ELEIÇÕES 2002
“Para além do discurso”, copyright Folha de S. Paulo, 9/8/02
“O primeiro debate entre os principais candidatos à Presidência da República, realizado no último domingo, na Rede Bandeirantes, passou ao largo de um tema fundamental, a corrupção.
Além de contribuir para a baixa da auto-estima das pessoas, os desvios decorrentes da corrupção, embora impossíveis de serem avaliados com precisão, afetam diretamente a já pequena capacidade de investimento do Estado, ampliam a desconfiança internacional quanto à saúde da economia brasileira e afastam os investimentos. O fenômeno da corrupção reduz o montante de recursos para a consecução das políticas que os candidatos se propõem a colocar em prática, se eleitos, independentemente de quais sejam tais políticas.
Mas o assunto, que ocupa posição importante entre as preocupações do eleitorado, não foi mencionado.
É evidente que, caso questionados sobre serem contrários à corrupção, todos os candidato dirão que sim. Não é isso, porém, o que se deseja saber deles, mesmo porque dificilmente alguém se posicionaria a favor da corrupção. Aquilo que o eleitorado precisa saber são as medidas específicas que adotarão para combatê-la.
A corrupção é uma doença do aparelho de Estado, com raízes institucionais e administrativas. Não se combate a corrupção por mera exortação moral nem por auto-referência de candidatos às suas próprias qualidades e convicções íntimas, mas pela adoção de medidas concretas destinadas a corrigir debilidades observadas no arcabouço do Estado.
É contra tal pano de fundo que, no âmbito de sua campanha ?Voto Limpo 2002?, lançada na última terça-feira, a Transparência Brasil preparou um conjunto de medidas anticorrupção que está submetendo à subscrição dos quatro principais candidatos à Presidência.
São os seguintes os pontos que a Transparência Brasil considera essenciais para dar início a um combate concertado à corrupção:
1) Formação de uma agência anticorrupção, com participação do Legislativo, do Judiciário, do Ministério Público, do Tribunal de Contas da União e, com papel consultivo, de organizações da sociedade civil. Caberia a ela detalhar um Plano Nacional Anticorrupção no prazo de seis meses a partir da posse presidencial. Uma vez acordado esse plano, caberia à agência acompanhar e impulsionar a sua implementação;
2) Implementação das medidas administrativas e institucionais preconizadas pela Convenção Anticorrupção da Organização dos Estados Americanos e pela Convenção da OCDE, das quais o Brasil é signatário;
3) Organização e disseminação de programas de formação em técnicas modernas de investigação, incluindo a área de finanças, pois um dos problemas de combater o crime de colarinho branco é a falta de sofisticação dos métodos de investigação;
4) Na área de licitações públicas, impor a toda a administração federal o uso de editais padronizados; nas audiências públicas convocadas para discutir licitações, obrigatoriedade de a administração expor e colocar em debate os termos dos editais que emitirá; divulgação mensal pela internet de todos os preços unitários de bens e serviços licitados no mês anterior, agregando-os por órgão, ministério e União. Fazer acompanhar essas informações dos respectivos desvios-padrão, com identificação dos órgãos cujas aquisições se situem abaixo e acima desses limites;
5) Proibição da contratação de parentes e contraparentes para ocupar cargos de confiança;
6) Criação de um sistema de ouvidorias que abranja toda a administração;
7) Institucionalização da Comissão de Ética da Presidência e ampliação de suas atribuições para abranger toda a administração, num sistema de resolução de conflitos de interesse;
8) Manutenção e aperfeiçoamento da Controladoria Geral da União.
É claro que tais pontos de modo nenhum esgotam o rol de medidas necessárias ou possíveis para o combate à corrupção. Contudo elas -em especial a formação de uma agência anticorrupção com articulação em todos os poderes e na sociedade- significam um passo crucial para que esse combate seja orquestrado e levado a sério.
Os candidatos que assinarem o documento sinalizarão mais claramente que, para eles, combater a corrupção não é só discurso.
Claudio Weber Abramo, matemático pela USP e mestre em filosofia da ciência pela Unicamp, é secretário-geral da Transparência Brasil (www.transparencia.org.br) e membro do Conselho Diretor da Transparência Internacional.”
“A imprensa nunca acertou uma eleição”, copyright Tribuna da Imprensa, 10/8/02
“Já contei aqui a história de Zé Pequeno, líder dos carroceiros de João Pessoa. Comandava desfiles de carroça em homenagem ao interventor Argemiro Figueiredo e ao prefeito Fernando Nóbrega, na ditadura Vargas.
Argemiro caiu, substituído por Ruy Carneiro, Nóbrega também. Zé Pequeno guardou sua carroça, escondeu-se dentro de casa. Um dia, dois, ninguém o viu mais. No terceiro dia, engraxou os sapatos, pôs a gravata e passou pela casa de Nóbrega:
– Chefe, vou ao palácio apoiar o novo interventor Ruy Carneiro.
– Por que tanta pressa, Zé?
– Ah, doutor, três dias longe do governo já é demais.
45, 50, 55, 60, 89, 94
A grande imprensa brasileira sempre foi, quase toda ela, a imprensa de Zé Pequeno. Três dias longe do governo já são demais. Por isso, desde 45, jamais acertou os resultados de uma eleição presidencial no País. Sempre aposta, apóia e fatura o candidato mais próximo do governo e quebra a cara.
Em 45, Chateaubriand e seu império, ?O Globo?, ?Jornal do Brasil?, ?Diário de Notícias?, ?Diário Carioca?, ?Estado de S. Paulo?, ?Folha?, quase todos, diziam que o brigadeiro Eduardo Gomes já estava eleito. Quem ganhou foi Dutra.
Em 50, novamente o brigadeiro ia ganhar. Ganhou Getulio. Em 55, era Juarez Tavora. Foi Juscelino. Em 60, a maioria apoiou Lott. Ganhou Janio. Em 89, eram Ulysses, Covas, Maluf, Afif, até Brizola e Lula. Collor, principal oposição a Sarney presidente, era um garotão lá de Alagoas, no distante Nordeste. Não deram a menor importância. Não acreditavam. Em julho, Collor disparou. Em agosto, com a vitória já clara, alguns começaram a apoiá-lo e, afinal, só no segundo turno, a maioria, por causa de Lula.
Em 94, era Lula. Tinha a retumbante maioria das redações. Em julho, na rabada do Plano Real, Fernando Henrique começou a subir. E a imprensa atrás. Em 98, não foi uma eleição. Houve a fraude da reeleição. Toda a grande imprensa já estava de beiço argolado no Palácio do Planalto e continuou.
E Serra deu chabu
Neste 2002, com o sistema Fernando Henrique, o Lavoisier da corrupção (no governo, nada se pede, nada se recusa, tudo se compra), há seis meses quase toda a imprensa (TVs, rádios, revistas e jornais) dizia, repetia, que Serra já estava no segundo turno e ia ganhar. Deu chabu. Nem mesmo Serra e muito menos Fernando Henrique, o guru do cinismo, acredita mais.
Foram seis meses de espionagem, violências, terrorismo econômico, chantagem, ameaças, compra descarada (royalties para dona Marta Suplicy) de grande parte da mídia, comandados, explícita ou secretamente, pela campanha de Serra. A imprensa palaciana, entupida de dinheiro e arrogância, debochava e insultava quem ousava dizer que Serra não iria para o 2? turno.
Diziam que, quando começasse a presença na televisão, com entrevistas e debates, Serra subiria. Um mês depois de maciço noticiário diário em toda a mídia (?o dia dos candidatos?, entrevistas de todo tipo, o primeiro debate), a acachapante pesquisa do Ibope veio apenas confirmar o que os outros institutos já estavam indicando: Serra está definitivamente enterrado.
Basta ver os jornais de ontem. As gordas e grávidas páginas da campanha dele começaram a minguar. É a virada. A maioria já passou a deixar claro que não vale a pena gastar carrocinha com cachorro morto.
Como cristão, velho e piedoso seminarista, aprendi que sempre devemos perdoar, mesmo a bazófia, a arrogância, a prepotência de ?nossas meninas?, como Fernando Henrique chama carinhosamente a sua turma das colunas políticas que o Marcio Moreira Alves prefere chamar de ?matronas, matriarcado?, e eu prefiro ?madonas?, embora o que sejam mesmo, muitas delas, é ?donas Franciscas? (a soberba carrancuda da novela ?Esperança?).
Estou com pena delas, tão tristinhas, coitadinhas, desoladas, vendo o Serra delas sentado à beira do caminho, com Garotinho, sobre 11% de cardos.
Ombudsman da Leitão
A empresária Miriam Leitão, que não mira fatos nem contatos, só contratos, é muito sabichona. E não sem razão, tratando-se da porta-voz do FMI, Febraban, Banco Central, Ministério da Fazenda, onde dinheiro haja.
Na Globonews, com seu inconfundível rancor dental, e no ?Globo?, ela disse que, ?diante da pergunta sobre como combateria o desemprego, Ciro conseguiu produzir a seguinte frase: `É preciso consertar (sic) a equação estratégica?. O desempregado está até agora para consertar (sic) a equação?.
Não sei como andam as finanças da empresária Leitão. Mas ao menos ?O Globo? deveria presenteá-la com um ?Houaiss? ou um ?Aurelio?, para ela aprender que não é consertar (com ?s?), mas ?concertar? (com ?c?) o que Ciro disse.
Houaiss – ?Concertar: pôr-se em harmonia, em acordo; harmonizar, acordar, conciliar, deliberar em conjunto, pactuar, combinar, concordar?.
Aurelio – ?Concertar: pôr em boa ordem, compor, ajustar, endireitar, harmonizar, conciliar, pactuar, combinar?.”