FORÚM
Recentes manifestações do novo presidente da TV Educativa do Rio de Janeiro, dando como inevitável a montagem de uma nova grade de programação da emissora que dirige, podem colocar em risco a consolidação de uma Rede Pública de TV no país?
Alberto Dines (*)
A autonomização das grades de programação proposta pela nova direção da TVE antes de ser examinada no seu mérito pede uma reflexão anterior.
Há pelo menos quatro anos está sendo discutida e incrementada a idéia de uma Rede Pública de TV nos moldes do PBS (Public Broadcasting System) dos EUA. A RPTV montada em torno do eixo TV Cultura?TV Educativa, devidamente federalizada, deveria constituir-se numa efetiva alternativa à TV comercial com baixos padrões de qualidade e crescente descaso para com suas responsabilidades constitucionais.
Houve avanços significativos no entrosamento entre as duas redes e entre as emissoras educativas e culturais espalhadas pelo país, embora em algumas situações tenham prevalecido interesses políticos e partidários locais. Criou-se uma noção de parceria e, no tocante ao eixo Rio-São Paulo, foi plantada a semente da integração. Registre-se que mesmo na TV privada a integração entre os pólos deste eixo funciona de forma voluntarista, sem atentar para as necessidades locais tanto no campo profissional como no de conteúdo.
Obviamente, houve problemas entre as emissoras educativas do Rio e São Paulo que a convivência, o bom senso e os interesses comuns acabariam por resolver no devido tempo.
O problema principal, a meu ver, foi a incapacidade da gestão anterior da TVE em produzir uma programação carioca capaz de interessar à audiência paulista e nacional. Salvo honrosas exceções. O desbalanceamento e a "paulistanização" da programação da Rede Pública teve efeitos desastrosos nos índices de audiência da TVE, como não poderia deixar de acontecer, já que também a TV Cultura, em função de apertos orçamentários, ficou impossibilitada de investir em qualidade.
A nova direção da TVE, confiante na tradição profissional e cultural do Rio, fez, em tese, uma aposta correta no tocante ao equilíbrio da programação, mas esqueceu-se do acervo de ajustes e, sobretudo, da continuidade no processo deslanchado pela RPTV.
Esse o problema fundamental da administração pública brasileira: cada fornada de executivos traz consigo a firme disposição da tábula rasa. Dar seqüência é humilhante. É reconhecer que o Outro pode ter razão ou razões. Desmonta-se tudo a cada quadriênio ou biênio e começa-se tudo da estaca zero. Às vezes, como agora, em direção diametralmente oposta.
Como centros produtores de talentos, Rio e São Paulo têm vantagens competitivas específicas que precisam ser combinadas e otimizadas. As redes comerciais resolveram o problema da forma simplista, fazendo a transferência da mão-de-obra qualificada de uma cidade para outra sem atentar para a necessidade de formar novos quadros locais. E isso ocorre mesmo na Rede Globo, empresa carioca, hoje em vias de paulistanizar-se.
A nascente Rede Pública, sob nenhum pretexto, pode desperdiçar o pequeno acervo de entendimento que conseguiu articular nestes poucos anos. Sentem-se à mesa, tornem a discutir, usem a criatividade, inventem um sistema rotativo de responsabilidades mas não repitam a praxe administrativa brasileira de mudar por mudar.
E logo na primeira reunião condenem a idéia que o governo federal acaba tirar da sua surrada cartola de mágicas: um canal a cabo do Ministério da Cultura. Idéia deletéria, perniciosa, absurda: a grande contribuição federal para enterrar a Rede Pública de TV.
(*) Editor-responsável do Observatório da Imprensa produzido desde maio de 1998 pela TVE do Rio de Janeiro e retransmitido pela TV Cultura. Não é funcionário nem prestador de serviços de nenhuma das duas emissoras: o OI é mantido pelo Instituto Universidade Empresa (Uniemp)
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