CASO DE POLÍCIA
Moacyr Francisco (*)
As freqüentes ? e históricas ? cabeçadas da polícia e de repórteres ou veículos brasileiros são algo fora do comum. Mas nos últimos meses a seqüência de acontecimentos hediondos vem propiciando um espetáculo aterrador de desinformação, um verdadeiro "samba do crioulo doido", em que vale qualquer nota, qualquer notícia ou des-notícia.
Vou me deter apenas no tema mais palpitante do momento: a violência urbana. Assim como a "perícia" policial brazuca parece sempre querer "queimar etapas" na investigação ? seja no afã de resolver logo o caso, seja por algum propósito muito específico ?, vemos incontáveis desmentidos, retrocessos, embaraços que invariavelmente emperram a investigação. Tudo fica pela metade, quando não, mais confuso e embaralhado a cada retomada ou reabertura do processo investigatório.
Com nossa imprensa não tem sido diferente. Caso emblemático o do assassinato de PC Farias, em que a polícia (?) local tratou de desconfigurar imediatamente a cena do crime, de forma "profissional", no firme propósito de encerrar por ali mesmo a história e ainda dizer que a morte impossibilitaria de vez a "busca da verdade". Como se essa verdade não pudesse ter sido conhecida durante os (quase) quatro anos que tiveram para interrogar o então "arquivo-vivo", entre o escândalo do governo Collor e a morte de PC.
Caso semelhante ocorre agora, com a morte do seqüestrador Dutra Pinto, condenado a posteriori ? agora, sem dúvida ? por ter sido o autor dos (quantos?) disparos contra três (três?) policiais treinados e preparados (???). Enquanto isso, nossos intrépidos repórteres iam sendo levados no "vai-da-valsa", cada qual contando sua versão da verdade. Quando há armas de fogo envolvidas num crime, a contagem dos tiros costuma ser a melhor parte: eles acertam ou erram seus alvos de acordo com a direção do vento; aplicam-se a eles diferentes matemáticas, que vêem suas leis alteradas ao sabor das vendas em banca e interesses insondáveis de certos editores. Como a "perícia policial", afobado por um "furo" nosso foca atropela o fato para dar a notícia. Depois ele desmente, reconta ou simplesmente ignora ? e nada lhe é cobrado. Ao que parece, nada mais é checado desde há muito.
Juro que até hoje não sei se o sobrenome da Suzana (a namorada de PC) era Marcolina ou Marcolino…
O que de fato aconteceu parece ser o que menos importa. O que interessa mesmo é "dar primeiro".
No caso Celso Daniel, tivemos os seguintes lides:
"A porta da Pajero abriu sozinha"
"Não há como a porta ser aberta sem um comando de dentro do carro, afirma empresa"
"O air-bag se abriu provocando o destravamento"
"Comprovado: air-bag não abriu, mistério permanece"
"O câmbio parou de funcionar, afirma Sergio"
"Não há sinais de choque que possam ter danificado o sistema do cambio, afirma perícia"
"Foram sete, oito, ou 11 tiros, de vários calibres"
"Todos os tiros foram da mesma arma"
"Celso Daniel foi duramente torturado antes de morrer"
"Um tiro de 9mm deslocou seu maxilar"
Se foi crime político ou não, o fato é que o PT já está fazendo o diabo para tentar convencer a opinião pública de que sim, mas aí já é outra história. Movida a não sei o que, a "perícia" liberou a Pajero antes da hora, deixando para trás possíveis evidências, além de outros lapsos, e a dúvida: o que pode e o que não pode ser divulgado? Até que ponto a divulgação das ações policiais atrapalha a investigação? Na falta de novidades, mas precisando delas, nossa imprensa bate cabeça. Se engana e desengana.
Coitado de quem tenta acompanhar as notícias por várias fontes. Acaba maluco.
Reformatório da mídia
A cobertura do atentado ao WTC foi um dos maiores festivais do dito-pelo-não-dito e do não-foi-bem-isso-que-eu-disse, sem contar as barbaridades perpetradas por numerosos "especialistas", articulistas" e tantos outros "istas". Um detalhe que quase passou batido: no dia do incidente as emissoras falavam em 20, 30, 50 mil mortos… Terminou (?) em 3 mil.
Impossível ignorar o triste episódio da fuga de dois condenados de um presídio de "segurança máxima" ? voando! Muito mais tristonha foi a entrevista coletiva (promovida por quem?) do astro-fugitivo recapturado que, ao fazer de tonta uma platéia de focas deslumbrados com a desenvoltura bandida do recém (por ela mesma) transformado em celebridade, fez também com que todo o país, entre indignado e humilhado, conseguisse ao menos enxergar a estatura moral daqueles repórteres de risinhos nervosos e o nível rasteiro em que se encontra seu Q.I..
Falta falar sobre "as cabeçadas" no caso Washington Olivetto. Para encurtar a história, li no Estado de S.Paulo (4/2/02) que, no momento em que a revista Época publicou a foto do publicitário na capa, fez recuar a negociação ? então em fase final ? entre os seqüestradores e a família de Olivetto, pondo mesmo quase tudo a perder. Essa atitude "independente e corajosa" da valorosa semanal promoveu sim (e por sorte) apenas a ruptura do relacionamento entre a editora Globo e a W/Brasil, que de imediato abriu mão da conta. Poucas semanas antes, a mesma turminha havia produzido outra capa "corajosa e polêmica", conseguindo a proeza de fazer com que uma jornalista (colega, portanto) perdesse o emprego numa emissora de TV. Tal seqüência de trapalhadas puramente mercantilistas poderia ser batizada "autodesserviço" ou "endomiserabilidade".
Talvez apenas um Observatório da Imprensa seja pouco. Contudo, trata-se de um Observatório que dispensa qualquer aparato óptico, dada a abundância (e opulência) das "estrelas" do ramo. Mas penso que seja preciso criar ? antes de mais observatórios ? alguns milhares de "reformatórios da imprensa".
(*) Publicitário, São Paulo