Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Correio Braziliense

O PARADIGMA HIPÓLITO

"Hipólito da Costa está em casa", copyright Correio Braziliense, 5/07/01

"No jardim do Museu da Imprensa Nacional, o tapete verde e a presença da banda sinfônica da Polícia Militar em traje de gala avisavam da chegada do personagem ilustre. Por volta das 10h30 de ontem, autoridades dos três Poderes e representantes da sociedade civil se acomodaram na tribuna para saudar Hipólito José da Costa, fundador da imprensa brasileira. Os restos mortais do criador do primeiro jornal livre do país, o Correio Braziliense, em 1808, editado a partir de Londres, foram trazidos numa urna e levados em cortejo de quatro cadetes da PM.

A primeira homenagem foi a execução do Hino da Independência, com a banda sinfônica da PM e as vozes do Coral Madrigal de Brasília. Uma alusão ao trabalho de Hipólito da Costa, defensor ferrenho do movimento pela independência do Brasil.

O diretor-geral da Imprensa Nacional, coronel Carlos Alberto Guimarães, citou figuras importantes da história do jornalismo que tiveram Hipólito da Costa como modelo – Evaristo da Veiga, Rui Barbosa, Líbero Badaró e Barbosa Lima Sobrinho, entre outros. ?Foi um homem humanista, cosmopolita e liberal?, definiu.

O fundador do Correio Braziliense também foi lembrado em vários discursos por sua crença no papel da imprensa de ?dissipar as trevas da ignorância?. Hipólito se inspirava nas idéias do iluminismo. Uma filosofia do chamado Século das Luzes, nascida na Europa entre os séculos 17 e 18, cujos seguidores buscavam uma explicação científica para tudo.

IMPRENSA LIVRE

O embaixador do Reino Unido no Brasil, Roger Bone, elogiou a atuação independente do Correio. ?Os governos precisam se responsabilizar por seus atos perante a população e a imprensa tem papel essencial nisso?, observou. Segundo ele, o fato de Hipólito e outros exilados do mundo buscarem o Reino Unido como refúgio é motivo de orgulho para a Inglaterra.

Em seguida, o embaixador do Brasil em Londres, Sérgio Amaral, contou um pouco da história do traslado dos restos mortais do fundador do Correio Braziliense. ?Essa cerimônia é cheia de significado, pois sela a amizade antiga entre o Brasil e o Reino Unido?.

O presidente dos Associados, jornalista Paulo Cabral, ligou Hipólito José da Costa à história de Brasília. ?Era defensor da necessidade de se transferir a capital para o Planalto Central, como se percebe pela leitura de seus artigos?. Ele lembrou o desafio feito pelo presidente Juscelino Kubitschek ao então diretor dos Diários Associados, Assis Chateaubriand, de colocar o primeiro jornal da capital para circular no dia da inauguração da cidade. ?Aceito o desafio, Chateaubriand foi buscar o título do jornal, mantida até a grafia original, no veículo fundado por Hipólito em Londres, dentro do mesmo ideário de liberdade e brasilidade?.

O vice-presidente da República, Marco Maciel, enumerou algumas das principais bandeiras do Correio Braziliense naquela época. A abolição da escravatura, a preocupação com a imigração européia, e principalmente a necessidade de manter a unidade nacional, depois da independência de Portugal. ?Trazido para os dias de hoje seria um verdadeiro homem globalizado, consciente da necessidade de integração, sem perder de vista a importância da preservação da identidade local, sempre?.

Na tribuna de autoridades, alguns convidados acompanhavam a cerimônia com atenção muito especial. O deputado e presidente da Câmara Distrital, Gim Argello (PMDB-DF), se identificou com o homenageado por ser maçom, como Hipólito. Por pertencer à maçonaria, o jornalista foi obrigado a fugir de Portugal perseguido pela Inquisição. O diretor da Ordem Maçônica Grande Oriente Brasil, Jafé Torres, também estava lá para saudar o fundador do Correio Braziliense. ?Para nós ele foi um exemplo?.

Fernando Hipólito da Costa, 74 anos, tetraneto do homenageado, comoveu-se com a oportunidade de estar próximo dos restos mortais do avô famoso. ?Nunca visitei o túmulo dele na Inglaterra?.

Um iluminista na luta pela independência

Hipólito José da Costa nasceu na Colônia do Sacramento (hoje Uruguai) em 1774. Na época, o território fazia parte do Brasil, como parte da província Cisplatina. Ainda menino, migrou com a família para Pelotas (RS), onde passou a adolescência. Naquele tempo os brasileiros de alguma posse só tinham um caminho para conseguir o diploma universitário: pegar o navio com destino a Portugal. Assim fez Hipólito, aos 18 anos. Em Coimbra, formou-se em Direito, Filosofia e Letras e depois foi enviado aos Estados Unidos, em missão oficial da coroa portuguesa.

Nesse período, tomou conhecimento das idéias iluministas de combate à ignorância e se tornou maçom – motivo pelo qual foi perseguido e torturado em sua volta a Lisboa, em 1801. Forçado a fugir de Portugal, o jornalista encontrou asilo no Reino Unido, onde, em 1808, começou a editar o primeiro jornal independente brasileiro, o Correio Braziliense, que circulou por 14 anos, em edições mensais. Sua principal bandeira, a independência do Brasil. Hipólito era o único repórter, editor e também redator. Em 1823, um ano depois da independência do Brasil, o jornalista parou de publicar seu Correio Braziliense. Entendeu que não fazia sentido continuar editando o jornal, de um país agora autônomo, a partir de Londres. Morreu no mesmo ano, aos 49 anos, de infecção intestinal.

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"Hipólito José da Costa", copyright Correio Braziliense, 5/07/01

"O cortejo da urna com os restos mortais de Hipólito José da Costa, ontem, nos jardins da Imprensa Nacional, encerrou uma história de 40 anos. O esforço para trazer o fundador da imprensa brasileira de volta à terra natal começou em 1960, com o criador dos Diários Associados, Assis Chateaubriand. Depois de adotar o nome do Correio Braziliense de Hipólito como título do primeiro jornal da nova capital, Brasília, Chateaubriand, que foi embaixador do Brasil em Londres, tentou sem sucesso uma autorização do governo inglês para trazer os restos mortais de Hipólito de volta.

O projeto foi retomado há dois anos, pelo diretor-executivo da Fundação Assis Chateaubriand, Márcio Cotrim. O protocolo exigido pela coroa inglesa para realização do traslado foi cumprido, em grande parte, graças à colaboração de Sérgio Amaral, embaixador do Brasil no Reino Unido e ex-porta-voz da Presidência da República.

Fazer a exumação de uma figura importante como Hipólito da Costa e depois conseguir levá-lo para outro país não é tarefa fácil. O Brasil precisou cumprir algumas exigências básicas do governo britânico, para receber a autorização da rainha Elizabeth II para o traslado.

Em seu discurso, Sérgio Amaral explicou que foi preciso a comprovação de que Hipólito José da Costa não desejava ficar para sempre na Inglaterra, uma vez que se casou e constituiu família com uma britânica, Mary-Ann Troughton. Para isso, o governo brasileiro lançou mão dos escritos do próprio Correio Braziliense, demonstrando o apego do jornalista ao seu país de origem. Também usou uma carta enviada pelo imperador d. Pedro I, logo após a independência, nomeando Hipólito o primeiro diplomata brasileiro.

O próximo passo foi uma consulta à comunidade da Paróquia Mary-The-Virgin, no município britânico de Hurley-on-Thames, onde o corpo do jornalista repousava, perguntando se ninguém se opunha à retirada dos restos mortais de Hipólito. Os descendentes também tiveram de autorizar a remoção. O governo, por sua vez, garantiu que o túmulo de Hipólito no Brasil seria abençoado pela Igreja Católica, como o foi na Inglaterra.

O embaixador do Reino Unido no Brasil, Roger Bone, aproveitou a cerimônia para elogiar, em nome de seu governo, o jornalismo independente de Hipólito da Costa. ?A Grã-Bretanha se orgulha de acolher os perseguidos de regimes que não permitem a liberdade de expressão. Estou honrado de estar aqui hoje?.

Exumação aconteceu em março

Os restos mortais de Hipólito José da Costa foram exumados no dia 27 de março deste ano, quatro dias depois da comemoração de 227 anos do nascimento do jornalista. Os responsáveis pela paróquia britânica, onde o corpo repousou até então, promoveram uma cerimônia, na ocasião. O responsável pela paróquia St. Mary-The-Virgin, reverendo Roy Taylor, saudou os convidados em português.

O evento foi acompanhado por 50 pessoas, entre elas o prefeito do município de Hurley, John Webb, e um representante do Ministério do Exterior britânico, Paul Taylor. O embaixador Sérgio Amaral e o presidente dos Associados, Paulo Cabral, também estiveram presentes, juntamente com uma descendente de Hipólito, a arquiteta Maria Beatriz de Arruda Campos, sexta geração da família.

Os demais descendentes do patrono da imprensa no Brasil também não se opuseram à transferência dos restos mortais. O coronel aviador da reserva Fernando Hipólito da Costa, 74 anos, representou os familiares na cerimônia de ontem. Ele faz parte da quinta geração de descendentes e vive em Natal (RN)."

    
    
                     

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