“Crítica Interna”, copyright Folha Online (www.folha.com.br/ombudsman)
“23/12/2003Seguindo as diferentes tradições de prioridades da mídia entre Rio e SP, a situação do desemprego –primeira queda significativa do ano– é manchete nos dois principais diários paulistas. Já nos do Rio, o assunto é segurança: a sanção ao Estatuto do Desarmamento (?Globo?) e o ?alívio? no regime de prisão de Fernandinho Beira-Mar (?JB?). Só a Folha, a meu ver corretamente, destaca na capa a mudança da Constituição chinesa prevendo respeito e proteção à propriedade privada.
Saneamento
O texto ?Petista distribui cestas de Natal em visita a programas sociais de Marta? (Brasil, pág. A4) menciona o montante de R$ 2,9 bilhões acertado com o FMI para uso em saneamento básico no ano que vem e o define como sendo ?a quantia que excedeu a meta de superávit primário de 4,25% do PIB?. É isso mesmo? Salvo engano, essa foi, de fato, a primeira ?definição? para essa ?verba?, mas depois, na divulgação do acordo com o Fundo, a explicação passou a ser outra: os tais R$ 2,9 bi poderão ser descontados do superávit primário a ser alcançado em 2004 (R$ 41,8 bi, segundo o Orçamento básico aprovado ontem), independentemente do resultado de 2003. A verificar.
Para especialistas
1) O abre da pág. A5 (?Texto-base do Orçamento é aprovado por voto simbólico?) utiliza termos técnicos como contingenciamento e ?liquidado? sem dar ao leitor médio nenhuma explicação sobre o seu significado;
2) O mesmo acontece em ?Membros do TCE são acusados de corrupção? (abre da pág. A10, Brasil), ao falar em laranjas (no segundo parágrafo), sem aspas nem explicação;
3) A retranca ?Paquistão investiga transferência nuclear? (Mundo, pág. A11) atribui informações à Reuters sem dizer o que esse nome é/significa;
4) O sétimo parágrafo do abre de Mundo (?China dará proteção à propriedade privada?) menciona o nome Hu Jintao, mas não sabemos, pelo texto, de quem se trata;
5) O abre de Dinheiro (sobre desemprego) cita alguém da LCA sem dizer o que é essa sigla. Trata-se de uma consultoria, não?
Acabamento
1) Pareceu-me de redação frágil a legenda da foto ao pé da pág. A11 (na qual cinco pessoas erguem os braços de mãos dadas): ?O britânico e os 4 israelenses (da esq. para dir.) festejam no norte da Colômbia a libertação deles?. Libertação de quem?
2) Faltou o crédito da ilustração do artigo de ?Opinião econômica? (Dinheiro, pág. B2).
Escala Richter
A referência a essa escala sempre aparece nas reportagens sobre terremotos ou tremores de terra, como no abre da pág. A13 (?Tremor de 6,5 graus mata 2 na Califórnia?). Mas o que é essa escala? O que significam 6,5 graus em relação aos casos mais graves registrados até o momento no mundo? É muito? É pouco? O jornal, aqui, falha ao não trazer para o leitor material de apoio nesse aspecto. Assim, o dado (6,5 graus) fica abstrato.
Obviedade
Depois de informar que a taxa de desemprego teve a primeira queda significativa do ano, passando de 12,9% em outubro para 12,2% no mês passado, o lide de ?Vaga no setor informal reduz desemprego? (capa de Dinheiro) acrescenta: ?É uma diferença, de um mês para o outro, de 0,7 ponto percentual?. Precisava?
Saúde
Senti falta de repercussão com especialistas, empresas e usuários das medidas do Ministério da Saúde e da ANS sobre migração de planos de saúde (abre da pág. B10, Dinheiro). O reajuste de 15 é satisfatório? Quais as consequências? O que os especialistas indicam como mais adequado para quem tem planos anteriores a 1999?
Beira-Mar
1) O ?Quem é Beira-Mar?, dentro da arte da capa de Cotidiano (sobre o abrandamento do seu regime de prisão) não informa a idade do traficante, onde ele nasceu, se tem filhos etc. São dados, creio, relevantes para responder àquela pergunta;
2) O texto principal afirma que ele é carioca. Parece-me informação errada. Segundo pesquisa do Banco de Dados, Fernandinho Beira-Mar teria nascido em Duque de Caxias (RJ), não na capital fluminense. A verificar.
?Race Club?
Interessante e curiosa a reportagem da contracapa de Esporte: ?Natação: Atleta peita cartolas e funda o ‘Race Club’? (pág. D3). Apenas duas observações:
1) Faltaram, na arte, as idades da maioria dos nadadores que integram a equipe de ?veteranos? formada pelo campeão Gary Hall Jr, 28, inclusive a do brasileiro Fernando Scherer (que não está no ?clube? mas acha a idéia ?interessante?);
2) Caberia fazer a tradução do nome adotado (o que quer dizer, em português, ?Race Club?).
Aviso
Devido ao plantão de Natal e, em seguida, às férias do ombudsman, a crítica diária volta a circular no dia 3 de fevereiro de 2004. Até lá.
22/12/2003
Agora já não há dúvida de que o ministro Antonio Palocci, da Fazenda, é mesmo o ?Homem do Ano?: nas edições de ontem (domingo), emplacou enormes entrevistas nos quatro principais jornais do país. Essa unanimidade incomoda (ver nota específica). Ainda nas edições do domingo, chama a atenção o caderno especial com 16 páginas do ?Globo? de um ano de governo Lula. Pode não ser o exemplo mais puro de um jornalismo crítico, mas está longe de ser uma badalação oficiosa (o que é bom sinal) e constitui a demonstração de que o jornal do Rio preservou ?bala na agulha? no final do ano.
Edição de domingo, 21 de dezembro
Palocci, a estrela
Faltam-me conhecimentos de bastidor para saber como foram agendadas as entrevistas dos principais jornais com o ministro da Fazenda. O fato é que todos os principais jornais publicaram ontem longas entrevistas em pingue-pongue com Antonio Palocci. Coincidência? Ou será fruto de algum tipo de política de comunicação do novo governo? Não caberia uma pequena reportagem esclarecendo o caso? No ar, fica uma sensação –insisto, apenas uma sensação– de que o Ministério da Fazenda obteve um belo golpe publicitário no fim de semana.
Um ano
A Folha espalhou em diferentes páginas do jornal, em Brasil e em Dinheiro, material sobre um ano do governo Lula, inclusive com o uso desse mesmo chapéu. Faltou, porém, na Primeira Página, uma amarração de todo esse material, que, assim, acaba passando disperso aos olhos do leitor. Essa amarração foi feita, corretamente, na capa da edição de sábado.
Mossoró
Não vi na Folha notícia sobre a viagem de Lula a Mossoró, no sábado, ocasião em que o presidente, segundo relato e imagem publicados no concorrente local, voltou a vestir o boné do MST.
Didatismo
A reportagem ?Mudança na Previdência militar é adiada? (Brasil, pág. A4) não deixa claro de que pasta o ministro José Viegas, citado no sétimo parágrafo do texto, é o titular.
Números
A reportagem ?Governo de Pernambuco mantém 21 farmácias populares? (Cotidiano, pág. C4 (edição SP) cita o coordenador do projeto de farmácias populares, segundo qual ?em alguns medicamentos, conseguimos preços até 1.800% inferiores aos praticados no mercado?. Tudo bem que a frase está entre aspas, mas o jornal tinha a obrigação de captar que há algo impossível aí: nada pode ser mais do que 100% menor ou inferior a alguma coisa, certo? Será que o raciocínio não está invertido e o preço do mercado é que é 1.800% superior do praticado pela programa?
E os pés?
Ficou no mínimo esquisita a edição da foto dos sete novos atletas do Corinthians perfilados na capa de Esporte (pág. D1). São jogadores de futebol, e, no entanto, os seus pés foram todos cortados…
Edição de segunda-feira, 22 de dezembro
Camex
Um pequeno anúncio estrategicamente localizado na parte superior da página A5 (Brasil) registra protesto de fabricantes de calçados contra uma decisão tomada pela Camex na última quarta-feira, que, segundo o setor, redundará em que os calçados do presidente Lula e de da primeira-dama, Marisa, não mais serão fabricados em Franca (SP), mas, ?certamente?, na Itália ou na China. Que decisão é essa? Por que a grita do setor calçadista?
Posso estar enganado, mas não me recordo de ter lido algo sobre isso no jornal desde a edição de quinta-feira. A verificar.
Para especialistas
1) O texto ?Gomes da Silva será interrogado hoje? (Brasil, pág. A6) afirma, no segundo parágrafo, que o empresário é acusado de homicídio triplamente qualificado. O que vem a ser isso? Faltou uma explicação;
2) O material sobre a Argentina, na capa de Mundo (pág. A9), menciona em quatro oportunidades as organizações piqueteiras ou o movimento piqueteiro daquele país. O que vem a ser isso? Não dá para o jornal considerar que seu leitor já sabe do que se trata.
Edição
A declaração do presidente George W. Bush publicada no diário israelense ?Yedioth Ahronot?, segundo a qual ele quer se livrar de Iasser Arafat merecia no mínimo um título à parte, em vez de apenas constar no pé da reportagem ?Israel pode remover ‘milhares de colonos’? (Mundo, pág. A10). Houve aí, a meu ver, falha na avaliação da importância da notícia.
Imagem
O ?Estado? ganha da Folha ao reproduzir o fac-símile da capa da revista ?Time? com os soldados norte-americanos como ?personalidade do ano?. A Folha traz a informação de que isso está a ocorrer (retranca na pág. A10), mas não publica a imagem.
Tom oficioso
Em dois momentos –talvez levado pela compreensível escassez de pautas ?quentes? nessa época do ano–, o jornal publica hoje um material com evidentes tonalidades oficiosas, quase de ?release? governamental. O primeiro está na capa de Dinheiro e na pág. B3 (não B2, como diz a remissão na capa do caderno), sobre o ?aperto? que a Receita promete fazer contra sonegadores. O título da capa, dando o tom, assume até mesmo como fato algo que ninguém sabe se ocorrerá: ?Receita vai apertar o cerco a sonegadores?. O texto da reportagem, embora útil e com notícia interessante, segue o mesmo tom.
O segundo momento está em retranca na pág. C3 (Cotidiano), sobre a questão do analfabetismo. Como no primeiro caso, seu título também é revelador: ?Governo distribuirá livros para recém-alfabetizado?. Quanto mais o jornal evitar o verbo ?vai?, principalmente em títulos, melhor. Ainda mais quando se trata de ações (ou promessas) governamentais.
Onde?
A Panorâmica ?Homem é preso acusado de molestar garoto? (Cotidiano, pág. C4) não informa a cidade onde o fato ocorreu.”