Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Confissões humanas

VIDA DE JORNALISTA

Victor Gentilli


Confissões de um infartado meio paralítico, de Jairo A. Régis, 158 pp., apresentação de Ítalo Campos, prefácio de Carlos Maranhão, posfácio de Rachel Regis, Editora Zennex Publishing, São Paulo, 2003; e-mail: <editora@www.zennex.com.br>


Em 1981 ou 82, Jairo Régis negociou sua saída da Editora Abril depois de mais de 10 anos de casa, boa parte deles no comando da revista Placar. Já era publisher da revista, estava para passar a bola a Juca Kfouri. Queria sair de São Paulo, a Abril ofereceu-lhe a distribuição das revistas em Natal, Fortaleza ou Vitória. A escolha era dele. Dionary, sua mulher então, e até agora, conhecia Natal e Fortaleza. Escolheram Vitória.

Jairo não ficou três anos com a distribuidora.

Claro, ganhava dinheiro. Não saía do lugar: a Abril entregava suas revistas lá e os jornaleiros iam lá buscar suas revistas. Uma percentagem era do distribuidor. Era dinheiro fácil, Jairo não suportou. Em Confissões de um infartado meio paralítico, Jairo Regis conta esta e muitas outras histórias de sua vida. O jornalista que virou jornaleiro não agüentou a nova profissão. Queria, e batalhou por oito anos, um emprego em A Gazeta, maior e principal jornal do Espírito Santo. O ex-publisher da Editora Abril insistiu, persistiu e tanto bateu pé que finalmente conseguiu o cargo de redator no jornal capixaba. Permaneceu lá por outros oito anos, até o infarto e o acidente vascular cerebral que o colocou em cadeira de rodas, necessitado de ajuda para andar e comer e impedido de trabalhar.

Jairo sempre foi um homem de decisão, um homem independente. Ainda é homem de decisão, mas depende dos outros para quase tudo. As lições de vida de Jairo são impressionantes. Ele se abre no livro e conta histórias deliciosas. Como a aventura de ter sido candidato a prefeito de Vitória em 1985, pelo então PCB, o Partidão, que fora legalizado pouco antes. Ele avalia hoje aquela aventura como uma dupla irresponsabilidade. Mas até o atual governador do Espírito Santo lhe confessou que errou ao votar para prefeito em 1985. Jairo nem se recordava que fora candidato. Sua meta era apenas não chegar em último. Foi o terceiro em quatro candidatos e em todas as pesquisas era considerado o candidato "mais preparado". Apesar de estar em Vitória coisa de não mais que três anos. Sua boa preparação não consta do livro.

Jairo é jornalista; Jairo é comunista. Sua identidade não se fragmenta entre esses dois atributos. Jairo é jornalista velho, não velho jornalista, como se define logo no início do livro. Homem discreto que, fiel à opção por Vitória e pelo jornalismo, permaneceu mais de oito anos batendo ponto e cumprindo plantões como redator. Penteava, copidescava, titulava e entregava seu trabalho ao editor. Trabalho que fazia com a maior seriedade, sempre.

Desde 1996, Jairo luta outra batalha. Mas não abandona as pretinhas. Escreve regularmente uma crônica no sítio da Prefeitura de Vitória e agora lança suas confissões em livro. Reclama que os amigos faltam; não esconde o desconforto de que sua casa não é mais freqüentada por políticos e toda gente, como já fora. Jairo se expõe com a coragem de sempre. Fala dos amigos, reproduz diálogos escritos com sua filha Rachel que mora em São Paulo e também é jornalista, cuida de seus filhos, netos e bisnetos.

O Jairo comunista relata quando foi salvo da repressão política no regime militar. Dois dias antes da morte de Vladimir Herzog. Fora procurado no Departamento de Pessoal da Editora Abril. Orientado a sair por outro lado, tinha um carro à disposição, dinheiro e carteira de identidade. Pelo que narra em outro momento, foi quando conheceu Vitória. Não sabe, e pela leitura do livro parece não interessar-se até agora em saber, se o seu esquema de fuga era do conhecimento da alta direção da Editora Abril. Jairo valoriza a lealdade, mas a preserva na sua exata dimensão. A Editora Abril, aliás, é a única empresa citada nominalmente no livro. "durante os dez anos que fui empregado da Abril, jamais me senti ameaçado no emprego ou no cargo", conta.

O comunista também relata quando abrigou em sua casa, com a generosidade de sempre, um dirigente do partido. Clandestino. Com humor descreve as angústias e dúvidas de seu filho e da visita e do desconforto na casa até sua chegada. Jairo estava abrigando Salomão Malina, que viria a ser o último secretário do PCB antes deste se tornar o PPS. A mão atingida por uma granada é que permitiu a identificação. Jairo sabia que abrigava um alto dirigente, mas Malina não precisava saber que ele sabia. Só foram conversar sobre o assunto anos depois.

Jairo é o mesmo de sempre, brigão e autoritário. Briga até com o dicionário. Teve um infarto e, portanto, apesar do computador e apesar dos dicionários, considera-se um infartado, mesmo que a palavra não conste de dicionário algum. Polemiza com sua filha sobre o plural de fax: é fax ou faxes.

Claro que um homem que vive das palavras iria confrontar-se com elas.

A frase que usou para destacar o livro é exemplar e mostra quem Jairo é:

"Creio nas palavras. Às vezes, tropeço nelas. Com elas vivi e delas vivi praticamente a vida toda".