Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Como plantar notícias

VIOLÊNCIA NO RIO

Leonel Kaz (*)

A situação do Rio é mais dramática pelo lado invisível do que pelo visível. Além da tragédia cotidiana do desmazelo governamental, o que dói mesmo é a atitude desabrida com que a governadora e o ex-governador manipulam a mídia, que… aceita o jogo.

Anthony Garotinho e Rosinha Garotinho corporificam, ao vivo e em cores, a "sociedade do espetáculo" a que o filósofo francês Guy Debord se referiu nos anos 1960. Fazem o jogo de cena, o jogo do novo pelo novo, estão sempre na ordem do dia, criam "fatos" por uma mídia ávida por consumo de, digamos, notícias.

Mas que novidades são estas que tanto fascinam? Debord esclarece: "A realidade surge no espetáculo, e o espetáculo é real. Essa alienação recíproca é a essência e a base da sociedade existente". E prossegue:


"O espetáculo é a principal produção da sociedade atual (…) o sonho mau da sociedade moderna aprisionada (…) a atitude que ela exige é a da aceitação passiva que, de fato, ele já obteve por seu modo de aparecer sem réplica, por seu monopólio da aparência".


O oportuno artigo de Arnaldo Bloch ["O show do Coronel Bolinha/ Clima de posse de Garotinho foi um atentado ao pudor cívico", O Globo, 3/5/03) menciona que o "coronel" está feliz por uma razão prosaica: "Encontrou um jeito de voltar à cena, de ter novamente os holofotes na sua mira e os eleitores sob sua mira".

Mas, a troco de quê e por quê, afinal, a mídia abre tantos holofotes para Garotinho? Uma forma de, não levando tão a sério, terminar por ceder espaço para qualquer declaração que, de toda forma, será esquecida no dia seguinte, porque já haverá novidades?

Mas, cós diabos, por que afinal abrimos tanto espaço em torno do atual secretário de Segurança Pública do Rio? Se fosse outro, haveria tamanha reverberação do fato? Mas, não sendo outro, o que já fez este? Não é melhor aguardar para cobrar resultados?

"O espetáculo na sociedade corresponde a uma fabricação concreta da alienação", sugeriu Debord. A plantação de notícias voltou a ser atividade próspera no estado do Rio de Janeiro.

(*) Jornalista e professor de Cultura Brasileira na PUC-RJ