DEPOIMENTO DOS JORNALISTAS
(*)
Senhor Alberto Dines, quero meu dinheiro. Afinal, gastei quase dois dias de trabalho na semana passada fazendo um “frila” de checador de informações para o Observatório da Imprensa. Um frila involuntário, diga-se logo. Porque era eu fazer isso ou correr o risco de ter meu nome estampado no Observatório como um dos “Jayson Blairs” brasileiros. Acabou que, além de salvar a minha reputação, ajudei a salvar também a do seu site, que esteve a ponto de publicar uma barbaridade sem provas e sem averiguação.
A história começou, como o sr. já sabe, na segunda-feira, quando recebi de seu editor-assistente, Luiz Antônio Magalhães, um e-mail contendo um texto inacreditável que, basicamente, chamava de mentirosos a mim e a dois outros jornalistas da área ambiental: Klester Cavalcanti (Terra) e Alexandre Mansur (Época). Nós três éramos acusados de forjar entrevistas com o presidente da ONG ambiental Conservation International, Russel Mittermeier. A mensagem continha um recado bem claro:
Prezado Cláudio Angelo,
Você está citado na matéria abaixo, que o Observatório da Imprensa publicará na edição desta semana. Evidentemente, o OI está aberto para que você dê a sua versão dos fatos. Estou enviando cópia do texto para todos os repórteres citados. Bem, a edição do Observatório entra na rede na noite de amanhã e até lá aguardamos um retorno. Meus contatos estão no pé desta mensagem.
Um abraço, Luiz Antonio Magalhães
Após ler o disparate, assinado pelo decano do jornalismo ambiental amazônico Lúcio Flávio Pinto, fiz uma série de buscas no arquivo da Folha dos últimos quatro anos atrás de algo que pudesse associar o meu nome ao do ambientalista americano cujas frases eu supostamente teria inventado. Evidentemente, não encontrei nada. Nem poderia, porque nunca entrevistei Mittermeier na vida. Liguei para Magalhães, dizendo que nunca havia entrevistado Mittermeier, mas tampouco o citara em reportagens. “Então você confirma a tese dele [Lúcio Flávio] de que não conhece o Mittermeier?”, respondeu Magalhães. Naquela noite, mandei a Magalhães um e-mail dizendo que gostaria que a publicação do artigo fosse condicionada à menção de data e título da minha suposta reportagem “jaysonblairiana”.
Naquela segunda-feira, falei pela primeira vez ao telefone com outro “Jayson”, Klester Cavalcanti (Mansur estava de férias). Que me relatou ter sido acusado de mentiroso por Lúcio Flávio Pinto nas mesmas páginas virtuais do Observatório, no ano passado, sem que lhe fosse dado direito de resposta na mesma edição (não sei como o sr. deixou isso passar, sr. Dines). Klester já havia conversado com Mittermeier várias vezes e sugeriu algo em que eu não havia pensado: quem forjou a entrevista com o ambientalista americano foi o próprio autor da difamação. A idéia não me ocorreu, sr. Dines, porque averiguá-la seria um processo básico demais: bastaria escrever ou telefonar ao próprio ou à assessoria de imprensa da Conservation International (CI) no Brasil.
Na terça-feira, exasperado (a “matéria” iria ao ar naquela noite), escrevi novamente a Magalhães dizendo que, pelo visto, o sr. Lúcio Flávio Pinto estava tendo dificuldades em localizar as provas contra mim. A resposta do seu editor-assistente foi igualmente inacreditável:
Prezado Claudio,
O Lúcio Flavio já escreveu para mim sustentando a acusação e diz ter as provas, que vai encaminhar para mim. Do ponto de vista do Observatório, a denúncia é consistente: ele falou com uma pessoa que diz não ter falado com as outras três, fato corroborado até pela sua versão. Mas diz que essas pessoas usaram aspas do entrevistado em matérias que fizeram. Ele diz ter as matérias e vai encaminhá-las.
Mais: Magalhães dava prazo até as “16h, 17h” para que eu entregasse a minha “versão” do episódio ao Observatório, como se isso fosse simplesmente uma questão de polidamente ouvir o “outro lado”. Naquela mesma manhã, Klester e eu entramos em contato com Andrea Margit, coordenadora de imprensa da CI no Brasil. Para azar do autor do artigo difamatório (que vinha sendo tratado como “matéria” [sic] pelo Observatório da Imprensa), Mittermeier estava no Rio de Janeiro. E disse não ter dado aquelas declarações a Lúcio Flávio Pinto. Uma nota ao OI assinada por Margit encerrou de vez a história. Às 17h03, recebi um e-mail de Magalhães dizendo a “matéria” havia caído. Em seguida, um telefonema em que um estarrecido Magalhães dizia que o autor da denúncia era “um falso Lúcio Flávio”, que criara um e-mail no Yahoo para mandar os textos. O verdadeiro Lúcio Flávio, contatado num outro e-mail pelo OI, obviamente negou ser o autor da difamação. Aliviado por ter se safado da esparrela (e de uma boa meia-dúzia de processos judiciais, a começar pelo deste missivista), o site prometeu ampla e expedita investigação dos fatos.
É aí, senhor Dines, que eu insisto em pedir os meus trocados. Desculpe ser chato, mas eu tenho pra mim que o seu site iria emplacar a cascata do “Lúcio Falso Pinto” sem a menor checagem ? descumprindo, assim, o princípio básico do jornalismo ético de que o Observatório se diz guardião inconteste, que é só acusar com provas.
Examinemos os fatos. Sua equipe recebeu um e-mail do Yahoo contendo acusações graves. Não se dignou a gastar uns míseros cobres para telefonar ao suposto autor em Belém e confirmar, que fosse, o recebimento do texto. Sairia mais barato que me pagar esse frila. Seu editor-assistente passou dias (no mínimo, no mínimo, dois dias inteiros) “conversando” com o “171” por e-mail, sem desconfiar de nada ? nem teria por quê, pois tratava-se de um colaborador antigo e de uma denúncia “consistente”, como já vimos. E só teve a iluminação de pedir provas ao acusador depois que eu telefonei para ele na segunda-feira apontando o absurdo da acusação. Não sei como funcionam as coisas aí, senhor Dines. Mas lá no meu jornal, se um frila oferece uma matéria bombástica atacando, digamos, um empresário famoso ou o Presidente da República, o editor vai querer ser o primeiro a ver os documentos, para não passar carão na frente do acusado. O que fizeram comigo foi uma inversão completa da lógica e do Direito: “Presidente, é o seguinte: tem um pai-de-santo lá na Bahia que diz ter provas de uma coisa horrorosa que o sr. fez. Defenda-se.”
Em comunicação privada (sem trocadilhos aqui), Magalhães me diz que a checagem do OI funcionou, sim, e que a matéria não saiu porque não passou pelas checagens. “Era uma fraude e o que permitiu descobrir isto foi exatamente enviar a matéria para os acusados.” Nunca fui muito bom em raciocínio lógico, sr. Dines, mas esse argumento me parece um tanto circular. Equivale a dizer, em bom português: “Olha, Claudio, se não fosse você, jamais teríamos descoberto a mutreta.”
Não vou aqui ficar ensinando padre-nosso ao papa, nem discorrer sobre o quão absurdo é um órgão criado com a (louvável) missão de vigiar a imprensa obrigar jornalistas acusados a provarem a própria inocência. Nem sobre os perigos do e-mail para a nossa profissão, para os quais o OI parece estar despertando agora ? e pelo que eu dou os parabéns ao sr. e à sua equipe. Deixo isso para teóricos, professores de jornalismo e onanistas intelectuais afins. Os tempos estão bicudos, sr. Dines, e eu vou dar uma de Palocci e ser bem pragmático: quero receber os meus cruéis. Sei que a situação não está boa no nosso meio, mas quero meu dinheiro. Aceito passe. (C.A.)
(*) Editor-assistente de Ciência da Folha de S.Paulo
Este texto e o estado de espírito que o anima são lamentáveis. Vê-se que o missivista quer apenas tirar um “sarro”, uma “casquinha”, bancar o engraçadinho no embalo depois do expediente.
A grande verdade é que Silvio Santos está fazendo escola. Esta parlapatice sem graça revela a nossa desgraça: o problema da nossa mídia não se resume às empresas mas tem a ver com um tipo de profissional desprovido de seriedade, respeito humano e compostura pessoal. O “mercado” está nesta base. Nós não estamos no mercado, queremos saneá-lo.
O jornalista quer um cachê do Observatório porque investiu o seu precioso tempo para ajudar a desmascarar uma fraude que o envolvia. E quanto devemos cobrar pela equipe que durante uma semana inteira desdobrou-se para protegê-lo da difamação? Se para ele a honorabilidade de profissionais não vale nada, para nós vale. (A.D.)