O JORNALISMO PODE MATAR?
A BBC é o maior grupo de mídia público da Europa e, agora, além da corrosão causada pelo caso David Kelly, apresenta resultados pessimistas em seu relatório anual de contas.
Revelou possível perda de US$ 481,3 milhões após investir pesadamente em canais de mídia digital, serviços online e expansão da cobertura noticiosa. A corporação anunciou a perda apesar de o movimento cambial ter subido de 3,38 bilhões de libras esterlinas (cerca de US$ 5,44 bilhões) para 3,53 bilhões no ano financeiro encerrado em 31 de março.
A BBC afirmou também que seus gastos com coberturas noticiosas subiram para 479 milhões de libras, no ano passado, em comparação a 395 milhões no ano anterior.
Os dados, publicados anualmente pela BBC, também mostraram que a renda gerada com o pagamento da taxa pela licença de TV, paga por todos os lares britânicos com televisão, cresceu de 126 milhões de libras para 2,66 bilhões.
De acordo com Tim Burt [The Financial Times, 15/7/03], emissoras comerciais rivais e políticos da oposição condenaram os resultados, afirmando que a BBC não consegue mais executar sua função de serviço público. De sua parte, a corporação considerou infundadas as alegações, exibindo seus procedimentos detalhados no próprio relatório anual, no qual lista padrões editoriais da BBC, cotas de programação e negociações comerciais lícitas.
No dia 16/7, a polêmica sobre o relatório se aprofundou à medida que novas acusações foram feitas. Segundo reportagem de Matt Wells e Jason Deans [The Guardian, 17/7], analistas de canais rivais disseram que a BBC escondeu dados sobre serviços digitais e bônus executivos.
A BBC insistiu que sua prestação de contas foi feita para gerar mais transparência, não para destacar a questão da renovação de seu contrato em 2006. No entanto, a decisão da BBC de modificar seus métodos de contabilidade depois de apenas dois anos dificultou a análise dos gastos. Neste ano, aparentemente atendendo a pedidos do comitê seletivo de cultura, mídia e esporte, a BBC separou seus gastos com marketing, jornalismo e relações públicas dos orçamentos da corporação. Críticos afirmam que os dados deveriam ser somados e totalizados, para tornar a comparação mais fácil.
Desde o último mês, a Downing Street tem questionado os padrões editoriais da BBC devido a sua cobertura de dossiês de inteligência sobre armas de destruição em massa no Iraque. Um dos assessores mais confiáveis do premiê Jayson Blair, o chefe de comunicações Alastair Campbell, teve sua conduta questionada por um correspondente da Defesa da BBC. A fonte secreta da BBC, o cientista David Kelly, foi encontrado morto na semana passada.
O relatório anual divulgado no dia 15/7 será analisado de perto pelo governo e pelo Ofcom, novo regulador da mídia britânica. A avaliação faz parte de uma revisão no sistema de emissoras públicas britânicas e dá ao governo poder de definir se deve ou não renovar contrato com a BBC.
Greg Dyke, diretor-geral da BBC, ficou furioso com parlamentares do Partido Trabalhista (de Tony Blair), após um deles, Chris Bryant, comparar os resultados do relatório anual da corporação à gigante de energia Enron, que decretou falência após apresentar suas contas. Bryant acusou os diretores da BBC de omitir o fato de muitas pessoas pagarem por canais digitais a que não têm acesso.
Gerald Kaufman, outro parlamentar trabalhista, também atacou a corporação, acusando-a de fazer colocações "ridículas e pouco convincentes" sobre a popularidade do canal de notícias 24h da BBC. De acordo com reportagem de Owen Gibson [The Guardian, 15/7], Kaufman exigiu que a BBC explicasse por quê alegou que seu canal de notícias "tem sido visto por mais de 70% da população ? 40 milhões de pessoas ? na primeira semana do conflito", enquanto outra seção do relatório revela que só foi assistido por 0,4% de todos os espectadores.
Ainda antes da tragédia de David Kelly, Kaufman disse que os jornalistas da BBC deveriam ser impedidos de escrever colunas em jornais durante a atual crise da corporação com a Downing Street sobre o dossiê sobre armas de destruição em massa no Iraque. Segundo Ciar Byrne [The Guardian, 15/7], Kaufman pediu que os chefes da BBC forçassem o correspondente da Defesa Andrew Gilligan a escolher entre escrever artigos "contenciosos e polêmicos" para a imprensa ou trabalhar para a corporação. Gilligan escreveu sobre sua situação no diário The Mail, no dia 13/7.
O parlamentar disse à equipe diretora da BBC que a mesma atitude deveria ser tomada quanto a outros profissionais da BBC, inclusive o apresentador John Humphrys, do programa de rádio Today, e Andrew Marr, editor político da corporação, ambos autores de artigos publicados em jornais britânicos.