Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Cristina de Luca

INTERNET

“O que está acontecendo com a internet?”, copyright O Globo, 10/03/03

“Os serviços vêm piorando a olhos vistos. A ineficiência e a falta de ética imperam. Vale tudo. Muitos provedores desconhecem normas de segurança, pondo em risco todo o sistema. Outros cobram por ações que deveriam ser pré-requisitos de qualidade dos serviços prestados, como o controle de vírus no servidor de email. Os custos são considerados altos pela maioria da população. Para pagar menos, o brasileiro se acostumou a acessar a rede de madrugada e nos fins de semana. Na maioria das vezes, através de provedores gratuitos. E ainda assim continuou a se surpreender com a conta do telefone, muito acima dos valores que previa pagar. Não raro fruto de interurbanos escondidos por trás de números de acesso 1500, embora provedores e companhias telefônicas neguem a prática.

Para completar, o usuário descobriu que a maioria dos provedores gratuitos baseia seu modelo de negócio em uma anomalia do serviço telefônico da época da privatização, anomalia cujo fim a Anatel já anunciou. O que certamente levará as companhias telefônicas, sócias no negócio de provimento gratuito, a se desinteressarem de mantê-lo. Isso sem falar na prática de venda casada dos serviços de banda larga (ADSL e cabo) e de ameaças de monopólios diante de práticas comerciais como a do UOL, ao descredenciar mais de 250 provedores locais.

Como chegamos a este ponto?

O principal motivo é que há muito deixou de existir o modelo de gestão da internet comercial brasileira, lançado em 1995 com base em regras pioneiras que, na época, asseguraram seu extraordinário desenvolvimento. Com o passar do tempo, este modelo não garantiu a transparência e o controle social que um serviço de interesse público como o acesso internet requer.

– Precisamos voltar a monitorar a rede do ponto de vista de penetração e qualidade do serviço – afirma Carlos Afonso, ex-Ibase, hoje Rits e um dos criadores do modelo adotado.

Em 1995, coube a ele, à frente da equipe do Alternex, criar cartilhas baseadas em informações da RNP ensinando os meandros da rede aos primeiros provedores de acesso e o uso apropriado das ferramentas disponíveis aos internautas iniciantes. Não se trata de regulamentar a rede, apenas de estabelecer critérios mínimos que auxiliem os órgãos competentes, como o Cade, a SeAE, o Procon, o Idec e a Justiça de modo geral a zelar pelos direitos e deveres de todos – usuários, provedores e empresas de telecomunicações.

Que seja feita uma reavaliação

É consenso que o sistema de comunicação internet precisa ser reavaliado. A quem caberia a tarefa? Ao Comitê Gestor? Em parte. O CG até faz seu mea culpa diante da precariedade e confusão reinantes. Nos últimos anos, limitou-se a duas atividades – o registro de domínios e a administração dos números IP – embora os internautas brasileiros tenham cobrado dele e da Anatel uma ação fiscalizadora das práticas comerciais dos provedores e das teles, o que só começou a acontecer há dois anos. Quando o governo Fernando Henrique passou a discutir a inclusão digital, o CG e a Anatel foram forçados a rever seus papéis. A Anatel foi chamada a disciplinar o relacionamento das teles com os provedores. Desde então discute-se no país a adoção de uma tarifa única para a internet, mais barata que a de comunicação de voz. Para criar um novo regulamento a Anatel já realizou duas consultas públicas e uma minuta, tão polêmica que acabou provocando a realização de duas audiências públicas, em janeiro. Em vão. As dúvidas continuam.

O CG, por iniciativa própria, temendo que a Anatel exorbitasse nas boas intenções – como a de criar um plano de metas de qualidade específico para os novos modelos de acesso que acabasse, lá na ponta, definindo níveis de qualificação para provedores em nada relacionados com questões técnicas de telecomunicações – passou a discutir a sua institucionalização. Ganhar personalidade jurídica aumentaria a representatividade social do CG, que hoje tem seus membros escolhidos pelo governo, através dos ministérios da Ciência e Tecnologia e Comunicações, e o livraria de amarras incômodas como a de ter todos os recursos oriundos do serviço de registro administrados pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e sujeitos, portanto, aos critérios de desembolso de uma entidade de fomento à pesquisa. Há hoje R$ 60 milhões no cofre da Fapesp pertencentes ao CG.

– O fato de ter a grana gerida pela Fapesp impede o Comitê, por exemplo, de usar estes recursos em campanhas educativas e de marketing que poderiam estar orientando provedores e usuários neste momento – explica Demi Getschko, representante da Comunidade Educacional e Cultural no CG.

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O que pode mudar na rede e quais os riscos?

O fato é que assistimos a dois movimentos propondo mudanças na gestão da internet. E que trarão a revisão dos atuais modelos de negócio.

– Não canso de repetir que o debate pago versus gratuito não é o mais importante – diz Roque Abdo, presidente da Abranet (Associação Brasileira de Provedores de Internet). – O mais preocupante é o perigo da concentração do serviço na mão de poucos. Defendemos a liberdade de escolha do internauta.

Olhando para o regulamento em gestação na Anatel, percebe-se que há mais críticas que aplausos, vindos dos mais diversos segmentos.

As teles, por exemplo, contestam o fato de o provimento de acesso internet continuar sendo considerado um serviço de valor adicionado, o que as impede de oferecê-lo diretamente aos usuários. Mas, na prática, criaram novas companhias, associadas ou não a provedores já estabelecidos, e passaram a dominar o mercado. Não seria exagero dizer que hoje mais de 80% dos usuários usam provedores de acesso de propriedade total ou parcial das teles. Não fosse o impedimento legal, este número seria 100%.

Interconexão fica para depois

Criticam a entrada de intermediários na cadeia de valor do serviço internet, como a Vésper e a Embratel, que em determinadas regiões estão montando seus negócios apenas em cima de provimento de acesso, recebendo tráfego sem originar, o que obrigará as três grandes a pagarem interconexão a elas. De que forma? Ainda não está claro. É justamente este tipo de interconexão que a Anatel já disse que pretende regulamentar depois. Enquanto o novo regulamento não vem, imagina-se que pelo modelo atual que serviu de base ao surgimento dos provedores gratuitos: 0,05 por minuto, independente do horário, e que nunca saiu do papel de fato, já que a Telemar ainda não atua como provedora em São Paulo, nem a Telefônica no Rio.

A conta é fácil. Suponha que você acesse a web uma hora por dia, sempre depois da meia-noite, todos os dias. No final do mês você deverá pagar para a Telemar R$ 2,10 (30 chamadas a R$ 0,07 por minuto). E a Telemar deverá pagar à Vésper ou Embratel, ou etc, R$ 40,50. Por isto não se espante se ler ou ouvir por aí que a Telemar é a favor do fim da interconexão, mesmo sendo a mentora de seu uso para a criação do IG.

Alegam que o serviço 0700 em localidades onde não existam provedores de acesso (77,3,7% das cidades brasileiras), eliminará algumas tarifas de longa distância sem mudar a natureza do serviço. Os usuários continuarão tendo que usar circuitos de longa distância. E com um tipo de tráfego para o qual a rede de longa distância não foi dimensionada. Há dois problemas aí. Primeiro: cobrar menos por um circuito que custa mais conforme o tempo de uso faz com que a conta não feche para a tele. O segundo é o risco do congestionamento, já que muitos desses entroncamentos não têm capacidade ociosa. Para adotarem o tal código não-geográfico que acaba com o DDD, elas seriam obrigadas a investirem na ampliação da capacidade desses entroncamentos. Resultado: o 0700 pode acabar sendo pouco atraente, do ponto de vista econômico.

Provedores: nada de repasse

Já os provedores pagos pensam diferente. A principal preocupação é garantir o tratamento isonômico por parte das teles nos planos alternativos que terão que criar (ao menos um cada uma, obrigatoriamente). E o melhor dos mundos, para eles, é que estes planos não sejam baseados no repasse de receita das teles para eles. Especialmente as receitas de interconexão.

– Nós não queremos receber das operadoras. O melhor é não receber dinheiro nenhum, porque isto aumenta a tarifa – afirma Roque Abdo, da Abranet. – Nossa remuneração deve vir da quantidade e qualidade de serviços que cada um de nós conseguir oferecer aos clientes. Para nós o melhor modelo é o 0700. O usuário poderá ser de uma rede qualquer e o provedor de outra rede qualquer, com poucos ou nenhum degrau tarifário entre eles. A operadora poderá montar um plano alternativo para toda a sua área de operação, ou parte desta área. No caso da Telemar, por exemplo, poderá haver uma tarifa única para os DDDs 021 e 024. Ou para todos nos estados onde é a principal operadora, o que for mais conveniente para ela. O que queremos assegurar é que qualquer provedor que use a Telemar tenha direito a oferecer tarifa alternativa nestas áreas.

Mas Roque sabe que as operadoras não têm o menor interesse em diminuir os degraus tarifários. Assim como também dificilmente optarão por planos com tarifa flat como a da banda larga ADSL. A tarifa flat induz o usuário a um comportamento ruim para as teles: de ligar o micro e deixá-lo lá conectado direto, congestionando a rede.

– O mais provável é que ofereçam portas 0700 com tarifa DDD normal e portas 0700 com planos alternativos. A Telefônica já oferece uma tarifa única para as 200 cidades cobertas por sua rede IP, sem cobrar pelo DDD. Também tem um plano com determinados números de horas mensais para o qual oferece 15% de desconto na tarifa.

E como ficam os pequenos provedores locais nesta história? Morrerão massacrados pela dobradinha teles/grandes usuários? A atitude do UOL de adotar linhas 1500 e rescindir o contrato com 255 provedores nanicos é um exemplo desta tendência. Será que o novo regulamento proposto pela Anatel conseguirá inibir tais práticas?

Tarifa flat não está garantida

A verdade é que ele não garante o fim do DDD, nem a oferta de tarifas flat pelas teles (e muito menos garante que seja a mais barata). O próprio presidente da agência, Luis Guilherme Schymura, reconhece que a opção pela tarifa flat dependerá da operadora e da viabilidade do negócio. Ao flexibilizar modelos, a Anatel espera apenas que as teles criem opções para vários tipos de usuários.

– As operadoras vão poder identificar o perfil dos seus assinantes e oferecer-lhes um modelo mais adequado – afirma o superintendente de universalização da Agência, Edmundo Matarazzo.

Será que vão? Será que na falta de planos realmente atraentes para os usuários (e que estimulem a competição) a agência terá que ela própria arbitrar um plano alternativo, como prevê o regulamento? Então por que não fazê-lo desde já?

– Uma saída para estes provedores nanicos é a parceria com empresas que ofereçam vantagens sobre o acesso discado com tarifa flat – diz Julio Cesar Piña, da Taho.

Expert em tecnologia wireless, a Taho contatou vários provedores abandonados pelo UOL para oferecer parceria na venda de acesso de banda larga sem fio. O plano da empresa é atuar como operadora SCM (Serviço de Comunicação Multimídia) em áreas onde as teles não queiram realizar novos investimentos em serviços de ponta.

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Afinal, o 0700 é bom ou não para o usuário?

O maior benefício do modelo 0700 para nós, usuários, é que poderemos ter uma conta de telefone mais previsível, sabendo exatamente quanto e o que estaremos pagando pelas conexões internet, porque desta maneira o tráfego poderá ser facilmente identificado e tarifado pelas operadoras. Todo o resto dependerá da criatividade das teles e dos provedores na criação de novos modelos de acesso. Esses novos modelos são o tema do IV Seminário Internet, que a a Abranet promove em São Paulo no dia 13 de março.

Madrugadas, a melhor opção

Na verdade, Anatel, operadoras de telefonia e provedores afirmam que o menor valor para o acesso internet continuará a ser mesmo o do horário reduzido – madrugadas e fins de semana, quando cada conexão é tarifada em apenas um pulso. A Anatel garante que este modelo não vai acabar. Mas isto não está claro no regulamento, e é um dos pontos que afligem o Comitê Gestor.

– O que a Anatel está propondo é a separação do tráfego internet do tráfego de voz, já que para o STFC (Serviço Telefônico Fixo Comutado) eles são iguais, e está usando para isto o artifício da numeração, criando o 0700 – explica Demi Getschko. – Meu medo é que depois eles resolvam adotar só este sistema e acabe o modelo do pulso único. Ao adotarmos o 0700 estaremos abrindo uma brecha.

Demi também acredita que os novos modelos só serão de fato positivos se realmente independerem das distâncias. Ele é um dos que defendem a manutenção do atual modelo de internet gratuita, baseada na interconexão e na remuneração dos provedores de acesso pelas teles.

– Só cuidaria para que fosse de forma mais transparente e isonômica. Mas não acabaria com ele. A Embratel, a propósito, estava querendo propor algo assim, a nível nacional. Não sei se voltou atrás. É um modelo racional, que funciona bem em países como a Inglaterra.

Segundo Demi, os critérios para a isonomia é que deveriam ser usados para afastar o risco de concentração do acesso na mão de grande provedores.

Por fim, do ponto de vista dos usuários, o regulamento proposto pela Anatel define pouca coisa. Não chega a tocar nos serviços ADSL, embora eles usem o STFC para operar. Nem no relacionamento de novas operadoras SCM com as operadoras STFC. Por estarem entrando em uma área sensível para o usuário e as teles – a última milha – as SCM aparecem em cena como uma alternativa viável e atraente para o usuário, ofertando serviços de banda larga via satélite, wireless, cabo e até rede elétrica (em estados como Paraná, Minas Gerais e São Paulo). A Anatel diz que este ponto será objeto de novos regulamentos.

A @busar, associação que reúne os usuários de serviço de banda larga, gostaria de ver na regulamentação do acesso internet um artigo tratando da conexão ADSL que desse aos usuários o direito de escolha do provedor que bem entenderem, já que, pela Lei Geral de Telecomunicações, não podem abrir mão deles para serem autenticados na rede.

Em resumo: no fim das contas, para muitos, se for aprovado do do jeito que está, o regulamento da Anatel vai garantir muito trabalho para advogados e juristas. Não faltarão processos baseados em lucros injustificados, vendas casadas, prática de monopólio e assim por diante.

900 sugestões de mudança

Mas muita água ainda vai rolar embaixo dessa ponte. Mais de novecentas sugestões de mudança foram encaminhadas para a Anatel. A agência precisa ler todas antes de reformular – ou não – o regulamento e submetê-lo ao Ministro da Comunicações, Miro Teixeira. Depois de receber membros do Comitê Nacional de Provedores Gratuitos, o ministro decidiu dar o seu parecer antes da publicação definitiva do documento. A meta era que isto acontecesse no fim de março. Agora ninguém está arriscando uma data.”

“Para Gil, troca de música é ?movimento natural?”, copyright Folha de S. Paulo, 10/03/03

“?Antes mundo era pequeno, porque Terra era grande/ hoje mundo é muito grande, porque Terra é pequena?. Uma década depois de compor ?Parabolicamará?, o músico baiano e ministro da Cultura, Gilberto Gil, abriu o festival Mídia Tática Brasil, na sexta, no Sesc São Paulo, completando: ?A antena não é apenas parabólica, ela tem a ressonância de uma cabaça de berimbau, uma cabaça parabólica que poderia simbolizar a utopia digital brasileira. Seria mera utopia??.

Reunindo, além do ministro, os pensadores do ciberespaço John Perry Barlow, do Electronic Frontier Foundation, e Richard Barbrook, professor da cadeira de hipermídia da Universidade de Westminster, em Londres, o debate sobre inclusão digital e comunidades em rede gerou controvérsias:

?Acho que alguém que não tem o que comer não tem como pensar em sentar à frente de um computador?, disse Barbrook, considerado o criador do termo cibercomunismo ??É uma homenagem aos EUA. Parabéns, América, vocês inventaram a única forma viável de comunismo no mundo: a internet?, brincou.

Do outro lado, o autor da Declaração da Independência do Ciberespaço, Barlow, disse achar que uma coisa não substitui a outra: ?O investimento em infra-estrutura, na Costa Rica, por exemplo, permitiu que o país distribuísse melhor a sua renda?.

Gil disse que só estava ali ?para ouvir, perguntar e aprender?, mas não escapou de uma saia justa quando o tema resvalou na questão de trocas de arquivos de música na rede. ?Como ministro da Cultura tenho que defender a lei. Mas o movimento natural parece estar do lado do avanço da tecnologia?, destacou.

O festival Mídia Tática prossegue a partir desta quarta-feira reunindo artistas, produtores e teóricos da internet do Brasil e do exterior. Mais informações em www.baderna.org/mtb.”