NYT
EM PORTUGUÊS
Luiz Weis (*)
Que reações pode ter um jornalista brasileiro diante do caderno especial publicado pelo Estado de S.Paulo no primeiro aniversário do 11 de setembro, com uma seleção de matérias sobre o massacre, traduzidas do New York Times?
Para quem só conhece pela internet, se tanto, esse que é o mais reverenciado jornal do mundo, o primeiro impacto é visual: a quieta elegância dos seus padrões gráficos, com as suas torneadas fontes exclusivas ? as mesmas, nos títulos e no corpo dos textos ? e o compasso austero de sua paginação, excepcionalmente livre das restrições do espaço ocupado pela publicidade à apresentação do material jornalístico.
Não há anúncios em nenhuma das 12 páginas da seleta de 23 matérias, um tabelão, dois infos e um ensaio fotográfico que compõem o pacote que o NYT vendeu também para os prestigiosos Le Monde, El País e La Repubblica, na Europa, além de outros cinco diários latino-americanos.
Graças a isso, "a velha dama cinzenta" pode mostrar o perfil dos seus dias de gala, apesar das perpétuas rugas do "continua na página…", dessa vez limitadas, misericordiosamente, às duas únicas matérias de capa, "Como os EUA falharam diante do perigo" e "Uma cidade onde tudo é diferente e pouca coisa mudou".
O primeiro, por sinal, é um título sem frescuras, como convém a uma história que pretende contar a verdade dos fatos de uma tragédia que se anunciava. O segundo, uma atraente dissonância informativa, para conduzir o leitor à magistral mistura de reportagem, pensata e crônica, que abre em fortissimo ("Nada foi esquecido. Jamais será.") e fecha em pianissimo ("Não conversaram mais. A chuva batia no pára-brisa. A sirene soava, ninguém olhava. Isso é Nova York. Isso é 11 de setembro.")
Gosto de ler
É por coisas assim que o caderno deveria chamar a atenção
do leitor profissional brasileiro. Mais do que o conjunto dos textos
escolhidos (a pauta previsível de matérias hard,
soft e de interesse humano,entre as quais, só duas,
a que trata da cidade que mudou e não mudou, e outra sobre
os árabes-americanos entre dois fogos, já não
tinham saído no NYT); mais do que a qualidade da apurática
em cada relato (o padrão de excelência do venerando
matutino); mais do que as suas possíveis novidades (nada
de tirar o fôlego, mesmo no materião de abertura, que
segue os passos da reportagem especial "The secret history",
capa da Time de 12/8 e forte candidata ao Pulitzer), o que
conta no pacote é a classe dos textos.
Atribui-se a Sartre o bon mot de que não se escrevem romances com idéias, mas com palavras. São as palavras também que transformam a matéria-prima bruta do jornalismo ? os fatos ? em narrativas que valem (ou não) o dinheiro e o tempo que lhes dedica o leitor. "Valem", no caso, quer dizer: dão gosto de ler, por serem claras, coerentes, originais e entrelaçarem informações novas, contexto, argumentos e atributos de estilo capazes de dar um cutucão nos neurônios e uma balançada na pulsação de quem a elas se expôs.
Por mais que se esteja cansado de saber da dívida que a imprensa brasileira tem com o seu público, por lhe entregar habitualmente narrativas de segunda, mesmo quando as realidades de que tratam, para o bem ou para o mal, sejam de primeira, é ao topar com as mercadorias que o caderno do Estadão importou que o leitor pago para apurar e escrever se dá conta, preto no branco, de como são poucas, nos mais lidos jornais e revistas do país, as matérias das quais se pode dizer, pura e simplesmente, que dão gosto de ler.
Intimidade com as pretinhas
Pode-se fazer um suplemento inteiro com os motivos por que escrevemos mal ? desde o ensino de baixa qualidade (e põe baixa nisso) e o desuso do costume da leitura, até a excessiva carga de trabalho nas redações, a extinção da santa espécie dos copidesques, a ditadura dos manuais que reduzem a linguagem jornalística ao facilitário das fórmulas anêmicas, uma espécie de tatibitate vernacular, e confinam a maioria das matérias a espaços sem oxigênio para qualquer faísca de criatividade.
A verdade que se sobrepõe a tudo isso é que muitos, nos dois lados do balcão, não sabem que as coisas poderiam ser diferentes, e entre os que sabem poucos se importam.
Salvo no caso dos colunistas da grande imprensa ? e, justiça se faça, quase todos escrevem bem e alguns gloriosamente bem ? a preocupação com o nível do texto-texto parece ter sido banida do ofício.
Em regra, quem chega a uma redação sem saber escrever mais do que o mínimo para segurar o emprego pelas bordas dificilmente aprenderá ali a se entender melhor com as pretinhas ? para usar a expressão do tempo em que isso contava pontos na carreira.
Como ainda conta nos países onde o número de leitores que compra (ou deixa de comprar) um periódico por causa da (alta ou baixa) qualidade dos seus textos pode ser até maior do que a soma dos leitores de um grande jornal brasileiro.
(*) Jornalista