Saturday, 16 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Chrystiane Silva

‘‘Os Roberts têm faro para sangue mais apurado que o dos tubarões.’ Assim diz a lenda no mundo empresarial americano a respeito dos controladores da Comcast, que se tornou a maior operadora de TV a cabo dos Estados Unidos comprando empresas em dificuldades. Brian Roberts, filho do fundador e seu principal executivo, farejou sangue na Disney. Na semana passada, a Comcast lançou um torpedo na direção da lendária companhia de entretenimento criada por Walt Disney em 1923. Brian Roberts fez o que em inglês se chama ‘hostile bid’, ou ‘proposta hostil’, o primeiro passo para a compra de uma empresa mesmo contra a vontade de seus atuais executivos. Ele mandou uma carta à direção da Disney oferecendo 66 bilhões de dólares pela empresa, cujo valor de mercado é 48 bilhões de dólares. Por enquanto, a resposta foi negativa. O passo seguinte de uma abordagem como a feita pela Comcast é partir para o ataque direto sobre os acionistas da Disney, deixando de lado sua direção. Essa manobra é conhecida como ‘posse hostil’ (‘hostile take-over’, em inglês). Caso um número de acionistas suficiente para exercer o controle da empresa aceite vender suas ações, a Comcast se tornará dona da Disney. Até a semana passada, ainda era uma incógnita o rumo que tomariam as negociações dos Roberts com a empresa criadora do Mickey e do Pato Donald.

Se o negócio for concretizado, será criado um dos maiores grupos de mídia do mundo. Ao preço do mercado, valerá 125 bilhões de dólares e terá 179.000 funcionários. A iniciativa da Comcast foi motivada pela crescente concorrência que ela vem sofrendo dos canais de televisão por satélite, que oferecem uma variedade infinitamente maior de conteúdo. Com a aquisição, a empresa dos Roberts teria a sua disposição a programação de cinema e televisão da Disney e poderia enfrentar a competição. Pega de surpresa, a direção da Disney esboçou uma reação defensiva. Para muitos analistas, ao ataque da Comcast se seguirão outros até mais fortes. Não seria surpresa se a Microsoft, de Bill Gates, entrasse na briga. Dá-se como certo que o atual chefão da Disney, Michael Eisner, não sobreviverá no cargo seja qual for o desfecho da proposta recebida na semana passada. A gestão de Eisner tem sido criticada pela ineficiência e por seu estilo imperial e perdulário à frente do império criado por Walt Disney. Antes mesmo da oferta hostil, Eisner já enfrentava uma campanha para derrubá-lo movida por dois ex-conselheiros, um deles sobrinho do velho Walt. Depois de dois anos perdendo dinheiro, a Disney lucrou 1,27 bilhão de dólares em 2003. O resultado, porém, ficou ainda abaixo do obtido em 1999, que foi considerado um péssimo ano. O inferno astral de Eisner se aprofundou quando a empresa perdeu, no mês passado, a lucrativa parceria com a Pixar. A produtora de filmes de animação digital da Califórnia significara um sopro de criatividade na Disney, com produções de sucesso como Procurando Nemo, que bateu recorde de vendas de DVD nos Estados Unidos.

A empresa sofreu muito com o desaquecimento da economia americana. Após os atentados de 11 de setembro, as visitas aos parques diminuíram 30%. Premida para cortar custos, a Disney reduziu em 20% os salários e demitiu 4.000 funcionários. Mesmo com os cortes, a rentabilidade foi comprometida. O imenso prestígio da marca permanece intacto. Apesar dos problemas, a Disney é um tesouro. Num ano normal, o grupo fatura cerca de 25 bilhões de dólares, dinheiro que vem da produção de filmes, dos canais de televisão, do licenciamento de marcas, da rede de hotéis e agências de viagens. Seus dez parques temáticos representam 20% do faturamento.

À luz da desastrosa fusão da America Online com o grupo Time Warner feita com estardalhaço há três anos, faz sentido para a Comcast ficar dona da Disney? ‘A experiência mostra que mesmo associações que parecem fazer enorme sentido freqüentemente acabam em desastre’, diz Tom Wolzien, analista de mídia da Sanford C. Bernstein, em Nova York. Wolzien diz que a curto prazo certamente a Comcast saberá extrair mais valor da Disney, que vem sendo mal administrada por Eisner. Mas ele alerta: ‘O que parece natural hoje, a combinação de produtores de conteúdo com companhias de distribuição, pode parecer uma aberração dentro de alguns anos, com a rápida digitalização de filmes e músicas e sua distribuição pela internet’.’



Folha de S. Paulo

‘Operadora de TV propõe compra da Disney’, copyright Folha de S. Paulo, 12/02/04

‘A Comcast, maior operadora de TV a cabo dos EUA, apresentou uma proposta de aquisição da Walt Disney por aproximadamente US$ 66 bilhões. A eventual fusão criaria um dos maiores grupos de mídia do planeta, com o maior faturamento do setor.

Pela proposta, não haveria pagamento em dinheiro. A Comcast oferece US$ 54,1 bilhões em ações, além de assumir as dívidas da Disney, de US$ 11,9 bilhões.

A oferta da Comcast foi agressiva, ou seja, sem a solicitação da Disney. A empresa decidiu apresentar a proposta por causa do insucesso nas conversas sobre a fusão das duas companhias.

A Comcast tenta se aproveitar de um momento de debilidade da Disney, cujos diretores enfrentam uma crise de credibilidade. A família Disney critica a gestão do presidente-executivo do grupo, Michael Eisner, e está tentando retirá-lo do comando da empresa.

De acordo com a operadora de TV a cabo, Eisner recusou, no início da semana, discutir uma eventual fusão das companhias. Diante da negativa, a Comcast decidiu apresentar a ‘oferta hostil’.

‘A bola agora está no campo da Disney’, disse ontem, numa teleconferência, o presidente-executivo da Comcast, Brian Roberts, 44. De acordo com Roberts, a fusão criaria ‘uma das principais empresas de comunicações e entretenimento do mundo e recuperaria a marca Disney’.

O conselho dos acionistas da Disney emitiu um comunicado no qual afirma que analisará detalhadamente a proposta.

De acordo com o analista do setor de mídia Paul Kim, da corretora Tradition Asiel Securities, Roberts, da Comcast, está ‘indo na jugular’ da Disney. ‘Ele está aproveitando este momento de vulnerabilidade para pressionar a Disney’, comentou.

Ainda de acordo com Kim, a Comcast é basicamente uma empresa de TV a cabo e, provavelmente, ‘pode estar mordendo algo que não poderá mastigar’. ‘Penso que eles estão subestimando as complexidades de ser uma grande empresa de mídia.’

A Disney atua em vários ramos dentro do setor de mídia. Possui canais de TV (como a ABC e a ESPN), estúdios de filmes (o próprio Disney e a Miramax) e dez parques temáticos. A Comcast conta com 21 milhões de assinantes nos EUA.

O negócio, se concretizado, lembraria a compra da Time Warner pela America Online, que uniu uma empresa da nova mídia com um grupo de mídia tradicional. A fusão acabou se transformando num grande fracasso.

No ano passado, os faturamentos somados da Comcast e da Disney foram de US$ 45 bilhões. A Time Warner, hoje o maior grupo de mídia do planeta, faturou no período US$ 39,6 bilhões.

Para alguns analistas, a proposta de fusão é improvável. A Comcast teria de elevar sua oferta para ficar com a Disney.

Ágio

A operadora de TV a cabo ofereceu um ágio de 10% para o preço das ações da Disney ante o valor de fechamento da terça-feira. Para os especialistas, o prêmio é muito baixo, porque as ações da Disney estariam depreciadas.

O ágio, na verdade, acabou evaporando ontem, ao longo do dia, por causa da queda no preço das ações da Comcast e da alta no valor dos papéis da Disney.

Na terça-feira, as ações da Disney eram cotadas a US$ 24,08. A notícia da possível fusão fez o preço das ações saltar para US$ 27,57, numa alta 14,5%, atingindo assim o maior valor dos últimos. As ações da Comcast caíram 7,3%, para US$ 31,44.

Preço baixo

A Comcast ofereceu o equivalente a 0,78 de uma ação sua com direito a voto para cada ação da Disney. Os acionistas da Disney ficariam com 42% do capital da nova empresa.

‘Acho que a Disney vale muito mais’, disse Knox Fuqua, administrador de fundos de investimento da AAM Equity Fund.

O que torna o negócio ainda mais improvável é a melhora nos resultados da Disney. A companhia apresentou ontem o seu balanço do último trimestre do ano passado, e os lucros subiram para US$ 688 milhões.

‘Estamos no caminho da recuperação, estamos indo bem’, comentou Eisner, o presidente-executivo do grupo. ‘Todos os nossos parques, nossos filmes, estão indo muito bem.’’



O Globo

‘Diretor da Disney luta por seu cargo’, copyright O Globo / Bloomberg News, 13/02/04

‘O diretor-executivo da Walt Disney Co., Michael Eisner, está tentando convencer os investidores de que é o melhor nome para dirigir a empresa, em uma conferência de dois dias que termina hoje, em Orlando. Mas a tarefa é difícil. O Institutional Shareholder Services, um órgão de vigilância da governança corporativa, recomendou ontem que os investidores não apóiem a reeleição de Eisner na próxima Assembléia Geral, em 3 de março. Isso deu força aos ex-diretores Roy Disney – sobrinho do fundador da empresa, Walt Disney – e Stanley Gold, que querem Eisner fora da empresa.

Vic Hawley, diretor do fundo de investimentos Reed Conner & Birdwell, que tem 1,5 milhão de ações da Disney, defende uma mudança na empresa:

– A Disney como é hoje não pode continuar.

Eisner tem enfrentado críticas de vários acionistas, liderados por Roy Disney e Gold, que o acusam de má administração e de ter afastado parceiros importantes, como o estúdio de animação Pixar. Graças a ‘Procurando Nemo’, da parceria com a Pixar, a Disney lucrou US$ 688 milhões no primeiro trimestre fiscal.

Em resposta ao relatório do Institutional Shareholder Services, a Disney disse que excedeu as metas de governança corporativa estabelecidas pela Bolsa de Nova York.

‘Consideramos essa posição inexplicável e injustificada com respeito a Michael Eisner, já que foi ele que conduziu as mudanças que resultaram em um Conselho de Administração dominado por diretores independentes’, disse a empresa em comunicado.

Mas vários investidores disseram que levarão em conta as recomendações do Institutional Shareholder Services.

‘BusinessWeek’ defende fusão Disney/Comcast

Com toda a oposição a Eisner, dificilmente o Conselho rejeitará a oferta hostil de US$ 66 bilhões feita quarta-feira pela Comcast Corp. A revista ‘BusinessWeek’ publicou ontem em seu site um artigo defendendo o negócio. ‘Trata-se da muito esperada convergência de comunições e mídia’, diz o editorial. Segundo a revista, a fusão vai criar um novo modelo para esses dois setores.

Para a ‘BusinessWeek’, a Comcast, uma gigante do setor de telefonia e TV a cabo, não tinha outra saída senão adquirir uma empresa que lhe forneça conteúdo, o que vai reduzir seus custos. ‘No futuro, a mídia e as comunicações serão dominadas por híbridos como a News Corp., que recentemente comprou a operadora de TV por satélite DirecTV’, diz a revista, apostando em novas fusões no setor. (*) Com agências internacionais’

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‘Comcast oferece US$ 66 bilhões pela Disney’, copyright O Globo, 11/02/04

‘A Comcast, maior operadora de TV a cabo dos Estados Unidos, anunciou ontem que ofereceu cerca de US$ 66 bilhões – US$ 54 bilhões em ações e outros US$ 11,9 bilhões em dívidas assumidas – pelo controle da Walt Disney. Os US$ 54 bilhões em ações oferecidos pela Comcast incluem um prêmio de 10% em relação ao preço das ações da Disney no fechamento do pregão de terça-feira.

Se for bem sucedido, o negócio vai transformar a Comcast, com 21 milhões de assinantes nos Estados Unidos, em uma da maiores empresas de mídia do mundo, com receita total anual de US$ 45,4 bilhões, passando a incorporar os estúdios Disney, o canal de televisão ABC, a rede de canais de esportes ESPN e os parques de diversões da Disney.

Além disso, a aquisição seria um passo estratégico para a Comcast no concorrido setor de mídia dos EUA. A empresa ficaria em patamar de igualdade com a Time Warner e a News Corp., pois passaria a ter ativos importantes nas áreas de programação e distribuição.

A Comcast informou que estava fazendo uma oferta hostil (oferta pública, feita diretamente aos acionistas), devido à recusa do presidente-executivo da Disney, Michael Eisner, em discutir o assunto. Em carta enviada a Eisner, o presidente e principal-executivo da Comcast, Brian L. Roberts, explica a opção por uma oferta hostil.

‘Querido Michael’, diz um trecho da carta. ‘Escrevo-lhe após nossa conversa telefônica, onde discutimos a fusão entre a Disney e a Comcast. É uma pena que o senhor não esteja disposto a isso. Assim, a única maneira de prosseguir nesse propósito é fazer uma oferta pública ao senhor e ao seu conselho. Temos uma excelente oportunidade de combinar distribuição e conteúdo de uma forma que nem a Disney nem a Comcast individualmente podem fazê-lo.’

Dissidentes podem aceitar proposta de aquisição

A carta, tornada pública ontem, aproveita a atmosfera de disputa interna na Disney. Os ex-diretores Roy Disney, sobrinho do fundador Walt Disney, e Stanley Gold tentam tirar Eisner do comando da companhia alegando má administração na última década. Roy Disney tem feito lobby junto aos acionistas institucionais para que eles votem contra a reeleição de Eisner e de outros três diretores da companhia na próxima reunião de acionistas, no mês que vem.

Eisner, por sua vez, contra-atacou com uma campanha lembrando que a Disney foi líder nas bilheterias no ano passado e que espera aumentar seu lucro por ação em 30% neste ano fiscal.

– O conselho da Disney está sob uma tremenda pressão dos dissidentes Roy Disney e dos que o apóiam. Isso pode indicar que eles estarão receptivos à oferta – disse Timothy Ghriskey, gerente de portfólio da Ghriskey Capital Partners.

Empresa começou com apenas 1.200 assinantes

A Comcast foi fundada em 1963 por Ralph Roberts, com apenas 1.200 assinantes. Desde novembro de 2002, no entanto, a empresa ocupa o primeiro lugar entre as operadoras de TV a cabo do país, graças a sua fusão com a AT&T Broadband. A empresa também oferece serviços de banda larga e participa ativamente do mercado de comércio eletrônico e emprega atualmente cerca de 60 mil pessoas.

O volume de negócios em 2003 chegou a US$ 18,34 bilhões, 9,1% a mais que o ano anterior. Seu lucro líquido alcançou US$ 3,24 bilhões em 2003. Já a Disney faturou US$ 27,06 bilhões em 2003.’