BOLETIM DO FNDC
O relatório final da Comissão de TV a Cabo que aponta saídas para a crise do segmento no Brasil foi apreciado pelo Conselho de Comunicação Social (CCS), em 1? de setembro. Aprovado na terça-feira (26/8) pelo grupo formado para analisar o projeto de lei que prevê a entrada de capital estrangeiro nas empresas operadoras, o documento relatado pelo conselheiro Daniel Herz faz um diagnóstico do serviço, indica potencialidades e, principalmente, define objetivos estratégicos para o alcance da universalização através da recomposição do modelo de serviços e negócios do segmento. "O CCS acredita que conseguiu demonstrar que as alternativas existem, são viáveis e podem transformar-se em um projeto relevante para o País", diz o texto. Estagnado desde o ano 2000, o mercado de TV a cabo não consegue superar o patamar de 2 milhões de assinantes (cerca de 5% dos domicílios com TV).
Como critério de universalização da TV a cabo, o relatório defende não apenas a expansão da cobertura do serviço, como querem as operadoras, mas a ampliação da utilidade social desta mídia, "de modo a permitir a um contingente crescente da população o acesso a diversificadas fontes de conteúdo e a disponibilização de rede de banda larga capaz de viabilizar outros serviços adequados à promoção da inclusão digital". Muitas medidas indicadas pelo texto estão na Lei do Cabo, aprovada em 1995, e se tivessem sido cumpridas pelas empresas poderiam apresentar um cenário diferente da crise atual.
Potencialidades do serviço
O relatório final da Comissão faz menção à ociosidade de infra-estrutura instalada a partir dos 298 municípios onde já existem outorgas concedidas. A idéia básica da proposta é incluir de imediato os habitantes desta região como forma de expandir o sistema. Atualmente, 9,7 milhões de domicílios que vêm a rede passar em frente à sua porta poderiam receber o conteúdo dos canais pagos, bem como serviços de banda larga, mas continuam excluídos. Outros 13,6 milhões de domicílios, onde vivem 54,50 milhões de pessoas, só dependem de investimentos em operação e instalação de infra-estrutura para serem abrangidos. Enquanto isso não ocorre, 72,6 milhões de pessoas que vivem nesta área ficam distante dos serviços, inacessíveis para a maior parte das famílias de baixa renda.
Situação |
Domicílios |
População |
Assinantes |
2,00 |
8,20 |
Não-assinantes com acesso à rede |
9,70 |
38,70 |
Sem acesso à rede (nas localidades com serviços em operação e em instalação) |
13,60 |
54,50 |
Total de domicílios urbanos nos municípios com serviço de TV a cabo em operação ou em fase de instalação |
25,30 |
80,80 |
Valores expressos em milhões
Fonte: Relatório final Comissão de TV a Cabo do Conselho de Comunicação Social
De forma específica, a universalização proposta pela Comissão prevê:
** obtenção de adesão, como assinantes, de 100% dos atuais domicílios por onde as redes já passam (conceito de home passed);
** ampliação de 40% para 100% da bidirecionalidade da rede atualmente instalada e acesso a serviços de banda larga nos serviços com home passed;
** impulso à máxima ampliação das redes das operações atualmente instaladas e das redes das operações em fase de instalação, com plena capacidade bidirecional nas áreas onde forem implementados projetos de promoção da inclusão digital.
Interesse público
Uma das principais inovações do relatório final da Comissão está na inédita definição de quatro objetivos estratégicos para a ampliação da utilidade social do serviço de TV a cabo por meio de pacotes de canais que poderiam ser oferecidos:
"I. Promoção da cidadania: incluindo os 7 canais de utilidade pública (inclusive o do Judiciário). Com a digitalização da TV a cabo deve ser incluído o desdobramento do canal legislativo, dedicando-se um para as Assembléias Legislativas e outro para as Câmaras de Vereadores e um canal para cada um dos três níveis do Poder Executivo (Federal, Estadual e Municipal), complementando as ?janelas eletrônicas? abertas para as instituições disponibilizadas para os cidadãos;
II. Formação cultural: composição com canais internacionais disponíveis gratuitamente (português, espanhol, inglês, italiano, francês, alemão, entre outros) e outros que componham este perfil. A utilização destes canais pode ser valorizada com a introdução de dublagem, legendagem e aplicação close-caption, o que pode ser desenvolvido com um custo ínfimo em relação ao benefício social que proporcionaria.
III. Educação e capacitação: Canal Futura, TV Escola e outros que componham o perfil;
IV. Entretenimento: canais da TV aberta e outros que componham o perfil".
O modelo sugerido pelo relatório prevê o acesso a este pacote básico por diferentes formas. Entre elas estão o serviço comunitário de TV a cabo, pontos coletivos de acesso aos serviços e o Vale-TV.
A primeira alternativa já existe em conjuntos habitacionais de difícil acesso onde o sinal é entregue por um preço fixo em um determinado ponto da comunidade, "cabendo a esta o desenvolvimento de uma rede interna para conexão de cada um dos domicílios, responsabilizando-se também pela manutenção da mesma e rateando o preço da assinatura coletiva".
Os pontos coletivos são uma prática menos usual mas que começa a ganhar terreno com respaldo do Poder Público, que vê na conexão de escolas, telecentros, hospitais, bibliotecas e centros comunitários a principal arma contra a exclusão digital.
Mais ousada é a proposta de criação de um benefício social que engajaria os empregadores na responsabilidade de financiar o acesso aos serviços de TV a cabo e de banda larga, contribuindo para a educação, informação e entretenimento dos trabalhadores. Batizada de Vale-TV (VTV), a idéia pode ser comparada aos conhecidos vale-transporte e vale-refeição e dependeria de regulamentação específica.
Sete medidas
Como reduzir o valor das assinaturas se as operadoras se dizem quebradas? Conforme o texto, "isto implica em ter foco permanente na viabilização econômica do modelo que se pretende desenvolver, evitando o desperdício das atuais instalações, voltadas restritivamente para os segmentos A e B, que atualmente excedem em muito a capacidade deste mercado."
O relatório da Comissão do CCS aponta sete medidas e iniciativas para a ampliação do mercado:
** racionalização no uso da infra-estrutura;
** condições especiais de financiamento para os investimentos em infra-estrutura, em desenvolvimento tecnológico e em produção industrial;
** condições especiais de financiamento para aquisição de bens de consumo que se fizerem necessários para integrar o novo contingente de assinantes visado;
** isenções tributárias parciais ou integrais, temporárias ou permanentes;
** nacionalização da produção de equipamentos e componentes, inclusive semicondutores;
** subsídios que viabilizem a integração como assinantes do serviços os segmentos de população de baixa rena;
** racionalização da operação das operadoras.
Soluções diversificadas
Sem comprometimento com a "salvação" das empresas, o relatório do CCS cogita diversas possibilidades comerciais e tecnológicas para reduzir o custo final do serviço de TV a cabo no país e promover a adesão de novos usuários. Os fatores que incidem sobre o valor da mensalidade final vão desde os custos de conexão do assinante (conversor, ligação do domicílio à rede, marketing e vendas) aos custos da assinatura (manutenção, atendimento ao cliente, cobrança e amortização do investimento).
Uma das alternativas é praticada por operadoras no interior e dispensa a compra do conversor pelo assinante para receber o conteúdo dos canais. Chamado de trap negativo, o equipamento que custa entre R$ 20 e R$ 25 permite a recepção direta dos canais de numeração mais baixa ? local da grade de programação onde se concentra o conteúdo das TVs abertas e dos canais de utilidade social. Atualmente, um decodificador analógico custa entre R$ 150 e R$ 280. "Outro recurso, ainda mais simples, é a não codificação de canais, distribuídos junto a canais codificados, de modo que estes últimos só podem ser recebidos pelos que dispuserem de um Conversor. Os demais assinantes, sem Conversor, poderão receber normalmente os canais não codificados. Esta solução permitiria a conexão dos assinantes, para receber um pacote básico de programação, sem o uso de um Conversor".
Por mais que sejam acessíveis, as duas soluções podem ser temporárias. Com a introdução da tecnologia digital, seriam exigidos mais recursos de processamento dos equipamentos receptores. "As dezenas de milhões de unidades de Conversores digitais necessários para viabilizar o modelo e serviços e negócios apresentado na hipótese aqui enunciada constitui uma oportunidade única para alavancar a produção industrial para um segmento que talvez seja o único capaz de apresentar reais características de um mercado de massa".
Todas estas sugestões serão analisadas em uma terceira etapa do trabalho, quando a Comissão pretende apresentar o relatório à sociedade e às empresas a fim de obter um posicionamento sob a melhor forma de implementar as medidas e alternativas formuladas.
Trabalho de fôlego
Desde 1994, quando foi aprovada a "Lei do Cabo" (Lei 8.977, de 6/1/95), representantes de setores da sociedade civil, do governo e das operadoras não sentavam para pensar o desenvolvimento do segmento. Instalado em 20 de maio, o grupo de trabalho da Comissão de TV a Cabo do CCS foi integrado pelos conselheiros Daniel Herz (coordenador, representante da categoria profissional dos jornalistas), Berenice Mendes Bezerra (representante da categoria profissional dos artistas), Carlos Chagas (representante da sociedade civil), Paulo Machado de Carvalho Neto (representante das empresas de rádio) e Roberto Wagner Monteiro (representante das empresas de televisão).
A Comissão também recebeu apoio de um grupo formado por integrantes da Associação Brasileira de Telecomunicação por Assinatura (ABTA), Ministério das Comunicações, Ministério da Cultura, Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Universidade de Brasília. O grupo realizou cinco reuniões para chegar ao relatório final apresentado no dia 26 de agosto.
(*) FNDC <www.fndc.org.br>