MÍDIA E LUXEMBURGO
José Antonio Palhano
O Jornal Nacional chamou a matéria com um emblemático "fênix". Tratava-se de exaltar a escalada do Esporte Clube Corínthians no campeonato paulista, atolado na lanterna feito ave marinha lambuzada pelo óleo da Petrobras. Em termos esportivos propriamente ditos uma senhora pauta, merecedora de todas as atenções e caprichos. Não se deve fazer pouco da segunda maior torcida do país em horário nobre, a despeito de vivermos tempos em que a rapinagem no futebol ? graças a Ricardo Teixeira, Eurico Miranda & Outros ? ter invadido a área da mitologia de modo a reduzir o velho Minotauro a um inocente, dócil e abestalhado bezerro clonado.
O diabo é que a (ótima) atropelada do time paulista traz consigo uma proposta no mínimo indecente: performances esportivas à boca do túnel se prestam às mil maravilhas para lavar reputações. Ou é assim, ou tudo que a imprensa publicou nos últimos meses sobre Wanderley Luxemburgo ? e continua publicando eventualmente, de acordo com os gols marcados pelas CPIs do futebol ? deve ser remetido à lata de lixo, providenciada gorda indenização à pobre vítima.
O exemplo da Globo aí de cima é apenas ilustrativo. Toda a mídia se persignou feito torcida que lota o Maracanã na hora de minuto de silêncio relativo a defunto ilustre quando Luxemburgo foi convocado a resgatar o Timão. Não que se deva suprimir a indivíduos sob suspeita a sacrossanta prerrogativa de exercer seu trabalho. Não bastassem os cânones do Direito, o ócio reinante nas masmorras nacionais é tido e havido como o grande responsável pela reciclagem dessas em escolas de graduação do crime.
Cara-de-pau
À época em que os cartolas corintianos deram-se ao supremo deboche de chamar Luxemburgo justo quando este passava pelos seus piores momentos com a Justiça, faltou que a imprensa cumprisse um seu papel frente ao qual tem demonstrado verdadeiro pavor (ou contumazmente "pipocado", no jargão dos gramados): alertar a sociedade frente a todo e qualquer ataque especulativo ao já esburacado e quase infértil campo da ética, da compostura e do decoro. Nada de clamar em editoriais de capa pela eletrocução do homem em pleno Pacaembu. Mas algo como mostrar aos moleques e cafajestes que manipulam o futebol que protestar e praticar a indignação ainda vale a pena. Assim, o técnico da barra suja teria garantido o seu direito de bater o ponto sem se dar ao desplante de desprezar a voz rouca das ruas frente às suas picaretagens.
Da mesma forma que a imprensa silenciou frente à sua volta ao Parque São Jorge, trata agora de soltar rojões em seu triunfal retorno. O que lhe é de extraordinária valia para recuperar a imagem ? aliás fruto de um marketing tão repulsivo quanto insuportavelmente provinciano. Ou alguém duvida da força que a galera, reencontrando-se com a vitória, tem em semelhante processo de "absolvição"?
É raríssimo que tenhamos a oportunidade de defender, ou pelos menos isentar, a classe política nacional. Agora dá. Como haverão de se sentir os nobres deputados e senadores que já há algum tempo se esfalfam para levar Wanderley Luxemburgo às barras dos tribunais diante dessa nova realidade, na qual a mídia enche a bola do homem com tanta cara-de-pau?