“Os voyeuristas devem experimentar esta semana uma sensação de vazio com o fim do Big Brother. Aqueles que não viam a menor graça naquele cotidiano pasmacento, no entanto, respiram aliviados e ficam com a impressão de que a vida, na TV Globo, voltou ao normal.
A normalidade encampa o retorno do humor do Casseta & Planeta Urgente! O período de férias a que foram submetidos fez com que os cassetas voltassem afiados e fossem recebidos entusiasticamente pela audiência que lhes conferiu 34 pontos de média no Ibope, o que equivale a quase 1 milhão e 700 mil domicílios só na Grande São Paulo.
Esse público sabe o que encontrar no humorístico, que não fugiu do script. A fórmula do show continua a de sempre: parodiar a programação da própria Globo e brincar com a chamada atualidade.
É bem provável que a isca para o público fiel seja a ?leitura? que a trupe faz de atrações que, fora do planeta Casseta, são tratadas com a maior solenidade. Na verdade, ao alimentar-se das entranhas da emissora, o Casseta & Planeta comete um Vídeo Show às avessas, com certeza mais divertido. A esculhambação só foi limitada quando os rapazes gravaram a ?novela? Estrela Virgem, título que mexeu com os brios de Sandy, na época em que protagonizava Estrela Guia.
Molecagem – O humor da turma do Bussunda não conhece sutileza, é grosso como brincadeira de moleque, mas as idéias são engraçadas. No quadro Mulheres Recauchutadas, o saxofonista inspirado no personagem de Tony Ramos na novela das 8 tem pêlos no corpo e no bocal do instrumento. Maria Paula se revela uma boa atriz com a caricatura da heroína Helena (Christiane Torloni). A personagem Luciana recebeu no Casseta um trocadilho com o nome da atriz e se chamou Comê-la Pitanga. O empregado que namora a patroa foi batizado como Expepinto.
Piada mesmo são os nomes de quadros e personagens, porque os diálogos são bobagens de menino. A campanha Come Zero provoca risos pelo nome, porque o ?conteúdo? da paródia do principal programa do governo Lula também não tem valor, como se diria, humorístico. Não colou a história do desaparecimento do personagem Seu Creysson e a da morte de Bussunda.
O melhor da reestréia foi a versão cassetense da Guerra do Iraque. O repórter embebedado pela ?arma química? da cachaça entrevistando o míssil inteligente (de óculos e livro nas mãos) foi um dos melhores momentos do programa. Só perdeu para a performance do repórter Marcos à Toa (Reinaldo) narrando o conflito no Iraque imitando as transmissões pela internet (via videofone), e para a análise da comentarista Mirian Peitão com Maria Paula.
No setor de boa idéia e péssima execução esteve a gozação com a minissérie A Casa das Sete Mulheres. Só a apresentação dos cassetas travestidos e de bigodão foi engraçada. O que se seguiu foi decepcionante: texto mal articulado e muito tempo desperdiçado só para ?provar?, com toda a grossura disponível no repertório dos humoristas, que todo gaúcho é gay. Coisa de meninos.”
MEMÓRIA / IBSEN SPARTACUS
“Morre em São Paulo o jornalista Ibsen Spartacus”, copyright O Estado de S. Paulo, 14/4/03
“Morreu na madrugada de ontem o jornalista Ibsen Spartacus. Ele estava internado havia cerca de 40 dias no Hospital Sírio-Libanês em virtude de um tumor no cérebro. Spartacus tinha 38 anos e passagens por vários veículos de comunicação brasileiros. No início dos anos 90, foi editor do caderno Cidades do Estado.
O jornalista ficou conhecido pela sua inteligência e competência, o que o levou, mesmo jovem, a assumir cargos de chefia na grande imprensa. Um dos seus primeiros trabalhos foi como repórter da revista Veja , no Rio. Mais tarde, tornou-se chefe da sucursal da revista em Belo Horizonte. Teve passagens também pelos jornais O Globo e Jornal do Brasil. Em São Paulo, trabalhou ainda na TV Cultura, no jornal Folha de S. Paulo. na editora Nova Cultural. Seu último emprego foi como gerente de conteúdo do portal Ajato, da TVA.
O velório foi realizado ontem na capital e o enterro será hoje, às 12 horas, em Niterói, onde nasceu. Spartacus era casado com a também jornalista Cristiane Barbieri e deixa um filho, de 7 anos.”
OS NORMAIS
“?Os Normais? une documentário e ficção”, copyright Folha de S. Paulo, 14/4/03
“?O realismo não convence?, afirmou Jorge Furtado em sua intervenção no debate sobre ?Imagens da Subjetividade? na Conferência Internacional do Documentário na última sexta.
A frase sintetiza o espírito de algumas das mais bem-sucedidas experiências televisivas recentes, produzidas pelo núcleo Guel Arraes, na Globo, espaço que vem propiciando sinergias interessantes entre profissionais com formações diversas na publicidade e no cinema. É o caso de Fernando Meirelles e César Charlone, de ?Cidade dos Homens?, José Alvarenga e Alexandre Machado, diretor e autor de ?Os Normais? -que iniciou nova temporada também na última sexta-feira-, Furtado e o próprio Guel.
Cada um deles possui marca própria. Mas pontes podem ser sugestivas. ?Essa Não É a Sua Vida?, de 1991, apresentado na mostra da conferência, é o único de seus trabalhos que Furtado classifica como documentário.
Um documentário sobre a desimportância do documentário, relata a história de Noely, personagem gaúcha escolhida ?ao acaso?, como exemplo de pessoa que nunca havia sido filmada.
Curiosamente, o painel de milhares de fotos 3 x 4, em meio às quais a de Noely é apenas uma, que aparece no final do curta, inspira a vinheta de abertura de ?Os Normais?, raro exemplar de sitcom bem-sucedida.
O deslocamento do painel de fotos em formato ?RG? do documentário para a vinheta de um seriado, que se afirmou justamente por um partido ?fake?, barato, sugere as evoluções em curso em uma vertente promissora da dramaturgia.
Em ?Os Normais? a profusão de fotos de identidade abre e marca os intervalos de um programa centrado em poucas personagens, mas caras conhecidas, muito estúdio, raras locações, cenário fantasia, suporte digital, efeitos de edição, escatologia e humor.
O visual diferenciado, o ritmo acelerado, convenções como o ?flashback? -que sintomaticamente não apareceu no primeiro episódio da nova temporada, que parece mais sóbrio na linguagem visual, mais carregado na escatologia e perigosamente menos engraçado- são elementos que não disfarçam a centralidade que o texto ocupa nessas produções.
O texto, tal como sugere as imagens documentais da vinheta e o próprio nome da série, representa o cotidiano ?típico? de um casal de classe média do Rio de Janeiro.
A opção não realista aparece como traço distintivo de uma vertente promissora da dramaturgia brasileira contemporânea. Uma que provoca distinções ?clássicas? entre objetividade e subjetividade, documentário e ficção. Esther Hamburger é antropóloga e professora da ECA-USP”