DAVOS – PORTO ALEGRE
"Davos e Porto Alegre, sob olhar da imprensa", copyright CNNBrasil (www.cnn.com.br), 25/01/01
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França – Para o Le Monde, é ‘Porto Alegre contra Davos’. Para Le Figaro, ‘Davos contra Porto Alegre’. Os títulos usados pelos jornais parisienses traduziram a visão de cada um. O primeiro mais próximo das idéias do encontro porto-alegrense, e o outro, mais afinado com a reunião suíça.
O jornal também considerado de topo na imprensa francesa, Libération, historicamente contraponto ao Figaro, foi mais neutro no título: ‘Porto Alegre-Davos, um duelo de opostos’.
Estados Unidos – Três dos principais jornais norte-americanos, The New York Times, Washington Post e Los Angeles Times, trouxeram Davos na capa da edição de quarta-feira e nem mencionaram o encontro rival.
Cuba – Na edição desta quarta, o Granma preferiu dar atenção ao fórum de Davos, descrito pelo jornal oficial do Partido Comunista cubano como um ‘campo de concentração’.
Suíça – O jornal The Earth Times não noticiou o encontro da capital gaúcha, mas a versão na Internet tem conexão direta com o site oficial do Fórum Social Mundial. Na capa, todos os títulos levam a Davos.
Espanha – No diário El País, o fórum da Suíça mereceu um texto curto, com ênfase no policiamento reforçado. Entre os protestos contra o neoliberalismo, o evento de Porto Alegre não foi citado."
"Mídia, esquerda nova e velha", copyright Folha de S. Paulo, 29/01/01
"Anti-Davos saiu bem na foto da mídia. Grosso modo uma reunião de esquerdistas latino-europeus e ONGs, o Fórum Social Mundial deu no francês ‘Le Monde’ e, um pouco mais surpreendente, no britânico, econômico e liberal ‘Financial Times’, entre outros.
E daí? Um lado dessa moeda é que anti-Davos é um prato de factóides exóticos para contrabalançar na mídia européia a monotonia dos debates de gente poderosa do Fórum Econômico, de Davos. O outro lado dessa moeda é bem variado.
Primeiro, marcar pontos no midiômetro é politicamente útil. Ninguém dava nada por anti-Davos. A difusão pela mídia tradicional e a grande repercussão na imprensa alternativa devem aumentar o cartaz e a credibilidade do próximo Fórum Social.
Segundo, a própria experiência de reunir minigrupos de esquerda de todo o mundo mais a propaganda do primeiro anti-Davos devem reforçar desejos e meios de internacionalizar o movimento de protesto, que, ao menos por ora, é bem pequeno.
Terceiro, a crescente rede de conexões de grupos alternativos, mais a midiatização dos protestos do gênero Seattle e anti-Davos, pode produzir alianças até agora improváveis. Isto é, pode conectar grupos norte-americanos, anárquicos, mais dados a causas por ora de classe média (ambientalismo), com a velhusca esquerda latino-européia. Pode aproximar esses movimentos sociais e partidos políticos, talvez renová-los. Pode colocar gente séria para pensar esse protesto e alternativas sociais.
Anti-Davos ainda tem horrores como o pendor pró-Cuba e outros absurdos do museu das ditaduras; certas ONGs são de um particularismo ingênuo ou doidivanas. Mas quem lembrasse do início do movimento social moderno, no século 19, veria algo assim. Aquelas misturas confusas e caricatas de nacionalismo, cristianismo e idéias econômicas impraticáveis deram num grande e sério protesto político, que fundou a democracia social da Europa contemporânea."
"Protestos ganham as manchetes, mas não a agenda", copyright Folha de S. Paulo, 29/01/01
"O Fórum Econômico Mundial organizou 311 sessões de debate para seu encontro anual de 2001 tratando principalmente de temas que ocupam a atenção da mídia planetária.
Trouxe a Davos, como de hábito, chefes de governo, como o primeiro-ministro do Japão, Yoshiro Mori. Ou uma das mais novas atrações da mídia, o mexicano Vicente Fox, que acaba de derrotar um partido que estava no poder havia 70 anos, mais que Fidel Castro ou os comunistas da Coréia do Norte. Sem falar de empresários que são sempre notícia, como Bill Gates, da Microsoft.
Com tudo isso, nem o jornal editado pelo próprio Fórum (o ‘Forum News Daily’) conseguiu escapar ontem de uma manchete que tratava dos protestos contra o Fórum, não de suas atividades (‘Protestos frustrados pelas forças suíças em Davos’).
‘Frustrados’ talvez não seja a palavra correta. Se conseguem a atenção da mídia, um de seus objetivos centrais, não se pode dizer que os manifestantes tenham sido frustrados.
E a atenção da mídia foi visível em todos os telejornais da Europa e de redes como BBC e CNN.
Mas a questão mais relevante é outra: os protestos podem capturar a agenda da mídia, mas influem de fato na agenda de governos e entidades internacionais?
‘Os políticos e as entidades estão ouvindo cuidadosamente o que diz o movimento de protesto’, responde o senador norte-americano John Kerry (democrata de Massachusetts).
‘Prova-o o fato de este Fórum ter incluído muitas sessões sobre Terceiro Mundo, desenvolvimento, contragolpe à globalização’, acrescenta Kerry.
Há quem aponte coisas mais concretas do que ‘ouvir cuidadosamente’.
O sindicalista norte-americano John Sweeney lembra que uma campanha liderada pela ONG ‘Jubilee-2000’ (das igrejas protestantes) conseguiu um programa objetivo de redução da dívida dos países mais pobres (é verdade que o programa está apenas no início de sua execução).
Charles Holliday Jr., presidente e executivo-chefe da multinacional Dupont, conta que, pelo menos no plano microeconômico, as ONGs estão conseguindo influir.
Diz que, sempre que sua companhia vai lançar um novo negócio, convida dez líderes de ONGs para que cada um apresente três idéias sobre como o projeto poderia atender suas inquietações, sejam quais forem.
Depois, a Dupont reúne o mundo de negócios com as ONGs e, das reuniões, ‘saem idéias melhores do que jamais imagináramos’, conta Holliday.
Parece, de todo modo, muito pouco, se se considerar a dimensão que os protestos ganharam desde que incendiaram Seattle, em dezembro de 1999, durante a Conferência Ministerial da OMC (Organização Mundial do Comércio).
É em parte fácil explicar por que o movimento de protesto consegue mais atenção da mídia do que resultados efetivos na aceitação de suas propostas: os protestos, em especial os violentos, são, obviamente, um espetáculo para a TV. As propostas, não.
Outro pedaço de explicação está na divergência de avaliações. A ativista indiana Vandana Shiva, por exemplo, cobra ‘liberdade e flexibilidade’ para que os governos nacionais possam executar políticas que atendam às inquietações das ONGs. Pressupõe, portanto, que são os constrangimentos internacionais que bloqueiam a ação dos governos locais.
Já James Wolfensohn, presidente do Banco Mundial, vai na direção contrária: culpa a falta de apoio político interno pelo fato de os governos estarem sendo incapazes de, por exemplo, chegar a um acordo internacional para combater o aquecimento global, uma das causas mais caras às ONGs ambientais.
Divergências à parte, parece difícil discordar de Shiva quando ela diz que, à falta de diálogo e de soluções, o que se vai ver ‘é uma ordem cada vez mais violenta, como demonstrado nas ruas de Davos’."
"De tirar o chapéu", copyright Coleguinhas, uni-vos (www.coleguinhas.jor), 28/01/01
"Espero que algum professor tenha gravado a matéria sobre o Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre, mandada ao ar pela GloboNews nas várias (e repetitivas) edições do ‘Em Cima da Hora’ da sexta-feira, dia 26. Confesso que não me lembro de já ter visto uma demonstração de virtuosismo técnico daquele quilate. A maneira como a repórter e os editores de imagem e texto ridicularizaram as idéias do pessoal que acredita numa globalização com face humana, fora dos parâmetros neoliberais, foi realizada de uma maneira que parecia isenta, a quem olhasse sem muita atenção.
É meio difícil descrever a habilidade profissional dos colegas da GN, ainda mais de memória, mas vou tentar. A matéria começa com uma passagem rápida em Davos, onde se realiza a conferência mundial da direita. As tomadas são sempre se pessoas sérias, de terno, e, quando externas, de uma cidade tranqüila, vivendo o seu inverno cheio de neve (não há menção à verdadeira base militar em que os suíços transformaram a cidadezinha alpina). Depois dessas tomadas, passa-se a Porto Alegre, com cenas de um monte de gente agitada, vestida de maneira diferente, num ambiente tumultuado.
Sobre todas estas tomadas, vem a locução da repórter, enfatizando sempre a agitação do pessoal e – a grande jogada! – o fato de as diversas entidades e correntes representadas falarem coisas diferentes umas das outras. Assim, são contrapostos um militante do MST, falando que a globalização para o movimento é produzir comida boa e barata para todo o mundo, e um hindu, que defende (num bom português) que o essencial é o progresso da espiritualidade humana. Aí, vem a passagem da repórter, que é algo como ‘os participantes do Fórum Mundial Social têm cinco dias para obter um consenso sobre a globalização que querem’.
É ou não é uma de uma cafajestice quase poética? Com uma categoria de um Didi nos bons tempos de 58, os coleguinhas da GN escamotearam o essencial: que o FMS jamais vai obter consenso exatamente porque existe para negar os consensos! A idéia é justamente mostrar que existem diversas maneiras de se ver e viver o mundo, ao contrário do que dizem os neoliberais, estes sim fãs de um consenso, o de Washington.
Tá certo que nem tudo foi perfeito na matéria como um todo (comparar o José Bové ao Asterix é mais velho que o rascunho de ‘A Riqueza das Nações’…), mas aqueles minutos em que se compara os dois fóruns são uma jóia, uma obra-prima da empulhação que merece ser guardada e mostrada todas as vezes que se falar alguma coisa sobre isenção jornalística X manipulação da informação.
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