Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Cópia (muito) malfeita

BIG BROTHER

Márcio Santos (*)

E o Big brother está, finalmente, entre nós. Estreando com uma audiência recorde, o reality show, auxiliado por um marketing monstruoso do qual ninguém pôde escapar, é a resposta da Rede Globo ao banho levado no ano passado dado SBT e sua Casa dos artistas. As históricas derrotas do Fantástico para o programa capitaneado por Sílvio Santos deixaram seqüelas irremediáveis no orgulho da emissora. Tendo, pela primeira vez na vida, de correr atrás do prejuízo, a Globo acelerou a produção do programa e montou uma megaprodução. O BBB, em princípio, parece ser um grande e rentável campeão de bilheteria, ainda mais alavancado pelo ibope da novela O clone ? este sim, um dos casos mais inacreditáveis de incompetência em dramaturgia transformada em sucesso.

O risco de fracasso, entretanto, ronda a megaprodução de um modo muito mais visível do que a decadência de Fausto Silva ou o riso amarelo do Sai de baixo. No desejo de tornar sua nova atração tão palatável quanto foi a Casa dos artistas, a Globo saiu a campo não procurando pessoas comuns, mas, sarados e saradas que pudessem despertar o apetite do público tanto quanto Alexandre Frota e Nana Gouvêia. Ao contrário das primeiras edições de No limite, das quais participavam cabeleireiras gordinhas e líderes de comunidade, na casa-show da Globo todos seguem o padrão da novela das 8.

A Globo apostou em belos desconhecidos que não conseguem, entretanto, o mínimo de empatia com o público. Com um casting que parece saído dos estúdio de Malhação ? e denúncias de que os 500 mil inscritos serviram apenas para levantar o portal Globo.com, já que boa parte do elenco foi selecionado por olheiros ?, o programa ainda não conseguiu convencer de que ali estão "pessoas comuns como você". Ora essa, com quem o público se identifica? Não é com certeza com a modelo que posou pelada para uma revista de quinta categoria, muito menos com a empresária siliconada ou com a popozuda que só fala "caraca". Não é com a garota que já fez papel de prostituta em filme nacional e menos ainda com o parrudo que já foi auxiliar de palco da Xuxa. Ou seria com o homossexual que, no clichê gay mais básico possível, passa o dia cantando músicas dos anos 70 e imitando divas nacionais?

Tiazinha vs. Xaiane

Mas não são apenas estes os problemas que podem levar o BBB ao fundo. Mesmo amparados por uma estrutura física e técnica insuperáveis, o programa sofre com o fato de ser extremamente mal-editado. Tendo que trabalhar com a grade restrita de programação da Globo, os editores mostram 10 minutos diários nos quais ações do dia anterior são relembradas, complementam-se cenas que ninguém viu e não se entende o que é conversado. Cadê as legendas? Mas nada se compara à apresentação constrangedora de Pedro Bial e Marisa Orth. Arrependidos até a alma por estarem ali, os dois não se entendem. Marisa, com o espírito de Magda incorporado, a cada dia solta uma novidade, como quando deu "parabéns" ao modelo (mais um!) Caetano por sua eliminação. Pior ainda é a televisão para cego praticada pelos dois, como no dia em que Sérgio foi notificado de que teria de deixar o país. Via-se o rapaz trancado no quarto, chorando, enquanto ao fundo Marisa Orth contava que o rapaz havia "chorado a tarde toda, trancado no quarto".

A noção de que o público se interessa pelo que acontece com desconhecidos é, aqui no Brasil, um tanto duvidosa. Este mesmo tipo de programa já havia sido tentado na Band e na MTV, sem sucesso. Até mesmo No limite não resistiu a uma segunda edição. É preciso que a Globo se lembre da lição que a Caras traz toda semana às bancas e que a Casa dos artistas soube captar com esperteza. O público médio se interessa pela celebridade, pois vê nela a realização que não consegue no mundo real. Para isso, satisfaz-se com o talher e a visão da ilha, na qual dançarinas, atores, políticos e modelos dançam ao som do hula-hula e passeiam de jet-ski. Induzidos pelo glamour do mundo artístico, este público transforma em ícones pessoas cuja única qualidade é saber estar no local certo e com o fotógrafo certo. Antes de significar qualquer tipo de pobreza cultural ou crítica que o valha, é muito mais uma característica intrínseca do brasileiro ? o sonho da celebridade próxima e palpável.

Do jeito que está, Big brother se descaracteriza como reality show, pois ali dentro não estão pessoas comuns como a cabeleireira Elaine, nem celebridades como Supla. São pessoas que não nos dizem nada. O voyeur nacional está sem opções. No programa diário do grande irmão, as pessoas comuns são escolhidas a dedo pelo seu físico e pelo seu teste de câmera. Em busca de um programa plasticamente perfeito, esqueceram de colocar pessoas de verdade lá dentro. Se é para ver garotas de biquíni, chamem logo a Tiazinha. E dêem adeus a Xaiane.

(*) Jornalista em Curitiba