JORNALISMO EM CRISE
Jorge Luiz Verissimo (*)
Há alguns dias parei para pensar como a mídia descreveria, se fosse chamada para tal, a história de Chapeuzinho Vermelho. Neste sonho, tentei antever como o quarto poder descreveria esta pequena história infantil, contada hoje nos noticiários, e saiu algo mais ou menos assim:
Abrindo chamada para o JN da Grobal teríamos o Bonnder: "Vejam daqui a pouco no JN a descrição de uma quase tragédia ocasionada pelo abandono infantil a trabalhos forçados." A Bando Newes Fora o Cabroni mandaria: "Falta de policiamento na floresta quase leva à morte criança explorada pela mãe."
Mas esperem, tem ainda o SoBraTv com o Kausboy: "Violento animal desprotegido pelo Ibama tentava sobreviver quando foi abatido." Não estamos nem falando nas antigas manchetes dos jornais ou parodiando-os: "Parente de cão danado faz mal a moça."
Mas vamos voltar e ver como seria a reportagem hipotética de cada um dos arautos do quarto poder. Na Grobal, o Bonnder começaria a reportagem assim: "Senhores, temos que nos indignar com o acontecido hoje na floresta. Uma menina, Chapeuzinho Vermelho, permaneceu durante cerca de duas horas na barriga de um feroz lobo em virtude da irresponsabilidade de sua mãe, que a usava como ?avião? para entregar pesadas cestas de sua indústria caseira de alimentos na casa da própria avó! A inocente criança foi seguida por lobo atravessador de alimentos faminto, e, como estava sem escolta adequada, acabou sendo alcançada já no seu destino final, só sendo salva por transeunte, que acionou a Defesa Civil do local (composta por um caçador da região), o qual mesmo chegando atrasado ao evento conseguiu pôr ponto final na tragédia, matando o meliante! A direção da emissora, em editorial, solicita averiguações para saber das condições de trabalho infantil naquela floresta, e que se faça uma pormenorizada apuração dos fatos para que a Vigilância Sanitária e a Receita acabem com o tráfico de comida.
Na Bando Newes Fora, Cabroni, sempre olhando de frente para as câmeras, daria dramaticidade ao acontecido: "Você que está vendo esta notícia vai tremer de raiva com o descaso das autoridades com o policiamento da floresta. Uma menina, Chapeuzinho Vermelho, foi engolida por um perigoso Lobo Mau, só sendo salva, com muito atraso, pelo responsável da Defesa Civil do local, que totalmente sem equipamentos adequados matou o meliante com uma garrucha velha e resgatou a menina da barriga do lobo homicida com a ponta de um facão! Até quando as nossas autoridades deixarão pobres habitantes da florestas à mercê de feras tão perigosas? Devemos ressaltar que omitimos o fato de que uma senhora inválida e acamada, a avó da menina, foi também engolida e salva por este bravo integrante de um órgão não competente para o assunto!"
Na SoBraTv, o Kausboy atacaria assim: "Em mais um desleixo de um órgão governamental, um espécime raro e em extinção de Lobo Mau acabou sendo abatido para que fosse salva uma menina e sua avó, que naquele instante eram o meio de subsistência de tão infausta criatura. Claro está que se fosse servida a ração do pobre animal ele não se dedicaria à prática de caçar meninas com cestas de alimentos ou suas avozinhas indefesas. Creio que esta história poderá ter repercussão junto às ONGs de defesa do meio ambiente e poderemos ter problemas para financiamento do replantio da Caatinga! Isto tem de acabar!"
Vingança sangrenta
Claro que no dia seguinte as manchetes dos diários nas bancas seria muito diversas:
"Tragédia na Floresta" ? O EXTRAordinário
"Faminto papou menina e foi assassinado" ? O DIÁrio
"Salva por um triz" ? The Globe
"Menina e avó saíram ilesas" ? Jornal do país
Durante toda a manhã do dia seguinte as rádios ocuparam seus talk-shows com o assunto, e a grande surpresa foi a votação maciça de pessoas com pena do Lobo Mau, pois foi abatido quando lutava pela sobrevivência.
De concreto mesmo foram as atitudes dos organismos, oficiais ou não:
"O chefe de polícia, em entrevista coletiva, desmentiu a falta de policiamento na floresta e atribuiu o estardalhaço ao ano eleitoral." "A sociedade protetora dos animais e o WWF expediram irado comunicado dizendo que levariam o assassino da fera em extinção ao Tribunal de Haia." "A Vigilância Sanitária, para provar sua agilidade, interditou a cozinha da mãe do Chapeuzinho." "A Receita determinou pesada multa à mãe da menina e autuou a avó por receptação." "O fiscal do Ibama da região foi demitido." "A Associação contra o Trabalho Infantil realizou passeata de protesto em frente à residência de Chapeuzinho, terminando na entrada da toca do Lobo Mau, onde tudo acabou em tumulto com integrantes da ONG Em defesa do Último Lobo Mau!"
Cerca de um mês depois, tudo voltou à calma na floresta: não havia mais manifestantes ou repórteres, Chapeuzinho voltou a entregar a cestinha à avó, após político da região ter intercedido na fiscalização.
Em tempo: os filhotes do Lobo Mau já cresceram e breve teremos Chapeuzinho Vermelho II ? A Vingança Sangrenta!
(*) Empresário