Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Como arruinar uma imagem pública

Raphael Perret Leal (*)

Não me surpreenderia (e certamente a ninguém) se o técnico da Seleção Brasileira, Wanderley Luxemburgo, fosse demitido devido à fraca atuação do Brasil nos jogos das eliminatórias da Copa de 2002. Perdemos duas vezes, fato inédito em 70 anos de Copa do Mundo. Porém, nas atuais circunstâncias, preocupa-me se Luxemburgo perder o cargo de técnico em função da cobertura da imprensa sobre o caso de que estaria envolvido em negociatas de jogadores e sonegação fiscal. Para não generalizar muito, retifico: O Globo me parece determinado a derrubar Luxemburgo.

Como se não bastasse tal intenção, a cobertura do jornal carioca é, no mínimo, mal direcionada. Em todos os jornais, Luxemburgo declarou que sonegou impostos – embora tenha afirmado que pagará cada centavo. Sonegação fiscal é crime, e dos brabos. Relevante para todo mundo. Afinal, ele não está dando sua cota de dinheiro aos cofres públicos, o que acarreta prejuízo para o povo. Mas as declarações perdem-se em linhas intermediárias de longas e numerosas colunas sobre o assunto Luxemburgo.

Entretanto, sobre o suposto envolvimento do técnico com compra e venda de jogadores, O Globo gasta exageradamente suas tintas. Usou duas folhas do jornal na quinta, 24, e na sexta, 25, sobre o assunto. No sábado, foram três. As acusações da estudante de direito Renata Alves são graves, mas não se sustentam em nem uma prova sequer. Mesmo assim, o jornal estampa em letras garrafais denúncias que são, exatamente por não serem acompanhadas de provas, vazias.

Terreno delicado

Renato Maurício Prado, na sua coluna de domingo no próprio Globo, afirma que o cargo de técnico da Seleção exige lisura e honestidade, que qualquer suspeita é inadmissível para tal posto. Aponta mais algumas evidências da ligação de Luxemburgo com empresários, e sugere a saída do treinador. Não discordo de Renato, mas evidências e denúncias sem comprovações não podem condenar uma pessoa. Assim, a mídia, principalmente o jornal para o qual Renato escreve, não pode hipervalorizar acusações sem provas de ex-parceiros ou ex-funcionários do técnico. É possível que seja tudo verdade, claro. Porém, também é possível que um trambiqueiro qualquer fale besteiras sobre Luxemburgo ou qualquer outro técnico da Seleção, ou sobre qualquer outro ocupante de algum cargo de confiança. A imprensa vai na onda, dá espaço e pronto: carreira manchada pelas letras garrafais de manchetes acusadoras. E sem provas. Passa o tempo, nada se comprova, some o trambiqueiro, mudam-se as manchetes, arruina-se o técnico.

E sobre o crime de sonegação? Nada.

O comportamento do O Globo é visivelmente errado. Não se podem ignorar as denúncias, é verdade. Há uma ligação entre acusadora e acusado. Não é um torcedor qualquer querendo prejudicar a imagem de Luxemburgo. Mas é preciso um pouco mais de discrição, um pouco menos de sensacionalismo. Por que não investir em reportagens sobre a sonegação declarada do técnico? Por que insistir em achar mais relações entre Luxemburgo e Renata Alves, que ameaça, ameaça e não prova nada? Eurico Miranda, vice-presidente de futebol do Vasco e deputado federal, ameaçou contar "tudo" sobre o treinador, caso este não convocasse Romário para as Olimpíadas. Parece-me que a imprensa não se acostumou com as bravatas do dirigente, que ladrou mas não mordeu. Por que não cutucar mais Eurico Miranda, se afirmava ele que sabia de mais alguma coisa?

A carreira do ex-técnico de Palmeiras, Corinthians e Flamengo está prestes a desmoronar. Infelizmente, não por causa de sua pífia atuação como comandante da Seleção Brasileira. Porém, sim, por denúncias não-comprovadas mas escancaradas pela irresponsabilidade de um dos maiores jornais do país, que acabam minando um terreno valioso e delicado: a imagem pública de uma pessoa.

(*) Analista de sistemas e recém-formado em Jornalismo pela Uerj

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