ORIENTE MÉDIO
Cristiana Mesquita (*)
Ao ser instada por este Observatório a escrever sobre a cobertura do conflito no Oriente Médio pela mídia brasileira, minha primeira reação foi rápida: "Que cobertura?". E tive que parar e pensar. O que estaria impedindo a Globo de enviar uma equipe a Israel? A Globo, sim, porque no Brasil é a única emissora a produzir uma cobertura internacional própria.
Confesso que tem sido uma tortura acompanhar o noticiário nacional sobre o Oriente Médio. Tenho preferido assistir aos telejornais da CNN ou da BBC ? ao quais, apesar de não serem perfeitos, ao menos têm equipes reportando do olho do furacão. Se é uma tortura para mim, fico imaginando que como devem estar se sentindo os correspondentes internacionais da Rede Globo.
Tenho certeza que os repórteres da Globo estão infelizes por ter que destrinchar horas de imagens enviadas pelas agências para, depois, escrever um texto, também baseado nas agências, e, finalmente, descer três lances de escada para encerrar a matéria com uma "passagem" de Londres…
Desde o fim da ditadura, quando a cobertura internacional era fundamental para tapar os buracos deixados pela censura nos telejornais, as emissoras brasileiras optaram por delegar essa tarefa para as agências internacionais de notícias e para a CNN. Os altos custos de cobertura, aliado à idéia (totalmente absurda) de que o público brasileiro não se interessa por matérias do exterior, foi a pá de cal no jornalismo internacional de qualidade na televisão brasileira.
A Globo se esforça. Mantém escritórios em Londres e Nova York e, mesmo sem ter competidores, continua buscando os furos de reportagem ? como a entrevista com brasileiros que estão passando o pão que o diabo amassou em Ramallah, por telefone. É melhor do que nada, mas não posso aceitar que seja apenas uma questão de custos.Grandes redes em todo mundo também foram forçadas a fechar escritórios e a reduzir equipes. A diferença é que elas se adaptaram aos novos tempos de vacas magras.
Novas tecnologias
Há duas maneiras de cobrir um conflito violento ou guerra ? seja em Israel, no Afeganistão, na Bósnia ou qualquer outro lugar.
Você pode planejar sua cobertura como uma grande rede americana, que envia equipes de pelo menos 10 pessoas, mais suas próprias facilidades de geração, e isso custa uma verdadeira fortuna. Ou você manda um pequeno grupo de profissionais altamente treinados que vai saber se virar com o mínimo de recursos. As emissoras brasileiras não têm dinheiro para a primeira opção e nem os profissionais, para a segunda.
Os jornalistas brasileiros que são enviados para o exterior foram criados e treinados nas emissoras, onde acostumaram-se a contar com uma estrutura de trabalho que jamais encontrarão no campo. Nas minhas coberturas de guerras para agências internacionais de notícias, raramente contei com mais de duas pessoas na equipe. E para que isso funcionasse era necessário que todos fizéssemos de tudo.
Repórteres e cinegrafistas são treinados para fazer muito mais do que suas respectivas funções exigem. Já aconteceu, por exemplo, de eu estar ocupada produzindo ou escrevendo uma matéria e o cinegrafista sair correndo para fazer uma entrevista; ou então o cinegrafista estar ocupado com uma edição e eu ter que sair para gravar imagens complementares.
Os tempos mudaram e a televisão, por mais irônico que pareça, deve se mirar no exemplo dos bons e velhos repórteres de jornal que saíam da redação de ônibus, com um endereço num pedaço de papel e uma câmera fotográfica pendurada no ombro, e voltavam com a matéria. Talvez esteja exagerando um pouco, mas esse é o espírito.
Cobertura de guerra é muito caro, a começar pelo seguro de vida dos profissionais. Se alguém já se deu ao trabalho de ler as letrinhas de alguma apólice de seguros vai notar que todas esclarecem que não cobrem acidentes ocorridos em zonas de guerra. Depois, vêm os custos de transmissão, hotéis, aluguel de carro, intérpretes, diárias e por aí vai. Não se pode abrir mão do seguro, mas, para todo o resto, uma equipe bem treinada pode dar um jeito.
As redes brasileiras de TV também têm sido incrivelmente lentas em reagir às novas tecnologias. Boa parte das equipes que estavam cobrindo a guerra no Afeganistão já usavam pequenas câmeras de vídeo e transmitiam suas matérias pelo computador. A própria CNN faz isso o tempo todo. O vídeofone, que permite ao jornalista entrar ao vivo de qualquer lugar do mundo utilizando apenas uma linha telefônica, já tem qualidade suficiente para ser adotado em qualquer telejornal com relatos de primeira mão.
Dou minha cara a tapa se uma entrada do repórter Caco Barcerlos via vídeofone no Jornal Nacional, mesmo que com a qualidade inferior mas falando direto de Israel, não daria o maior ibope.
Paletó e gravata
O conflito em Israel, que a qualquer momento pode descambar para uma crise geral no Oriente Médio com conseqüências inimagináveis para todos nós, enquanto isso vai deixando de ser a matéria de abertura dos telejornais e daqui a pouco passa para o segundo bloco, depois para o terceiro, até virar uma notinha. Aí vão dizer que é porque o público cansou da história quando, na verdade, o público cansou é de ver aquela matéria fria que não acrescenta nada ao que já não tenha visto nos jornais ou em outro canal.
Muita gente talvez não tenha notado, mas a cobertura internacional da Globo melhorou. Houve uma época em que as matérias de fora entravam como "lapadas", isto é, dez segundos para cada assunto, como uma revista em que as páginas eram viradas rapidamente dando tempo de ler apenas as manchetes. Hoje já se pode ver longos minutos dedicados a uma matéria com participações de correspondentes em Londres, Nova York e Washington.
O Jornal Nacional, que tem um padrão extremamente rígido, inovou colocando no ar o trabalho do vídeojornalista Luis Nachibin, que viaja o mundo sozinho gravando suas próprias matérias. Por enquanto são apenas matérias frias, com formato quase idêntico ao das reportagens tradicionais, mas já é um começo.
A Globo se arriscou, e muito, quando colocou no ar, para reportar direto do Afeganistão, uma completa desconhecida que nunca fez sequer uma aulinha de dicção. Está certo que houve um momento de pânico na redação quando me perguntaram se eu tinha um blazer para fazer o "ao vivo" ? e eu respondi que não tinha blazer nem baton e o que o cabelo não era lavado havia pelo menos 5 dias. Foi importante lembrar a eles que eu estava em Cabul e não em Brasília.
Correspondente de guerra não é estrela, é operário. Trabalha feito operário e vive como operário. E não adianta mandar uma equipe para marcar presença por uma semana para acompanhar a visita a Israel do secretário de Estado americano Colin Powell. A equipe tem que ficar lá o tempo necessário para entender a história (ainda não inventaram maneira melhor para cobrir um fato), estabelecer contatos e se entrosar com a pequena comunidade de correspondentes de guerra que, no final das contas, são as únicas pessoas com quem se pode contar quando alguma coisa dá errado.
O correspondente de guerra tem que ter a experiência que vai lhe permitir total autonomia para decidir o que cobrir ? e como. O correspondente de guerra tem que estar familiarizado com todo o tipo de tecnologia que vai facilitar e baratear sua cobertura.
Resta saber se a Globo está disposta a tirar o paletó e a gravata e botar a mão na massa. Esperamos que sim.
(*) Jornalista; cobriu a guerra da Bósnia e, mais recentemente, a do Afeganistão
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