Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Cinco mitos forjados pela mídia

GUERRA NO AFEGANISTÃO

Como na Guerra do Vietnã, a mídia americana errou o alvo no Afeganistão. Para Matthew Rose [The Wall Street Journal, 24/12/01], analistas e comentaristas se apressaram em declarar em alto e bom tom que a Aliança do Norte era uma gentalha sem chance contra as forças superiores do Talibã, apoiado pela população local.

"A imprensa gosta de falar da síndrome do Vietnã como algo que afeta genericamente a população americana, mas afeta mais os repórteres", disse Michael Kelly, editor da Atlantic Monthly. A síndrome se revela apenas depois que o furacão passa, quando vêm à tona os passos em falso mais absurdos. Erros de julgamento são uma das razões pelas quais a mídia dos EUA viu cair sua reputação desde 11 de setembro.

Estudo do independente Pew Research Center divulgado no fim de novembro diz que caiu de 56% em setembro para 30% em novembro o percentual de entrevistados que achou excelente a cobertura da "guerra contra o terrorismo".

Logicamente, nem toda a culpa é da imprensa. Obstáculos militares e discursos irrelevantes de oficiais dificultaram o trabalho. A mídia se baseou em sua fonte mais segura: a história. A memória das falhas na Guerra do Vietnã e no Watergate alimentou críticas e análises. Não foi à toa, então, que a mídia se mostrou impregnada de pessimismo.

Mas há profissionais corajosos noticiando do front, e oito jornalistas já perderam a vida. Qualquer análise da mídia agora, ressalva Rose, poderá cair no mesmo erro da analisada. A guerra ainda não acabou, não dá para concluir sobre o desempenho das diversas partes envolvidas no conflito ? e isso demorará a ocorrer, uma vez que não se sabe bem o critério que determinará seu fim. Se for o extermínio do terrorismo, é possível que a geração que acaba de nascer não viva para assistir ao fim da guerra.

Contudo, repórteres e comentaristas já estão confessando as besteiras ditas no primeiro estágio do conflito. Poucos reconhecem saber pouco sobre o Afeganistão e o terrorismo internacional. Rose listou os cinco mitos mais disseminados pela mídia, que se revelaram falsos.

O primeiro é o de que a história se repete. A falha das incursões britânicas e soviéticas em solo afegão foi estendida, por antecipação, aos EUA. Tal como no Vietnã, os americanos se atolariam em pântanos ao lutar em terreno hostil contra forças de guerrilha, profetizaram. Nas semanas seguintes ao primeiro ataque dos EUA, em 7 de outubro, mas antes da primeira vitória militar significativa, jornalistas falavam do avanço da guerra de forma pessimista.

O segundo mito é de que o Talibã é popular. Diziam na imprensa que, com apoio dos moradores rurais, especialmente pashtuns, o Talibã podia mandar e desmandar num exército imbuído de fervor religioso. E porque o Talibã trouxe lei e ordem, a população abraçou as restrições do regime. Na verdade, nos EUA poucos veículos chegaram sequer a um consenso sobre o contingente talibã. Comentaristas renomados, como Nicholas von Hoffman, da New York Observer, criticaram o desempenho americano. Em 19 de novembro, Hoffman afirmou que "por mais hediondos que sejam os talibãs, pessoas comuns do Afeganistão preferem ficar com eles a se submeter aos bandidos com os quais os EUA têm tentado firmar uma causa comum".

O terceiro mito diz que bombas a grandes altitudes não funcionam. A imprensa americana insiste em que as bombas poderiam atingir grandes cidades, tornando-as armadilhas fatais. O poder aéreo foi componente relevante para as vitórias americanas no Iraque e em Kosovo, mas para o conflito no Afeganistão os críticos se apressaram a condenar tais operações.

Os afegãos seriam maus aliados, reza o quarto mito de Rose. Os bandoleiros da Aliança do Norte, que controlam apenas 10% do país sob o comando de líderes tribais fracos, não poderão se unir para derrubar o Talibã ou formar um governo, ainda mais devido à a antipatia entre as tribos.

Por fim, o quinto mito afirma que o mundo muçulmano entraria em ebulição, voltando-se contra o algoz do Ocidente. Os EUA despertariam a fúria do povo, derrubando líderes como o presidente do Paquistão, Pervez Musharraf. O furor, garantiam os jornalistas, também tumultuaria o Golfo Pérsico. Comentários de George W. Bush, de que pretende capturar Osama bin Laden "vivo ou morto", apenas intensificaria o ódio muçulmano.

São questões essenciais para se entender a guerra e respostas cuja amplitude não permite que se chegue a um veredicto final agora. A imprensa, no entanto, já deu sua opinião. E a uniformidade dessas opiniões fez com que praticamente todos os americanos as abraçassem. Como fica a mídia americana, que se considera uma das mais democráticas e equilibradas do mundo? Mais uma vez, como em outros tempos de guerra, míope. Ou melhor, com uma gigantesca venda azul, vermelha e branca.