Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Cuidados com o marketing da isenção

IMPARCIALIDADE & BADALAÇÃO

Alberto Dines

Badalar virtudes acaba sendo vicioso, não existem santos gabolas. Fazer as coisas corretamente é obrigação, suspeito é vangloriar-se delas. Na atividade jornalística, recato é atributo essencial não apenas por razões morais mas igualmente táticas.

Como jornais saem todos os dias (e revistas noticiosas, todas as semanas) e como nas respectivas edições tomam-se algumas centenas ou milhares de decisões, eventuais deslizes, involuntários ou insignificantes, tornam-se gritantes e naturalmente magnificados.

Ao adotar como marca o adjetivo "independente", o semanário IstoÉ convocou seus leitores para um rigoroso escrutínio de todas as suas ações e opções. Nas circunstâncias atuais de temperatura e pressão, seria menos arriscado que a obrigatória independência de qualquer veículo fosse constatada com naturalidade em vez de ser apregoada e sujeita às contestações.

A forma burocrática e agressiva com que o semanário atendeu a uma sentença judicial garantindo o direito de resposta (edição de 2/10/02, págs. 30-31) contrasta vivamente com a forma correta e elegante com que a Folha de S.Paulo curvou-se a outra sentença, com chamada na primeira página e edição da matéria na página interna sem aparência de mandato judicial (domingo, 29/9). Independência também pressupõe um mínimo de respeito às instituições.

Mas é na Folha onde aparecem os exemplos mais evidentes do pendor vestalino. Como já foi observado e sem nenhum favor, o jornalão é o mais bem equipado em matéria de controles deontológicos. Mas como exibe este aparato regularmente e em grande estilo, o que deveria incorporar-se à sua imagem institucional acaba desgastado pela reiteração forçada.

Exemplo disso foi a publicação na sexta-feira (27/9), com grande destaque na primeira e duas páginas inteiras no caderno "Eleições", das avaliações numerológicas sobre sua isenção e equilíbrio editoriais, em seguida a uma inédita polêmica travada publicamente ao longo de três semanas a respeito da própria neutralidade na cobertura eleitoral [veja também, nesta rubrica, artigo "Muito barulho para informação pouca", com remissão abaixo].

Se o debate público entre o Ouvidor e um editor foi louvado como prova de abertura e despojamento, a apelação estatística e pesquisóide que a ele sucedeu retirou-lhe o caráter espontâneo. Pareceu missa encomendada sobretudo porque parte da numerologia laudatória foi produzida por uma empresa de pesquisa pertencente ao mesmo grupo.

Menos grave, quase pitoresca (pela inexpressividade do tema que desperdiçou uma página inteira), e, por isso mesmo, preocupante, aconteceu no Globo na edição de domingo (29/9, pág. 19) ao encerrar-se uma semana de afirmações da direção do grupo a respeito da sua imparcialidade na cobertura eleitoral. Numa eleição simulada, o jornal afirmou que os "imortais" da Academia Brasileira de Letras têm uma opção majoritária para presidente da República.

Acontece que manifestaram-se apenas 21 acadêmicos (16 a favor de um candidato e 6 a favor de outros). Deixaram de manifestar-se, não votam, estão indecisos ou não puderam ser ouvidos 17 ilustres representantes do cenáculo literário brasileiro. Mais de metade do dourado eleitorado. O que torna os resultados desta "eleição" tão suspeitos quanto a escolha de alguns de seus membros.

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