ARGENTINA EM CRISE
"Te vi na TV. E fui atrás", copyright Folha de S. Paulo, 27/12/01
"Talvez pela primeira vez na sua história a televisão tenha desempenhado o papel de agitador, no bom e no mau sentido do conceito, durante o desenlace da crise argentina, na semana passada.
A TV foi o ímã básico a convocar pessoas em todos os três momentos mais agudos: os saques da tarde de quarta-feira, o ?panelaço? da madrugada/dia seguinte e a batalha campal pela ocupação física da praça de Maio.
Convém, antes, explicar as diferenças entre a TV argentina e a brasileira. Lá, a TV a cabo está quase tão universalizada quanto a TV aberta no Brasil. Logo a massa de telespectadores vê os canais de notícias 24 horas, do tipo GloboNews.
Mais: o modelo de edição é profundamente diferente. Aqui, edita-se tudo o mais assepticamente possível. Lá, é comum deixar a imagem no ar um tempão sem que haja um locutor ou repórter interferindo.
Foi essa, aliás, a tônica na cobertura dos eventos de rua. Horas e horas de saques, de ?panelaço? e de confronto. Como se soube depois, muita gente foi chamada para as ruas pelo que via na TV.
Quem não se sentiria tentado a saquear o supermercado do bairro ao ver o vizinho fazendo-o com sossego, ante a passividade da polícia em muitos pontos?
Quem não se sentiria espicaçado a sair à rua para ?panelar? ao ver o vizinho xingando a mãe do presidente, como boa parte dos argentinos adoraria fazer?
Que a TV desempenha um papel político importante não chega a ser novidade. Mas, no geral, a TV atua ou como domesticadora ou como agente do establishment.
Na Argentina, ao menos desta vez, funcionou como um dos fatores para derrubar o presidente.
Se foi assim com um presidente insípido, inodoro e incolor, embora incompetente, é fácil imaginar o que ocorrerá se e quando o Brasil eleger alguém com cheiro desagradável para o establishment."
PERU: TOLEDO vs. MÍDIA
"Toledo aperta o cerco a magnatas da mídia", copyright o Estado de S. Paulo / The Washington Post, 2312/01
"A mídia nacional do Peru, tradicionalmente conhecida por sua rebeldia e parcialidade, e por mais criticar do que ser criticada, tornou-se de repente alvo de uma rigorosa investigação sobre o recente passado corrupto do país.
A divulgação da vasta coleção de vídeos amadores feitos pelo ex-chefe de espionagem Vladimiro Montesinos mostra altos executivos de televisão recebendo estonteantes quantias em dinheiro para distorcer a cobertura noticiosa e malhar inimigos políticos de Montesinos e de seu chefe, Alberto Fujimori, o presidente caído em desgraça.
Muitas das pessoas mais poderosas no Peru temem há muito as conseqüências de suas alianças empresariais secretas com Montesinos, que durante uma década, à mão direita de Fujimori, ganhou amigos e influenciou pessoas distribuindo dezenas de milhões de dólares sob a forma de propinas – e em segredo registrou em videoteipe os pagamentos. Agora, meia dúzia de licenças de radiodifusão pendem na balança enquanto o Congresso e o país começam a ter visões fugazes dos magnatas da mídia subornados.
Veja-se o caso de Ernesto Schutz, dono da Panamericana Television, cujo vídeo exibido em outubro no Congresso motivou sua fuga para a Argentina. Schutz, cujo Canal 5 tem o mais alto índice nacional de audiência entre os noticiários, foi o astro de dois vídeos feitos por Montesinos. Um foi filmado em outubro de 1999, que o mostra recebendo pacotes de dinheiro num total de US$ 350 mil. O segundo, gravado um mês depois, salientou seus dons de negociador.
?Tenho grandes necessidades – pelo menos US$ 12 milhões?, diz Schutz a Montesinos no segundo vídeo. O chefe de espionagem responde com uma proposta de US$ 9 milhões. ?Com isso, irmão?, diz-lhe Schutz, ?não posso fazê-lo.?
Agora numa prisão militar em Lima aguardando julgamento, acusado de corrupção, tráfico de drogas, comércio de armas e violação de direitos humanos, Montesinos fugiu do país em setembro de 2000 depois que um de seus vídeos, no qual ele subornava um parlamentar oposicionista, foi divulgado. Seu desaparecimento, ao qual se seguiu a fuga de Fujimori dois meses depois, desencadeou uma caçada humana de oito meses que culminou em junho com sua prisão na Venezuela.
No início deste mês, o sucessor eleito de Fujimori, o presidente Alejandro Toledo, começou a estudar meios de saneamento dos órgãos de comunicação como parte do ajuste de contas mais amplo com o passado recente do Peru. Verificar se o governo tem o direito de revogar as licenças – e como pretende redistribuí-las se o fizer – tem tomado grande parte do tempo e atenção de Toledo e se torna um teste para seu empenho em ter um Judiciário independente.
Todas as seis estações de TV comercial do Peru estão sob investigação, e até agora Toledo parece disposto a autorizar um juiz a decidir se o governo revoga as licenças. Grande parte da mídia tratou Toledo duramente durante sua candidatura presidencial em 2000 contra Fujimori, por razões que ficam cada vez mais claras, mas o novo presidente espera evitar acusações de que está se imiscuindo para castigar velhos inimigos.
Até agora as emissoras de televisão encontram poucos defensores. Os proprietários de pelo menos três canais fugiram do país. ?Esses canais venderam sua linha editorial a Montesinos – antes e depois da eleição – para destruir personalidades moralmente, cometer fraudes e acobertar fraudes?, disse Roberto Danino, nomeado primeiro-ministro por Toledo. Ele está ajudando a redigir projeto de lei que cria uma comissão supervisora para lidar com futuras concessões de licenças.
Desde o início da apuração dos negócios de Montesinos um ano atrás, 1.300 pessoas foram investigadas e 117 estão presas aguardando julgamento. Investigadores peruanos que trabalham com o FBI (a polícia federal dos EUA) descobriram US$ 65 milhões em dinheiro e US$ 30 milhões em carros e casas pertencentes a Montesinos – bens que foram devolvidos ao Tesouro do Peru. Outros US$ 150 milhões foram congelados em contas descobertas em Luxemburgo, Grand Cayman, México, Suíça e EUA, onde o procurador-geral peruano tem dois agentes trabalhando com promotores federais.
Autoridades da Venezuela não têm conseguido lançar muita luz sobre o período que Montesinos passou ali, informam investigadores peruanos, mas forneceram e-mails que ele enviou nos dias anteriores à sua captura e podem ajudar a identificar seus protetores.
José Ugaz, o promotor especial do Peru para o caso, disse que Montesinos parou de cooperar com os investigadores em agosto, quando mudou de advogados. Acrescentou que agora Montesinos está em busca de apoio político para garantir sua imunidade em troca do fornecimento de provas contra Fujimori. O ex-presidente vive no Japão, país que rejeitou pedidos de extradição.
Ugaz reconheceu que está sendo difícil levantar a pista do suposto tráfico de drogas de Montesinos. Certos registros policiais desapareceram, talvez furtados por autoridades que tinham negócios com Montesinos nas selvas do leste do Peru. ?E também não conseguimos encontrar contas de Fujimori que acreditamos ter centenas de milhões de dólares?, disse Ugaz, reconhecendo que foi encontrado só um cheque com o nome de Fujimori nele – no valor de US$ 200 mil, sacado contra uma agência do Banco de Tóquio no Brasil.
Parte do problema é que os recursos são escassos. Saúl Peña Farfan, juiz anticorrupção que trabalha no caso por trás de enorme porta de aço no Palácio de Justiça, disse que, embora Toledo tivesse prometido destinar mais dinheiro para a elucidação do caso, seu escritório não recebeu recursos adicionais além do aumento de verbas para o órgão como um todo.
Peña comentou que, enquanto isso, as táticas obstrucionistas de Montesinos coincidem com o maior debate político sobre como seu caso está sendo tratado. ?O que ele está fazendo é buscar ajuda política e econômica para desmontar seu processo?, disse Peña. ?Há muitos políticos, empresários e militares de alto escalão que ainda lhe devem muitos favores.?
Ugaz entrou na discussão sobre as licenças de radiodifusão dizendo que o governo poderia revogá-las como assunto ?administrativo, não judicial?. No seu entender, parece evidente que os donos de emissoras não cumpriram as normas que exigem imparcialidade, e violaram leis eleitorais do país.
Apesar do dinheiro de Montesinos, as emissoras de TV do Peru estão quebradas. Acionistas argumentam que isto prova que o dinheiro não beneficiou os canais, só seus proprietários, motivo pelo qual eles deviam conservar as licenças. Além do mais, grande parte do faturamento das estações vem de propaganda governamental, que fortalecia a posição de Montesinos. Investigadores dizem que sua influência era tamanha que em certas ocasiões ele mesmo redigia textos noticiosos e conseguia que repórteres criadores de caso fossem demitidos.
Mario Vargas Llosa, famoso romancista peruano que perdeu para Fujimori na eleição presidencial de 1990, disse que permitir que as emissoras de televisão conservem suas licenças é o mesmo que deixar um ladrão ficar com sua arma. Mas o filho do romancista, Álvaro Vargas Llosa, importante jornalista, disse que a posição de seu pai faz parte da tentativa de Toledo de assumir o controle da mídia. Informações de que Toledo espera transferir a licença do Canal 4 para o grupo de mídia pertencente ao La República, jornal de Lima pró-Toledo, fazem lembrar a muitos na capital peruana as táticas pesadas de Fujimori.
Em 1997, Fujimori revogou a licença de radiodifusão e a cidadania de Baruch Ivcher, proprietário do Canal 2, depois que notícias divulgadas pela estação implicaram o presidente em espionagem nacional e tortura militar. A licença foi concedida a Samuel e Mendel Winter, agora acusado de receber US$ 500 mil mensais de Montesinos. Ivcher voltou ao Peru depois que Fujimori fugiu. E reassumiu sua estação de TV."
TV PAGA
"Liminar obriga operadora de TV paga a transmitir canais abertos", copyright Folha de S. Paulo, 28/12/01
"A juíza Maria Goretti Ferreira Farias, da 4? Vara da Comarca de Barueri (Grande São Paulo), concedeu liminar, no último dia 21, obrigando a operadora de TV paga via satélite Sky, das Organizações Globo, a transmitir os sinais de todas as TVs abertas, como SBT, Record, Band e Rede TV!.
Atualmente, a Sky só veicula a Globo e em apenas sete regiões metropolitanas do país (São Paulo, Rio, Porto Alegre, Salvador, Belo Horizonte, Campinas e São José dos Campos). Os assinantes recebem o sinal da Globo local.
A liminar (decisão provisória, à qual cabe recurso) foi concedida à advogada Alaide Gimenes Siqueira, assinante da Sky. Ela mora em Barueri e afirma que, devido à altitude do lugar, não recebe satisfatoriamente os sinais das TVs abertas por meio convencional.
A legislação brasileira não obriga nem impede operadores de TV paga via satélite (como Sky e DirecTV) a carregar sinais de TVs abertas. Apenas operadoras via cabo são obrigadas a fazê-lo. Na ação, o escritório de advocacia de Alaide argumentou que, na falta de regulamentação específica sobre o assunto para operadoras via satélite, seja aplicada, por analogia, a Lei do Cabo, que regulamenta o serviço via cabo.
A Sky argumenta que não retransmite todas as TVs abertas porque não teria espaço em satélite para abrigar o sinal de cada afiliada das redes. E, se optasse por distribuir o sinal apenas da cabeça-de-rede, prejudicaria comercialmente as afiliadas.
A Sky, por meio de sua assessoria, afirmou que ainda não foi notificada pela Justiça e não se manifestou."