HISTÓRIA DA CENSURA
"A história do silêncio involuntário brasileiro", copyright Folha de S. Paulo, 13/04/02
"Desde que Adão, Eva ou seja lá quem disse o primeiro ?cala a boca?, ela vem amarrando braços, silenciando vozes e tapando olhos com todos os tipos de cordas, mordaças e vendas possíveis. Agora, pela primeira vez, todo o arsenal material e simbólico que ela utilizou no Brasil está sendo reunido no mesmo espaço.
Ela, com o perdão da palavra, se chama censura, e toda a sua trajetória em território brasileiro ganha seu primeiro retrato de corpo inteiro no volume ?Minorias Silenciadas – A História da Censura no Brasil?, que a Edusp, a Imprensa Oficial de SP e a Fapesp estão lançando.
Organizado pela professora de história da Universidade de São Paulo Maria Luiza Tucci Carneiro, esse mapeamento do silêncio involuntário ao longo da história nacional reúne artigos de 22 intelectuais de campos distintos.
Eles começaram a empreitada há cinco anos. Em abril de 1997, Tucci Carneiro convocou a mesma escalação de pensadores para participar do seminário ?Minorias Silenciadas?, um dos módulos do colóquio Direitos Humanos no Limiar do Século 21, que o professor Renato Janine Ribeiro organizou para a USP.
?A idéia do trabalho era mostrar a diversidade de categorias de censura desenvolvidas no Brasil?, conta Tucci.
Autora de estudos importantes na área de racismo ou perseguição religiosa, como ?O Anti-Semitismo na Era Vargas? (que está sendo relançado pela editora Perspectiva), ela pretendia focar especificamente como a censura atingia algumas minorias.
O grupo de participantes do seminário (e agora do livro), que contou com professores renomados como a historiadora Anita Novinsky e o ensaísta e tradutor Boris Schnaiderman, alargou um pouco os limites do estudo. ?Minorias Silenciadas?, o livro, acabou por trazer um perfil abrangente de modelos de censura.
Reunidos com alguma referência cronológica, os artigos podem tratar do nascimento das primeiras instituições de repreensão em Portugal e Espanha, a mais notória delas o Santo Ofício da Inquisição, ou de censuras bem menos oficiais e aparentes, como as castrações simbólicas sofridas por uma moradora de uma favela de São Paulo que decide ser escritora, como o caso de Carolina Maria de Jesus (autora do best-seller dos anos 60 ?Quarto de Despejo?).
O maior número de textos, porém, aborda aqueles que Tucci Carneiro considera os ?everestes? da censura brasileira.
?O século 20 é o auge da censura. E os seus dois grandes momentos são, claramente, o período Vargas, com o DIP e a polícia política atuando como aparatos censores e repressores, e, depois, a ditadura militar, sobretudo o período de 1968 a 1975?, diz.
A cultura da mordaça
Nem Peter Pan escapou dos aparatos de censura brasileiros. É, até mesmo o personagem que não queria crescer, criado pelo inglês J.M. Barrie e apadrinhado pelos traços de Disney, foi perseguido pela repressão de Getúlio Vargas.
A história de como os livros com a versão dessa história feita por Monteiro Lobato foram apreendidos pela Superintendência de Segurança Política e Social de GV é um dos exemplos reunidos em ?Minorias Silenciadas? de até onde pode chegar a censura.
O artigo ?Procura-se Peter Pan?, de Vladimir Sacchetta e Marcia Mascarenhas Camargos, mostra como a manifestação de idéias contrárias ao regime podia levar um intelectual como Lobato (de quem os pesquisadores fizeram a biografia ?Um Furacão na Botocundia?) a seguidas visitas ao interior da Casa de Detenção.
A história, na verdade, começou bem antes dos ?era uma vez? lobatianos, mostra o livro. Foi em 1517, com o Brasil ainda adolescente, que nasceram nossas primeiras regras de censura.
Nesse ano, os portugueses começam a montar o tripé institucional que regulamentaria a censura na metrópole (e consequentemente na colônia) até 1768.
A estrutura era formada por um tribunal de juízes eclesiásticos, denominado Ordinário, pelos representantes do Estado absolutista, instituição chamada de Mesa do Desembargo do Paço, e pelo Santo Ofício da Inquisição (que começa oficialmente em Portugal em 1536 e só é extinta em 1821).
Nesses primeiros séculos, tanto no Brasil quanto em Portugal, a censura seguia ditames religiosos (e de quebra amordaçava grandes literatos como Gil Vicente e até Camões). ?O argumento usado para apreender e queimar livros é que eles feriam a verdadeira fé católica. É uma luta contra o herege, o inimigo número um deles?, diz Maria Luiza Tucci Carneiro.
De acordo com a organizadora de ?Minorias Silenciadas?, a repressão só começaria a mudar de ritmo com a ascensão do marquês de Pombal ao poder português.
Em 1768 o todo-poderoso ministro do rei dom José 1? cria a Real Mesa Censória, instituição formada por leigos e religiosos que passou a regulamentar as perseguições oficiais. ?A censura ganha um tom político. Persegue não mais o cristão-novo, mas os maçons, que representavam a trama de algo secreto contra o governo, os teóricos da Ilustração, como Voltaire, e os jesuítas, grandes inimigos de Pombal.?
Essa nova censura, mais política do que religiosa, se estenderia ao Brasil, que só deixou de espelhar as práticas censoriais portuguesas depois de 1808, com a abertura dos portos e o nascimento oficial da imprensa no país.
Os próximos grandes capítulos da história da mordaça no Brasil viriam junto aos grandes acontecimentos nacionais. Exemplo: o artigo ?Sob o Signo da Censura?, da historiadora Ana Luiza Martins, mostra como um mês depois da Proclamação da República, em 1889, já existe um decreto restringindo a atuação da imprensa. ?Havia um medo muito grande da revanche dos monarquistas.?
Outro momento de destaque nessa linha do tempo seria 1923. Nesse ano é decretada a chamada Lei Adolfo Gordo (que leva o nome do senador paulista). Mecanismo de cerceamento da atuação da imprensa, a lei tinha como alvo principal os anarquistas e comunistas (e o PCB havia nascido só dois anos antes). Os comunistas continuariam a ser perseguidos até 1983.
?Livros Proibidos? ganha reedição
O simpósio que deu origem a ?Minorias Silenciadas? foi acompanhado, na época, de uma exposição e do lançamento de um livro, ambos chamados ?Livros Proibidos, Idéias Malditas?.
A obra de Maria Luiza Tucci Carneiro e a mostra complementavam as discussões com exibição de farta documentações sobre livros apreendidos pelo Departamento de Ordem Social e Política (Deops). O trabalho, originalmente editado pela Estação Liberdade, está de volta, agora pelas mãos da Ateliê Editorial.
Nessa segunda edição, o livro, que retrata as inventividades tanto da polícia política quanto dos autores das obras clandestinas, volta encorpado. O destaque é o mapeamento de como funcionavam as tipografias do Partido Comunista Brasileiro, dados que Tucci recolheu recentemente de 14 volumes que documentam o chamado Partidão no Deops.
O trabalho é resultado de oficina que a professora coordena no Arquivo do Estado paulista, na qual discute com alunos de graduação de história da USP a documentação levantada pela polícia política ?in loco?.
Obra vai de Roma até Henfil, mas esquece negros
A escalação dos articulistas que ocupa a extensa lista ao pé deste texto mostra a qualidade e a diversidade do livro ?Minorias Silenciadas?. O time de historiadores, professores de literatura, jornalistas, sociólogos e educadores conseguiu montar um painel amplo cronologicamente e quase tão diversificado como podem ser os tipos de censura.
Os trabalhos começam com uma erudita exposição de Anita Novinsky sobre os primeiros casos conhecidos de censura (na Antiguidade romana).
O volume termina com diversos artigos sobre como o regime militar perseguia tanto jornais alternativos como ?Movimento? (no qual escrevia nosso atual presidente, Fernando Henrique Cardoso) como desenhistas do porte de Henfil (tema do único texto não exposto no seminário que gerou o livro, feito pelo jornalista Maurício Maia).
Nesse longo passeio pela cultura da mordaça, e pela mordaça da cultura, ficou faltando apenas algum artigo sobre o silêncio dado ao negro na história brasileira, um dos temas de estudo, por sinal, da organizadora do livro.
O lapso deixa marcas negativas, mas não tira o brilho de ?Minorias Silenciadas?,
saudado na abertura com um pronunciamento ufanista do ex-reitor da USP Jacques
Marcovitch: ?Posso afirmar que aquele foi um dos mais belos momentos da nossa
história acadêmica?."
CINEMA & VÍDEO
"Cinema e vídeo: Prefeitura aplica R$ 2,5 milhões", copyright O Estado de S. Paulo, 10/04/02
"A Prefeitura de São Paulo, por meio do seu Núcleo de Cinema e Vídeo, vai investir cerca de R$ 2,5 milhões na produção, finalização, roteirização e pós-produção de documentários para TV, curtas e longas-metragens. As regras para investimento vêm sendo publicadas no Diário Oficial do Município desde sábado.
O Núcleo de Cinema e Vídeo é coordenado por Carlos Augusto Calil, ex-diretor da Embrafilme, da Cinemateca Brasileira e atual diretor do Centro Cultural São Paulo, mantido pela Secretaria Municipal de Cultura. Esse é o maior investimento em cinema já feito pelo Município num único período.
A área de Documentários para TV (filmes com até 50 minutos) vai selecionar 2 filmes, destinando R$ 75 mil para cada um. A Comissão de Seleção escolherá até 6 filmes de curta-metragem (16 mm ou 35 mm, tempo de projeção igual ou inferior a 15 minutos), cada um recebendo no máximo R$ 40 mil.
Os projetos de longas-metragens e telefilmes (35 mm e tempo superior a 70 minutos) receberão, cada um, R$ 300 mil. Serão selecionados apenas 5 projetos e pelo menos um deles deverá ser de um diretor estreante.
As inscrições serão feitas no Núcleo de Cinema e Vídeo do Centro Cultural São Paulo (Rua Vergueiro, 1.000), das 10 às 12 horas e das 14 às 18 horas, de segunda a sexta-feira."