provas também de seu passado como colaborador de campanha do presidenciável. E relatou negócios feitos em nome de Garotinho. Freire disse ter resolvido falar como forma de proteger sua vida e a dos seus familiares.
Três dias depois, no Rio de Janeiro, deu-se o primeiro encontro do editor Flávio Lobo com o empresário. A conversa, num prédio em Ipanema, durou 50 minutos.
No dia 1? de maio, o editor encontrou-se com Freire em São Paulo. A conversa se esticou das 7 da manhã às 5 da tarde. Foi gravada uma entrevista. Presente o subeditor Sérgio Lírio, que se encontraria outra vez com Freire em Campos, no Rio de Janeiro, já nos dias 7 e 8 deste maio.
Lobo esteve duas vezes no Rio, onde, por cinco dias, checou informações fornecidas por Freire. Sérgio Lírio, entre Campos e o Rio de Janeiro, passou outros quatro dias. Juntos, ambos ouviram 19 testemunhas de fatos, ações, relações e negócios que, segundo Guilherme Freire, envolvem o seu passado de ligações com o ex-governador Anthony Garotinho.
Na segunda-feira 13, Sérgio Lírio encontrou-se rapidamente com o presidenciável na redação do jornalismo da Rede Bandeirantes, em São Paulo, onde Garotinho gravaria uma entrevista.
Com testemunhas – que, no caso, são sempre necessárias -, o subeditor descreveu para Garotinho o cerne do que seria a reportagem e pediu-lhe uma entrevista. O ex-governador respondeu, sem saber dos detalhes da investigação da revista:
– Não falo sobre bandidos.
Lírio, na mesma noite, insistiu com Paulo Fona, um dos assessores de imprensa do ex-governador. Discorreu sobre os fatos em questão e quanto à necessidade de ouvir o pré-candidato.
No dia seguinte, terça-feira 14, Fona telefonou para a redação de CartaCapital e informou que Garotinho não falaria. Na quarta-feira 15, por volta das 19 horas, o redator-chefe insistia com os assessores Fona e Peninha para ouvir o ex-governador.
Enquanto seguia a conversa, e se tratava da possibilidade de uma entrevista, chegava à redação de CartaCapital uma liminar expedida pelo juiz Marcelo Oliveira da Silva, da 21? Vara Cível, com ação indenizatória contra a revista (leia à página 31).
No despacho, Oliveira adianta: ?Ficando, desde já, INTIMADA de que deverá abster-se publicamente, perante a imprensa escrita e falada, e ainda pela internet, o conteúdo de quaisquer gravações ou fitas, ou ainda transcrições ou escritos, relativos a interceptações de ligações telefônicas dos autores?.
Na liminar, o juiz estipulava uma multa de R$ 100 mil por dia em caso da divulgação. O redator-chefe, Bob Fernandes, observou ao assessor Peninha:
– Mas como é que vocês fazem de conta que tratam de uma entrevista enquanto pedem à Justiça uma liminar para impedir a publicação de uma reportagem?
Os assessores disseram não ter informação alguma sobre a liminar. O redator-chefe disse ainda que a reportagem não se baseava em fitas, e sim numa entrevista e em fatos revelados por Guilherme Freire. O assessor Fona mostrou-se surpreso:
– Ah, não são fitas? É uma entrevista com ele?
Uma hora depois, Sérgio Lírio conversava com o assessor Peninha. Este, depois de informar que estava com o presidenciável, a caminho da Paraíba, sugeriu:
– Mande perguntas detalhadas por escrito que o governador irá responder.
Dez perguntas foram enviadas, às 23h19 para o Hotel Tambaú, em João Pessoa (PB). A recepção confirmou a chegada do fax em perfeitas condições, o que foi reconfirmado por volta das 11h30 da manhã seguinte pelo assessor Fona:
– O fax já está com ele. Vão te ligar.
Cinco telefonemas durante o dia, e sempre a mesma resposta: ?Daqui a pouco alguém te liga?. Já às 17h30, sem que houvesse resposta alguma por parte de Garotinho, toca o telefone na redação de CartaCapital. Alguém, que se identificou como o escrivão Benedito, da 21? Vara Cível, informou:
– O juiz expediu um outro mandado.
Dito isso, passou a transmitir por telefone o teor da petição (leia à página 29) dos advogados de Garotinho e o conteúdo da decisão do juiz (leia à página 28).
É inédito, ao menos na história do jornalismo brasileiro, e desconhecido pela lei processual, que um escrivão faça, por telefone, uma intimação para embargo de uma reportagem. Dizia o escrivão falar em nome do juiz.
Por volta das 18h30 chegaram à redação, via fax, a petição dos advogados de Garotinho e o despacho do juiz, parte dele escrito de próprio punho.
Para ilustração dos leitores quanto à personalidade do candidato, adiante-se um trecho do que solicitaram seus advogados ao juiz. Que, neste particular, indeferiu. Pediu Garotinho por meio dos seus:
– Fiquem impedidos de imprimir e distribuir qualquer material da ré (CartaCapital) envolvendo as pessoas dos autores (Anthony William Garotinho Matheus de Oliveira, Jonas Lopes de Carvalho Júnior – advogado, ex-sócio do presidenciável, hoje conselheiro do Tribunal de Contas, e Waldemar Linhares Duarte, contador) sem prévia autorização do juízo, fixando-se multa não inferior a R$ 500 mil para o caso de descumprimento da ordem.
Não se especifica se a multa é diária, como no mandado anterior, ou não. A ordem envolvia também a gráfica que imprime CartaCapital e a distribuidora.
Entenda-se: um dos candidatos que pretendem presidir o Brasil no início do século XXI, no caso Garotinho, pediu a um juiz, por meio de seus advogados, que a Justiça simplesmente impeça a publicação de toda e qualquer informação sobre a sua pessoa.
Não se admite publicar nada, sem prévia autorização. Inclusive, citá-lo. Quiçá mencionar um espirro que tivesse dado. Chega-se, assim, ao clímax, aos píncaros, à perfeição do jornalismo ideal para quem está no poder.
Tivesse sido atendido o pedido de Garotinho – e o juiz não o atendeu, registre-se – o máximo que o leitor estaria a ler aqui seria algo no gênero:
– O cidadão, aquele que carrega no nome o que não mais tem na alma, o que já morou e governou aquela cidade, cujo nome remete a um lugar que contém capim, plantas, vacas, passarinhos, galinhas, carrapatos, fauna e flora, enfim, e que já habitou naquele palácio, aquele, aquele, isso, aquele, é candidato a tomar conta daquele outro palácio. Aquele, o da rampona, que tem uns soldados com baioneta na porta. E ele é candidato por aquele partido. Aquele, que tem na sigla aquela ideologia que o barburdão alemão em grande parte formulou…
Quanto a essa porção da manifestação de inequívoco pendor democrático e respeito às liberdades básicas, o juiz recusou o pedido do candidato a presidir o Brasil e dos seus colaboradores.
O que o juiz Silva deferiu na noite da quinta-feira 16, foi:
– Em razão dos documentos anexados que demonstram o firme propósito de publicação do conteúdo das gravações, majoro a penalidade para R$ 500 mil caso o teor das fitas venha a ser divulgado.
Registre-se que a colunista Márcia Peltier teve uma pequena participação no espetáculo. Em sua coluna no Jornal do Brasil, ainda na quinta-feira 16, Márcia, sem sequer ter ouvido CartaCapital, divulgou versão dos advogados de Garotinho – que falavam em fitas – e já comemoravam o embargo à publicação antes de ela ir às bancas.
Caro leitor. O candidato, ator nesta peça, é o mesmo que vive, nestes dias, a cobrar transparência e explicações de seus adversários.
É o mesmo candidato que acusou o presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, de obstruir as investigações em torno dos grampos do BNDES.
É o mesmo candidato que gravou seu ex-secretário de Segurança, Luís Eduardo Soares. Gravou e divulgou o conteúdo da conversa a toda imprensa e à mídia em geral.
É o mesmo que, relatam assessores da governadora Benedita da Silva, permitiu, ao deixar o Palácio da Guanabara, que se destruíssem os cabos da rede de informática da sede do governo carioca, entre outras malfeitorias.
O mesmo que assinou, no último dia de governo, o ato que lhe daria o direito a uma pensão de R$ 9,6 mil. E que só voltou atrás depois da divulgação da história.
É o mesmo que, agora, fez crer à Justiça que CartaCapital publicaria fitas sob embargo, embora já soubesse, desde a segunda-feira 13, que a reportagem se baseava numa entrevista de Guilherme Freire, seu ex-colaborador.
Na entrevista, Freire conta por que gravou conversas com e de Garotinho e revela o teor de outros assuntos graves, que não apenas os contidos nas fitas.
CartaCapital, depois de ouvir seus advogados, e como o despacho incluía seus parceiros – gráfica e distribuidora – optou por buscar na Justi&ccediccedil;a o desbloqueio da reportagem e evitar problemas a terceiros.
Por ora, serve a seus leitores um retrato de Garotinho pincelado pelo próprio. Esta é uma crônica sobre quem é e como age o pré-candidato do PSB à Presidência da República.
Diria um padre, ou um pastor, num púlpito, diante de seus fiéis:
– O destino é implacável.
É mesmo. Na noite da quinta-feira 16, enquanto CartaCapital recebia o despacho já mencionado e escrevia-se esta história, em rede nacional de televisão, no horário eleitoral gratuito a que tem direito, Garotinho verberava. Verbo entrecortado por palavras transformadas em slogans publicitários a piscar na tela da tevê:
– Justiça… Seriedade… Honestidade… Verdade.
É da tradição da imprensa norte-americana, e a de outros países, indicar um candidato de sua preferência em algum momento da campanha eleitoral.
CartaCapital, por ora, depois das informações obtidas nos últimos 20 dias e da ação de Garotinho e dos seus, vista e vivida tal história, permite-se pelo menos sugerir em quem não parece ser prudente votar."
"Garotinho censura reportagem com denúncias", copyright O Globo, 18/05/02
"O pré-candidato do PSB à Presidência, Anthony Garotinho, voltou a recorrer à Justiça para censurar a publicação na imprensa de detalhes sobre o teor de suas conversas gravadas com o empresário de Campos e ex-colaborador Guilherme Freire. Adotando a atitude que havia tomado contra O GLOBO no ano passado, obteve liminar do juiz Marcelo Oliveira da Silva, da 21?Vara Cível do Rio, proibindo que a revista ?Carta Capital? publicasse, na edição que chegou às bancas ontem, reportagem sobre o conteúdo das fitas.
Mesmo sabendo que a revista publicaria uma entrevista com o ex-colaborador de Garotinho, e não unicamente o teor das fitas, o candidato pediu à Justiça que a ?Carta Capital? fosse impedida de ?imprimir e distribuir qualquer material envolvendo as pessoas dos autores (Garotinho, seu advogado Jonas Lopes de Carvalho Júnior e seu contador Waldemar Linhares Duarte) sem prévia autorização do juízo, fixando-se multa não inferior a R$ 500 mil para o caso de descumprimento da ordem judicial?, segundo a liminar.
Apesar de o juiz não ter aceitado integralmente o pedido dos advogados de Garotinho, que desejavam que a revista sequer publicasse o nome do pré-candidato e fizesse qualquer referência a ele, a direção da ?Carta Capital? decidiu quinta-feira à noite não publicar a entrevista na qual Freire conta detalhes de negócios desabonadores que teriam sido feitos por Garotinho.
– O juiz poderia entender que, ao publicar uma entrevista falando sobre as fitas, pudéssemos estar desrespeitando sua decisão e assim estarmos passíveis de ter a revista apreendida e ter de pagar a multa de R$ 500 mil. O pior é que não seria apenas a revista a ser atingida, mas também a gráfica e nossos distribuidores – disse Bob Fernandes, editor-chefe da revista.
Marco Aurélio: é proibido proibir
O presidente do Supremo Tribunal Federal e presidente da República interino, Marco Aurélio de Mello, disse que é favorável à liberdade de imprensa e contrário a manobras para se evitar a publicação de reportagens com denúncias.
– Nesse campo da liberdade de expressão, vou reafirmar o que aprendi com um craque da música: é proibido proibir – disse, acrescentando que a lei dispõe de ?freios e contrapesos? para coibir excessos.
Em Recife, Garotinho disse que a publicação do teor das fitas já está proibida desde o ano passado e que a Justiça apenas ratificou decisão anterior. Ele atribuiu as gravações a uma vingança de Freire e de um dono de jornal.
– Meu advogado não entrou na Justiça para impedir a publicação, mas sim para manter a decisão anterior da Justiça, que reafirmou que as fitas são ilegais e clandestinas – disse ele, embora, segundo a revista, tenha sido informado que não seriam publicadas as transcrições das fitas."
"Justiça proíbe reportagem de Carta Capital contra Garotinho", copyright Comunique-se, 17/5/02
"A Justiça do Rio proibiu, a pedido do ex-governador do Estado, Anthony Garotinho, a publicação na revista Carta Capital de entrevista com Guilherme Freire, que se indentifica como ex-caixa e freqüente doador de campanhas políticas do candidato à Presidência da República pelo PSB e autor de gravações clandestinas de Garotinho. A Editora Confiança Limitada, responsável por Carta Capital, está sujeita a multa de R$ 500 mil diários se desobedecer a determinação do juiz Marcelo Oliveira da Silva, da 21? Vara Cível do Rio.
A direção da revista decidiu então publicar texto em que explica a proibição da Justiça e a apuração da matéria: ?O leitor deveria ler nesta e nas próximas páginas uma outra história. A que envolve o pré-candidato à Presidência da República pelo PSB, Anthony Garotinho, e Guilherme Freire, cidadão que declarou em entrevista ter sido caixa e freqüente doador de campanhas políticas do agora presidenciável?.
Em entrevista à Folha de S. Paulo, o redator-chefe de Carta Capital, Bob Fernandes, disse que a reportagem não traria o conteúdo de fitas gravadas, mas sim uma entrevista com Freire. Ele informou que a editora recorrerá da decisão.
Ainda segundo texto de Carta Capital, no dia 24/4, Freire, em entrevista por telefone, afirmou ter denúncias e provas contra Garotinho. Três dias depois, o editor Flávio Lobo se encontrou pela primeira vez com o empresário. ?No dia 1? de Maio, o editor encontrou-se com Freire em São Paulo. A conversa se esticou das sete da manhã às cinco da tarde. Foi gravada uma entrevista?.
O texto ainda conta que na segunda-feira passada (13/5) o subeditor Sérgio Lírio encontrou-se com Garotinho na redação da TV Bandeirantes, em São Paulo, onde pediu ao ex-governador uma entrevista, explicando que a revista conversou com Freire. ?Não falo sobre bandidos?, respondeu.
A redação de Carta Capital insistiu com os assessores de Garotinho que ele concedesse uma entrevista à revista. Durante as negociações, a publicação recebeu uma liminar expedida pelo juiz Silva, com ação indenizatória.
Os assessores de Garotinho pediram que a redação enviasse perguntas detalhadas por fax. Apesar de confirmarem que receberam o documento, a revista ainda não recebeu resposta.
Segundo Lírio, em conversa pelo telefone, Mino Carta vai se reunir com advogados para tentar derrubar a liminar e publicar a entrevista na edição da próxima semana."