DISCURSO OFICIAL
Chico Bruno (*)
A tese de Marshall MacLuhan foi demonstrada, na prática, no último dia 11 de um setembro que será lembrado pelo mundo como um dos mais sangrentos da aldeia global em que vivemos.
No Brasil, Jader, Maluf e sucessão presidencial foram empurrados para um plano inferior, tal a magnitude dos acontecimentos de Nova York e Washington. Os trágicos acontecimentos foram mostrados ao vivo e em cores em todas as emissoras do país. As redes brasileiras de TV se conectaram à CNN e acionaram suas sucursais no mundo. Milhões de brasileiros viram, ao vivo, o choque do avião com a torre sul do World Trade Center; viram, momentos depois, desabarem as duas edificações gigantes e o povo desesperado a fugir da imensa onda de poeira e fumaça.
As redes de TV derrubaram a programação normal e passaram a transmitir direto dos Estados Unidos; alguns jornais impressos produziram edições extras poucas horas depois do atentado; a revista Época também o fez, a internet criou páginas especiais, e na quarta feira, dia seguinte ao lamentável episódio, os quatro grandes jornais brasileiros publicaram cadernos especiais com farto material fotográfico. O volume de notícias foi satisfatório para matar a perplexidade e curiosidade dos telespectadores e leitores ? a maioria ainda sem ter noção verdadeira do que havia ocorrido. Afinal, o telespectador e leitor brasileiro é pouco afeito à leitura do noticiário internacional da imprensa, segundo avaliações dos institutos de pesquisa.
Todos os colunistas políticos deixaram de lado o dia-a-dia da política para comentar os acontecimentos norte-americanos. Passado o impacto fatual, começaram as ilações. Um seleto grupo de analistas e consultores, doutores das melhores universidades do eixo Rio-São Paulo, foram convidados a discorrer sobre os acontecimentos nas emissoras de rádio e televisão, principalmente nas que têm o jornalismo como produto principal. Um após outro, deitaram falação. Foram análises, conjunturas e perspectivas de como seria o mundo daqui por diante, quem seriam os possíveis autores do atentado e, pasmem, até o "médium" que incorpora o Cacique Cobra Coral apareceu na tela dando explicações sobre o atentado.
Infelizmente faltou e continuam faltando explicações básicas de detalhes importantes, tanto pela imprensa tupiniquim como pela norte-americana. Afinal, como os autores do atentado passaram pela revista portando facas, punhais, canivetes e estiletes? Por que não foram acionados os esquemas de emergência, tão logo as aeronaves deixaram de se comunicar com as torres de comando dos aeroportos emissores e destinatários dos vôos? A imprensa, tanto aqui como lá, está preferindo seguir as informações oficiais. Haja visto que até domingo [quando escrevo] não se tinha o número de vítimas fatais ou de pessoas internadas nos hospitais norte-americanos.
Prefeito muçulmano
As redes CNN, ABC, NBC, CBS e a imprensa escrita se limitam a divulgar conferências de imprensa de autoridades norte-americanas e a aceitar a censura imposta pelo governo Bush ? ou fazem autocensura. O pior é que a imprensa dos Estados Unidos está incentivando a vingança, a retaliação, sem ao menos saber contra quem. Quem acompanhou a cobertura da guerra do Vietnã lembra que essa não era a atitude da imprensa naquela época. Ao contrário, a mídia de então se esforçou, correndo todos os riscos inerentes a um conflito de tamanha proporção, para mostrar a realidade e a verdade da guerra ianque contra os vietcongs.
O governo norte-americano divulga para todo o mundo que o árabe Osama bin Laden é o autor do atentado. Esqueceram, porém, um elementar princípio da imprensa estadunidense: sem provas o que existem são suspeitos.
O jornalismo investigativo foi relegado a um plano secundário. Vale a informação oficial e apenas ela. Sem ter muito o que dizer, a cobertura tornou-se repetitiva. As imagens do atentado foram e estão sendo levadas ao ar à exaustão. As barreiras das forças militares impedem que qualquer jornalista se aproxime do palco da tragédia, que entre nos hospitais, que mostre os suspeitos presos ? enfim, que respondam ao anseio básico da informação. Continuamos sem saber como os autores dos atentados conseguiram burlar a fiscalização dos aeroportos norte-americanos, ao que parece bem mais frágeis que os brasileiros.
Marshall MacLuhan estava certo: a aldeia global é uma realidade. Infelizmente uma realidade que demonstra que a imprensa não é melhor nem em Nova York, nem na cidade brasileira do Chuí (RS), na divisa com o Uruguai, que entrou no noticiário por conta de ter um prefeito muçulmano.
É uma pena. Esperávamos muito mais dessa cobertura internacional.
(*) Jornalista