FÓRUM SOCIAL MUNDIAL
Walter Karwatzki Chagas (*)
Mais de 13 mil pessoas assistiram no domingo, 26/1, no Ginásio do Gigantinho, em Porto Alegre, à conferência sobre o papel da mídia na crescente globalização, dentro da programação do Fórum Social Mundial. Quatro renomados especialistas, mesmo com abordagens diferenciadas, foram unânimes em afirmar que há necessidade de um maior controle da sociedade civil sobre a indústria da informação e recomendaram mudanças no perfil dos veículos de comunicação. Segundo estes especialistas, os meios de comunicação estão se transformando cada vez mais em canais de venda e de informações manipuladas.
Veja o que disse a imprensa gaúcha sobre esta conferência em suas edições de segunda-feira (27/1):
** Zero Hora: nenhuma palavra.
** Correio do Povo: nenhuma palavra.
** Diário Gaúcho: Fórum? Que Fórum?
Mesmo com toda a importância desta conferência, pasmem, apenas um jornal de Porto Alegre fez referência ao fato. No jornal O Sul a colunista Vera Spolidoro comenta em sua coluna (página 21) a participação de um dos painelistas. Abaixo, na íntegra, seu comentário:
A comunicação virou espetáculo
Mídia e Globalização foi a principal conferência de ontem, no Fórum Social Mundial. E o atual presidente da Radiobrás, jornalista Eugênio Bucci, um dos mais aplaudidos. Se os veículos de comunicação, no passado, eram canais de debate público, hoje a lógica é a do entretenimento, do espetáculo, disse o jornalista. Defendeu a construção de meios de informação públicos, não estatais, em escala mundial, para voltar à vocação original do jornalismo.
Os olhos do público
"O principal produto da mídia são os olhos de seu público. As pessoas não se dão conta de que elas são a mercadoria em questão. Elas se pensam como receptoras do entretenimento, mas na verdade o que está sendo comprado é o seu olhar, sem que isso seja pago", complementou Eugênio Bucci.
Mais uma vez, o Jornal do Comércio está de parabéns: tratou seus leitores com respeito e facultou-lhes o direito à verdade, "duela a quien duela". Reproduzo alguns trechos sobre a conferência na edição do JC de 27/1 (página 7), sob o título "Especialistas discutem papel social da mídia". Foi preciso ler o texto mais de uma vez para pegar o fio condutor, mas… vale a reprodução ? ipsis litteris:
Ignácio Ramonet ? diretor do jornal Le Monte Diplomatique ?, disse que a imprensa, considerada por muito tempo como o quarto poder, acabou suprimida pela força dos grandes grupos empresariais, que dominam o mundo através de um capitalismo financeiro, sendo urgente assim, a necessidade da formação de um quinto poder capaz de coibir as distorções cometidas pela mídia na dominação dos povos. "As empresas passaram a ter papéis globais importantes, muito mais do que governos ou os Estados" salientou. Ignácio Ramonet pediu uma reflexão do público presente como forma de exigir mais ética dos meios de comunicação, constituídos agora não só pelos canais tradicionais como a televisão, rádio e jornais, mas pela Internet e tudo que nela tem origem. "Recebemos uma avalanche diária de informações que estão envenenadas por todo tipo de mentira", salientou.
Ignácio Ramonet anunciou a criação do primeiro observatório de imprensa para rastrear todo e qualquer tipo de dominação ideológica feita através dos meios de comunicação. "Deste fórum, vai sair uma arma para os cidadãos contra os super-poderes da mídia", comenta Ignácio Ramonet, que complementa dizendo que está lançado o desafio de criar o quinto super-poder. "Vamos defender a verdade a serviço do cidadão através de informativos, não constituindo um tribunal, mas lançando ações que permitam mudanças", completa.
Sally Burch ? membro da Agência Latino Americana de Informação (Alai) ?, órgão comprometido com a vigência dos direitos humanos. Defendendo a abertura de espaços de opinião para contrapor a hegemonia do processo dominante, Sally Burch referiu-se às rápidas mudanças da sociedade contemporânea, que, ao mesmo tempo em que assistiu à evolução tecnológica, presenciou a criação de formas de controle sobre essas inovações. "Somente 60% das pessoas no mundo têm acesso à Internet", lembrou. Ela, ainda fez alusão ao poder conferido às massas com a globalização. "Através da Internet, temos grandes possibilidades de levantar grandes movimentos sociais", avaliou e citou a atual grandiosidade do FSM, que, segundo ela, só teve tanto alcance devido à rede mundial de computadores. "Mais do que transmitir mensagens podemos construir redes de articulação e discutir problemáticas", enfatizou. Além de clamar pelo cumprimento da função social da mídia, Sally Burch defendeu um amplo sistema público de comunicação com ampla participação do cidadão, através do estímulo à pluralidade de expressões.
Finalizando Sally Burch disse: "A indústria da comunicação propiciou o fim da pluralidade das fontes e ao processo de participação na comunicação social. E se não há democracia nas comunicações, não há nas sociedades".
Susanna George [na verdade, Susan George] ? do Movimento Isis Manila, uma ONG feminista dedicada às necessidades de informação e comunicação das mulheres ?, dividiu suas colocações em cinco pontos atrelados ao subjulgamento de corações e mentes feito pela mídia, responsável por definir o bem e o mal, o certo e o errado, principalmente no que tange às mulheres. "É triste quando as mulheres no Japão querem ter características ocidentais ou quando as européias mudam o formato do seu corpo segundo características divulgadas na mídia como normais e melhores", lamentou a feminista. Susanna George lembrou ainda que a criação dos super-inimigos e dos super-heróis, que lidam freqüentemente com a noção do bem, assim como a normalização do militarismo foram outros pontos citados como filão da mídia, que se apodera deles para adquirir audiência. A ligação da ONU com os organismos de comunicação também foi levantada como grande preocupação pela ativista, que revela existência de doações de dinheiro para instituições feitas por empresas de comunicação.
Eugenio Bucci ? presidente da Radiobrás ?, chamou a atenção sobre a mudança dos veículos de comunicação nos últimos tempos, que se transformaram em uma negação da vocação inicial do jornalismo. Para Eugenio Bucci, atualmente, o capitalismo contemporâneo não fabrica mais a mercadoria, mas, sim a sua imagem. Eugenio Bucci disse que a fabricação das imagens dos produtos está se colocando acima de qualquer esforço civilizatório. Como exemplo, citou a operações comerciais que chegam a faturar mais que o PIB de vários países. Dentre elas, está a operação entre a AOL e a Warner, que, fechada em US$ 160 bilhões, gerou um grupo avaliado em US$ 320 bilhões, superando, conforme ele, inclusive a metade do PIB brasileiro. Ao falar sobre jornalismo, Eugenio Bucci disse que a informação foi absorvida pelo negócio do entretenimento, e que vender, hoje, se constitui no principal negócio da mídia contemporânea. "As pessoas não se dão conta que são as próprias mercadorias em questão", disse. E complementa lembrando que a lógica usada hoje está sendo a de obstruir a informação democrática, fortalecendo a super-indústria formada pela intensificação dos processos industriais. "A cultura está sendo criada e a beleza fabricada. Hoje, tudo que é espetáculo vira notícia, as guerras, a ciência e até mesmo a religião", enfatizou Eugenio Bucci.
Será que a não-informação sobre a conferência por grande parte da imprensa gaúcha é uma confissão de mea-culpa? Ou a mídia gaúcha está acima do bem e do mal? Ou o que é pior, a mídia gaúcha é míope? Pois, em vários espaços do Fórum se discutiu a questão "mídia e ética", reflexo de uma preocupação em nível mundial. Talvez seja devido a esta postura por parte da imprensa gaúcha que se justifica o surgimento no Rio Grande do Sul de movimentos cívicos e apartidários em defesa de uma mídia norteada pela ética.
(*) Professor em Porto Alegre
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