Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Censura é aceitável na universidade

JORNAL-LABORATÓRIO

Fernando Torres (*)

Formada em 2000, a primeira turma de Jornalismo da Unisul (Universidade do Sul de Santa Catarina) deixou para trás a produção do jornal-laboratório Capenga. Embora feito com informações precisas e verdadeiras, o veículo estava repleto de críticas aos desmandos da administração da universidade. Consta que a direção não considerava o jornal maravilhoso, porém respeitava o que era realizado dentro dos padrões jornalísticos.

O que ocorreu na Unisul é uma exceção, infelizmente. Quem pensa que a censura deu seus últimos passos no período da ditadura está redondamente enganado. Hoje o fantasma assume novas facetas e expressões. Destaca-se a censura a veículos universitários, seja em prol do conservadorismo institucional ou pela má qualidade do trabalho do aluno-repórter.

Em maio de 2002, a grande imprensa deu espaço à censura imposta ao jornal-laboratório Esquinas de SP, da Faculdade Cásper Líbero. O mensário reproduziu na capa a foto de um casal homossexual masculino (um negro e um branco) se beijando e a inserção de um brinco em formato de cruz e de estrela-de-davi, símbolos do cristianismo e do judaísmo.

O censor tomou corpo na pessoa de Sérgio Kobayashi, presidente da Imprensa Oficial de São Paulo que, segundo a Folha de S.Paulo, considerou a cena polêmica e de mau gosto, "com mais prejuízos do que dividendos à imagem da Imprensa Oficial". A instituição se recusou a imprimir, como sempre fazia, a edição. Ironicamente, a matéria de capa levava o título "Intolerância" e abordava as diversas formas de preconceito.

Limites da liberdade

Fato semelhante aconteceu no UnicenP (Centro Universitário Positivo), em Curitiba. A edição do jornal Laboratório da Notícia, de abril de 2001, foi apreendida por agentes da Polícia Federal e um oficial de justiça a partir da decisão liminar da juíza eleitoral Joeci Machado Camargo. Os censores ? a coligação partidária do prefeito Cássio Taniguchi ? acusavam o veículo de divulgar pesquisa eleitoral irregular.

O juiz responsável pelo caso, Renato Lopes de Paiva, considerou improcedentes as acusações. Conforme ele, em entrevista ao Laboratório da Notícia, "um jornal acadêmico, por suas próprias características e abrangências, não pode ser enquadrado na legislação que obriga os veículos de comunicação a registrar previamente pesquisas de intenção de voto que deseja publicar". Paiva determinou a devolução da edição apreendida.

Ambos os fatos ilustram como se dá a censura em ambiente universitário: às vezes a favor da moralidade e da decência, noutras buscando a "espiral do silêncio". O tema garante debate entre os professores. Alguns consideram justa a imposição de certos limites; outros batem o pé na premissa de que os produtos jornalísticos laboratoriais não podem sofrer censura.

"No campo moral, acho legal algum tipo de censura. protege, por exemplo, os pequenos, as crianças que não têm maturidade", defende Laerte Lanza, coordenador do curso de Comunicação Social do Unasp (Centro Universitário Adventista). Ele também resguarda a censura em materiais que infrinjam questões éticas.

Equilibrado entre as duas posições, o doutor em Jornalismo Gerson Luiz Martins, da Faculdade Estácio de Sá, em Campo Grande (MS), julga que "como todo e qualquer produto jornalístico, de acordo com a ética do jornalismo e com os princípios éticos filosóficos e morais, os produtos jornalísticos laboratoriais não podem sofrer qualquer tipo de cerceamento se têm como objetivo expressar a verdade". Ele ressalta que o aluno-repórter deve levar em conta os princípios de respeito nas relações humanas, lembrando-se do chavão "minha liberdade termina onde começa a sua".

Bem-vindo ao mundo real

Quando respeita essas premissas, o estudante encontra espaço para a livre produção jornalística. "A universidade, como o local que abriga a universalidade de idéias, deve proporcionar ambiente, por excelência, para a liberdade de expressão", opina Martins.

Como quase tudo na vida, a censura em âmbito universitário tem lá o seu lado positivo. Seria por demais infantil imaginar um mercado de trabalho tão cor-de-rosa que garantisse a ausência de censuras enrustidas. É o que pensa o estudante de Jornalismo da Unisul Felipe Lemos. Para ele, "o aspecto positivo da censura é que o aluno entende que precisa ter responsabilidade ao escrever, fazer um programa de TV ou rádio".

Cabe ao aluno, na produção de uma matéria, priorizar a veracidade das informações lançadas ao público. Os dados devem ser comparados, checados, analisados para, enfim, serem publicados. Entretanto, na maioria das vezes, isso não acontece. Aí entra o lado positivo da censura universitária. "Trocar vítima por acusado não é legal, e a censura pode ajudar nisso, desde que seja feita com o objetivo de mostrar ao estudante de Comunicação seu papel social", reforça Lemos.

Ao buscar aperfeiçoamento profissional, automaticamente o aluno se inserirá no mundo real, ficando exposto a críticas. Segundo Laerte Lanza, "os jornais-laboratório devem tentar simular a vida real. O editor do jornal-laboratório deve exercer uma função limitadora, pois assim será na vida real".

(*) Aluno do 2? ano de Jornalismo do Centro Universitário Adventista (Unasp)