Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Datelines

CONFLITO NO TIMES ? I

Leitores comuns não estão muito preocupados com quem assina uma reportagem e de onde fala o autor. É apenas um detalhe do texto. Mas o detalhe é muito importante para quem está do lado de cá da notícia. Muitos repórteres chegaram a "dar um pulinho" breve em determinada cidade, após fazer o grosso do trabalho por telefone e usar o serviço de free-lancers fixos e pesquisadores para as mais variadas finalidades. Na dateline, a linha em que deveriam aparecer autor e local de reportagem, aparecem apenas o nome do repórter contratado pelo jornal e o da cidade em que a reportagem deveria ter sido feita, pelo menos em sua maior parte. Free-lancers que poderiam ter feito 90% do trabalho não recebem crédito.

Essa questão dificilmente chega à TV, um meio mais colaborativo em que produtores e pesquisadores muitas vezes conduzem entrevistas e acumulam imagens antes do "correspondente-estrela" aparecer para filmar. Kurtz lembra o episódio que manchou a carreira de Peter Arnett, em 1998: o então repórter da CNN narrou um documentário que acusava as forças armadas americanas de usarem gás nervoso na Guerra do Vietnã. Quando a emissora teve de se retratar da denúncia, Arnett afirmou "não ter contribuído com uma vírgula".

Isso, porém, é prática comum na TV. O caso de Rick Bragg é diferente, embora o ex-repórter insista em que nada fez de errado. O erro de Bragg foi, na verdade, duplo. Em primeiro lugar, o crédito deveria ser dividido com o estagiário. Em segundo lugar, a dateline dizia "Apalachicola, Flórida", sendo que Bragg, na verdade, apenas visitou rapidamente a cidade.

O articulista Jack Shafer, da revista online Slate <> [27/5], tirou algumas horas para avaliar o comportamento de Bragg segundo as normas do próprio Times para datelines. Via e-mail, a porta-voz Catherine Mathis falou com o jornalista e tentou esclarecer a política do jornal. Os e-mails foram a ferramenta, as conclusões são de Shafer.

"Um dateline garante que o repórter que assina a matéria esteve no local especificado e proveu a maior parte das informações", disse Catherine. "Especialmente em reportagens preocupadas em reconstruir cenários e sons, os leitores logicamente inferem que o correspondente que assina ouviu as vozes e esteve nos lugares sobre os quais discorre".

Sobre o caso Bragg, Catherine disse que "ele estava numa cidade e pediu que um free-lancer reunisse informações sobre o impacto do desenvolvimento de ostras em outra cidade, Apalachicola". A porta-voz reitera que Bragg visitou a cidade brevemente, mas reconhece que, "dada a quantidade de reportagem que o free-lancer produziu, ele também deveria receber crédito pelo artigo".

Para Shafer, Bragg parece ser culpado de três erros: contratar um ajudante não-remunerado, não-identificado na reportagem e não-autorizado. O articulista afirma não haver dúvidas de que a metodologia usada por Bragg na reportagem de Apalachicola viola a política do Times. "Ao montar sua autodefesa com base em que ?todo mudo faz isso?, Bragg esqueceu de citar outros casos do Times remotamente comparáveis ao de Apalachicola… Apesar de outros free-lancers fixos, estagiários e funcionários do Times lembrarem casos em que as reportagens do jornal não receberam o crédito devido, nenhum dos exemplos possíveis chega a ser uma violação tão dramática quando a de Bragg", disse Shafer.

O jornalista da Slate.com também achou fraudulenta a forma como Bragg insiste em utilizar o termo "aqui" para inferir uma intimidade com Apalachicola que não houve. Não com ele, que esteve por pouquíssimo tempo na cidade, mas com Yoder, o real autor do artigo.

Obviamente, explica Shafer, "a profissão de jornalista deveria codificar exatamente quanto trabalho um free-lancer deve fazer para receber os créditos do artigo". Deveria também precisar "quantos minutos um repórter precisa estar em determinada cidade para citá-la na dateline."

 

E já que o assunto das datelines está em pauta, a Bloomberg News aproveitou para anunciar a mudança de sua política de indicação do local de reportagem, abandonando a tradicional prática de exibir a procedência da matéria no início do texto.

Segundo Kenneth Li [Reuters, 27/5/03], o gesto é conseqüência de críticas que chegaram à Bloomberg devido a artigos de março e abril, que apresentaram discrepâncias quanto à procedência das matérias sobre a guerra no Iraque.

Os cabeçalhos, alguns indicando Bagdá, refletiam o local sobre o qual falava o texto, e não a localização do autor da nota. A nova política elimina a localização, tanto do repórter quanto do assunto em foco na reportagem, do cabeçalho. Por sua vez, o local em pauta deve aparecer nos quatro primeiros parágrafos e o paradeiro do repórter deve ser dado ao final do texto.

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