Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Clóvis Rossi

AINDA FHC

“FHC e a última dúvida”, copyright Folha de S. Paulo, 31/12/02

“Fernando Henrique Cardoso está sendo protagonista até o último dia de seu reinado como nenhum outro presidente o foi desde pelo menos Ernesto Geisel (1974/79).

Itamar Franco poderia ter tido idêntico protagonismo se não fosse, digamos, excêntrico.

O fato é que Fernando Henrique termina seu período, a rigor, como exerceu todo o seu mandato: com o copo meio cheio ou meio vazio, conforme a ótica de cada qual. Em qualquer área, sempre haverá argumentos para atacá-lo e para defendê-lo, o que, bem feitas as contas, fala a favor do presidente.

A maioria dos seus antecessores, tanto antes como depois de Geisel, encolheu no cargo.

A favor de FHC pesa ainda o fato de que o seu governo foi o mais escrutinado pela mídia em toda a história republicana. Ao contrário do que diz parte do público, a mídia não foi condescendente, a não ser nos editoriais de algumas publicações.

Escaldada pelo estrepitoso fracasso de imagem por ter tratado Fernando Collor como estadista quando era apenas indecoroso, a mídia acabou, no período FHC, por seguir, pouco ou muito, bem ou mal, a trilha aberta lá atrás por esta Folha e seu projeto editorial de jornalismo independente, crítico, pluralista e apartidário.

Não creio ter havido um só problema no período que a mídia tenha varrido para debaixo do tapete. Houve, ao contrário, falsos casos (dossiê Cayman, por exemplo), que tiveram farto espaço até na TV. Antes, havia, sim, críticas e denúncias. Mas eram quase sempre motivadas politicamente, e não jornalisticamente (os jornais lacerdistas e o linchamento de Getúlio Vargas, no exemplo mais dramático).

Claro está que o julgamento definitivo de FHC será feito pela história. Por isso, despeço-me dele hoje na dúvida de ter sido, talvez, mais impiedoso do que o presidente mereceu.

Talvez porque esperasse um copo mais cheio do que ele entregou.”

 

GOVERNO LULA

“Desafios do jornalismo”, copyright Folha de S. Paulo, 2/01/03

“O impacto mais forte da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva no jornalismo brasileiro foi a derrota, pela primeira vez desde a redemocratização, do candidato predileto das empresas de mídia. Elas queriam Tancredo em 1985, Collor em 89, FHC em 94 e 98, Serra em 2002.

Por outro lado, num fenômeno igualmente significativo, nunca o favorito dos jornalistas tinha triunfado após a reintrodução das diretas em 89. A maioria sempre foi Lula.

As opções distintas têm produzido menos aberrações. Não se viu mais edição de debate como a da TV Globo de 89, apesar do partidarismo, hoje mais sofisticado, de muitos órgãos jornalísticos. Também sucumbiu a falta de compostura de repórteres a ostentar broches do PT e a cantarolar jingles como em 89. Em 2002, este repórter testemunhou apenas um profissional com distintivo na lapela e ouviu um único relato sobre alguns a se embalar em palanque petista com músicas de campanha.

Na transição, a interferência editorial em certas coberturas gerou a louvação de cada medida anunciada pelos futuros governantes – em que o conteúdo mais se assemelhava ao PSDB do que àqueles que antes acenavam com mudanças sinceras.

Quanto menor (ou nenhuma) a mudança, maior o elogio a Lula. O que pode sinalizar que, no governo, quanto maior a mudança, maior a antipatia no tratamento aos novos ocupantes do Planalto.

Os jornalistas experimentam uma reviravolta ensaiada nas gestões municipais e estaduais do PT. Por 20 anos, suas fontes para apurar desmandos na coisa pública era a oposição petista. Na inversão de papéis, é débil o monitoramento das administrações do partido. Pouco se sabe do financiamento das campanhas.

Com Lula, os desafios do jornalismo mudam na forma, não no conteúdo.

Renova-se a exigência de distinguir opinião e reportagem. Criticismo e independência mantêm-se condição para não se reduzir a arauto do governo ou dos que vierem a ter interesses contrariados. Agora, como antes, a missão da imprensa é fiscalizar o poder. Tenha ele um tucano ou uma estrela como símbolo.”