Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Cinema e representação da violência

Entre as 300 matérias pesquisadas, encontrei também algumas que passam imagem positiva do MST: oito nos quatro meses da pesquisa – sem contar alguns artigos nas seções de opinião e de cartas dos leitores. É um número muito pequeno, em comparação com as demais matérias, e tratam de temas diversos:

* OESP 17/4/99: “CNBB apóia sem-terra e critica política fundiária”

* JB 23/4/99: “MST faz pedido de audiência com presidente”

* OG 23/4/99: “Líder do MST solicita audiência com FH”

* OESP 23/5/99: “Líder do MST diz que tem direito à terra quem produz”

* JB 18/6/99: “MST cria escola em prédio invadido”

* OESP 26/6/99: “CNBB pede que população seja solidária aos sem-terra”

* JB 7/7/99: “Disco mostra 18 canções do MST”

* OESP 9/7/99: “Jovens líderes do MST têm aula para embelezar acampamento”

Quem conhece o MST sabe que há muitos outros aspectos positivos em relação ao trabalho do movimento, que os meios de comunicação tendem a omitir. Essa omissão não acontece por acaso. Existem vários fatores e teorias que podem explicá-la. Uma delas, baseada nas observações do professor Noam Chomsky em seu livro Manufacturing Consent, mostra que a principal função da mídia comercial não é transmitir informação à sociedade em geral. Seu público-alvo são os anunciantes, ou seja, grandes empresas que “compram” o produto oferecido pela mídia: a população com maior poder aquisitivo. Portanto, a principal limitação do jornalismo comercial se deve ao fato de estar subordinado aos interesses das elites, além de um motivo ainda mais óbvio: o próprio monopólio dos meios de comunicação. Portanto, é claro que a representação dos sem-terra – assim como de todos aqueles que não participam da sociedade de consumo – será tendenciosa.

Minha intenção é mostrar que as imagens construídas pela mídia podem ser facilmente identificadas e, por sua vez, desconstruídas.

(*) Jornalista e diretora do Centro de Justiça Global

 

Suzy Lagazzi-Rodrigues (*)

“Sem terra e sem lei.” Este é o título que abre a reportagem sobre o MST publicada por Veja em 10 de maio. Em chamada na capa lemos: “A tática da baderna”, com o subtítulo “O MST usa o pretexto da reforma agrária para pregar a revolução socialista”.

Essas formulações nos mostram o MST em notícia. O MST ganhou novamente as manchetes a partir das “ocupações de prédios públicos em 14 capitais por cerca de 5 mil sem-terra” e das “invasões e passeatas pelo interior realizadas por outros 2.500”. Fatos pontuais que fizeram retornar discussões sempre presentes e abriram espaço na mídia para matérias como essa da revista Veja.

A notícia faz repercutir e põe em movimento! Mas faz repercutir o quê? Põe o que em movimento? Ao buscarmos essas respostas temos que considerar as determinações que fazem de um fato uma notícia possível. O que pode virar notícia e como isso é feito?

“Baderna”, “falta de lei”

No caso específico do MST, ocupações/invasões são sempre boas razões para que o movimento entre novamente em pauta. Uma questão inesgotável. Fatos que se repetem no novo da notícia.

Na carta ao leitor desse mesmo número o editor ressalta a capacidade premonitória da revista ao mostrar que já em 98 havia chamado “a atenção para o fato de que os objetivos do MST iam muito além de conseguir terra para quem não tinha onde plantar”, acrescentando que “Veja tinha razão de sobra ao descrever o MST como uma organização pouco interessada na reforma fundiária”. “Veja tinha razão de sobra”; “Veja foi premonitória”. Essas duas afirmações explicitam o orgulho de um jornalismo que se considera atento, eficiente, crítico, a serviço do povo, do bem comum, do cidadão, da sociedade.

Justamente essa relação entre jornalismo e sociedade merece discussão.

Como o social é posto em pauta pela notícia?

Na reportagem em questão, especificamente como “baderna”, “falta de lei”, “revolução socialista”. Mais que sentidos possíveis, sentidos naturalizados, tornados incontestáveis no interior da nossa denominada sociedade democrática de direito. Direito à propriedade. O fundamento primeiro de nossas práticas cotidianas. As ações praticadas pelos sem-terra feriram a ordem pública sustentada no direito à propriedade. Uma ordem pública específica, mas não nos esqueçamos, naturalizada. Algo que não se discute. As notícias envolvendo o MST fizeram repercutir e novamente colocaram em movimento o discurso da propriedade, da ordem pública, dos direitos dos cidadãos. A reportagem de Veja é uma repercussão não só do esperado, mas do socialmente exigido porque incontestado por todos nós. Ou quase todos nós.

No final da reportagem lemos que “as lideranças do movimento têm na luta pela terra apenas um instrumento político”. Chamo a atenção para o apenas. As lideranças do movimento têm na luta pela terra um instrumento político, sim! Não apenas. Mas é justamente o político, entendido aqui como possibilidade real de relações entre as pessoas, que é banido do social, posto para fora da pauta pela notícia que registra, por exemplo, ocupações, invasões, passeatas. A transgressão à lei e a baderna acabam ocupando todo o cenário e roubando a cena daquilo que fica por ser discutido.

O social não é noticiável. O que irrompe como notícia são manifestações, acusadas como indevidamente políticas, de um social acuado e que a mídia localiza em fatos.

(*) Professora do Departamento de Lingüística do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp