GUERRA NA MÍDIA
"Imprensa quer evitar restrições de cobertura", copyright O Estado de S. Paulo / Los Angeles Times, 1/10/01
"Como as tropas americanas, importantes empresas jornalísticas estão se preparando para cobrir uma guerra sem saber para onde irão, quantos repórteres escalar e quais os tipos de batalha que verão, se elas ocorrerem.
?O que quer que venha a acontecer, será um conflito muito difícil de cobrir de uma forma que corresponda às nossas expectativas e às expectativas de nossos leitores?, disse Phil Bennett, da editoria internacional do Washington Post.
Da mesma forma que a guerra apresenta obstáculos enormes para as forças militares – um obscuro inimigo escondido em lugares remotos, com aliados igualmente obscuros espalhados por mais de 50 países -, ela apresenta sérios obstáculos também para a mídia. A tecnologia moderna – modems, telefones celulares, laptops, satélites e fotografia digital – possibilitará aos enviados transmitir reportagens e fotografias com mais facilidade do que em guerras passadas, mas não será fácil o acesso às áreas de conflito.
Alguns membros da mídia já estão preocupados com a possibilidade de que a Casa Branca torne o acesso ainda mais difícil. ?Sempre espero pelo melhor, mas minha expectativa é que esta administração será tão restritiva quanto à administração Bush anterior, limitando acesso a áreas circunvizinhas a campos de batalha e tentando controlar o fluxo de informações provenientes do Pentágono?, disse Howell Raines, editor executivo do New York Times. ?Foi esse o padrão quando (o vice-presidente) Dick Cheney era secretário de Defesa durante a Guerra do Golfo, em 1991.?
Leonard Downie, editor-executivo do Washington Post, manifestou preocupação semelhante.
Durante a Guerra do Vietnã, deu-se aos jornalistas ?ampla latitude em áreas de combate?. Alguns líderes militares disseram mais tarde que essas facilidades (para reportagens e fotos) ajudaram a fomentar um sentimento antibélico nos Estados Unidos. Durante e depois da Guerra do Golfo, muitos integrantes da mídia reclamaram das restrições a seus movimentos.
O coronel reformado David Hackworth que cobriu a Guerra do Golfo para a Newsweek disse que as restrições chegaram a constituir uma forma de ?controle do pensamento?, levando ao público uma descrição ?distorcida? da guerra.
Numa guerra contra terroristas em terras isoladas e remotas, onde será mais difícil de se atingir e definir o sucesso militar do que na Guerra do Golfo, os jornalistas estão preocupados, achando que o Pentágono possa adotar uma posição ainda mais relutante.
Numa entrevista coletiva, Rumsfeld disse que ele e seus assessores de imprensa estão examinando como as Forças Armadas lidaram com a imprensa em conflitos anteriores. ?Preferimos fazer o que é correto e esperamos fazê-lo.
Teremos de encontrar formas que sejam adequadas para nós e adequadas para vocês.? Para tanto, Clark Hoyt, editor da Knight Ridder, entrou em contato com várias empresas editoriais a fim de propor uma reunião para discutir a melhor forma de obter garantia do Pentágono de que a mídia não será impedida de fazer seu trabalho.
Hoyt integrou o comitê diretivo de um grupo de jornalistas que se reuniu com funcionários do Pentágono e outras pessoas durante oito meses em 1991 e 1992 para tentar formular um conjunto de princípios para a cobertura jornalística de combate. ?Chegamos finalmente a um acordo com o Pentágono em relação a nove princípios, embora não antes de a Guerra do Golfo ter terminado?, disse Hoyt. ?O consenso e a adoção dos princípios se deram em março de 1992 e passaram a fazer parte da doutrina militar. Esperamos que eles continuem em vigor hoje.?
O primeiro desses princípios diz o seguinte: ?A reportagem aberta e independente será o principal meio de cobertura das operações militares dos EUA.? Outro desses princípios diz: ?Será dado aos jornalistas acesso a todas as principais unidades militares?, embora ressalve que ?restrições relativas a Operações Especiais poderão limitar o acesso, em alguns casos? – um ponto que o presidente Bush deixou claro quando disse que o esforço de guerra incluiria ?operações secretas, que continuarão secretas mesmo quando bem-sucedidas?.
Vários dos princípios elaborados pela mídia e pelo Pentágono tratam da cobertura conjunta, processo pelo qual se permite a um número limitadíssimo de jornalistas cobrir uma operação ou ir a uma área específica na companhia e sob a supervisão de militares. Os membros desse grupo devem compartilhar suas reportagens e fotografias e imagens de vídeo com outros jornalistas do corpo de imprensa.
Os jornalistas reconhecem que por vezes a segurança e a logística fazem com que esses grupos sejam a única forma razoável de se fazer a cobertura. Mas eles reclamam que as Forças Armadas muitas vezes usam esses grupos para isolar os jornalistas da ação, retardá-los e controlar o que vêem.
Depois da Guerra do Golfo, Malcolm Browne, repórter do New York Times que ganhou o Prêmio Pulitzer por sua cobertura da Guerra do Vietnã, disse que o sistema de cobertura conjunta no Golfo transformou os 1.400 repórteres que lá estavam ?basicamente em empregados não remunerados do Departamento de Defesa?. Tanto é assim que um dos princípios aprovados em 1992 pelos jornalistas e o Pentágono diz que ?os grupos não devem servir de padrão de cobertura das operações militares dos EUA?.
Qualquer que seja a forma com que eles cubram a guerra, ela tenderá a ser dispendiosa para a mídia, além de vir num momento em que as empresas já estão enfrentando queda de lucro. Os gastos com anúncios de jornal diminuíram 4,3% no primeiro trimestre deste ano e 8,4% no segundo trimestre.
Em resposta a essa situação, muitos jornais anunciaram expressivos cortes de pessoal e de espaço.
Com a economia ainda mais enfraquecida pelos ataques terroristas, as receitas de publicidade devem continuar caindo."
"Fora de foco", copyright no. (www.no.com.br), 1/10/01
"Os brasileiros se solidarizaram com as vítimas dos atentados aos EUA, mas não com o ?caubói? e ?analfabeto? George W. Bush. Chegaram mesmo a demonstrar alegria pelo ataque. Este é o tema de um artigo publicado na revista semanal mais vendida da Alemanha, a Der Spiegel, retratando um antiamericanismo extremo dos latino-americanos – mas baseado apenas nos comentários de oito amigos brasileiros, trechos de artigos da imprensa carioca, e ?sites chilenos?. Escrito por Matthias Matussek, correspondente no Rio de Janeiro, a reportagem criou polêmica depois de ser alvo de uma matéria no ?Globo? (?Der Spiegel? diz que brasileiros comemoraram?). O jornal lembrou inclusive que Matussek disse num debate na embaixada do Brasil em Berlim que ?sem um pouco de clichê não dá para escrever sobre o Brasil?.
Em entrevista a no., por telefone e com a participação providencial do seu professor de português, Matussek – que preferiria ter falado em inglês – se mostrou indignado com a ?distorção de seu texto? pela jornalista do ?Globo? Graça Magalhães-Ruether, que, segundo ele, o denunciou ao Itamaraty.
?Evidentemente que não distorci nada. Nem denunciei ninguém?, reagiu Graça, ao saber das acusações. ?A ?Der Spiegel? é muito crítica, mas não gosta de ser criticada mesmo quando erra?, acrescentou.
No dia seguinte à entrevista, numa troca de e-mails com a repórter de no., Matussek disse que o ministro-conselheiro da embaixada brasileira em Berlim, Luís Fernando Serra, enviou uma carta à Der Spiegel, afirmando que seu artigo era um ?ataque contra a honra do Brasil?. ?E ele ameaça que isso vai ter conseqüências?, escreveu Matussek, acrescentando que o ministro, ?que não fala nenhum alemão?, tentara perturbar sua palestra em Berlim.
Luís Fernando Serra repassou a no. a íntegra da carta. ?O resto, quer me parecer, é fruto da imaginação do jornalista Matussek?, disse referindo-se às supostas ameaças. Ele negou qualquer problema na referida palestra. ?Na parte reservada aos debates, fiz uma pergunta sobre algumas contradições entre seus artigos na Spiegel e os termos de sua conferência, assinalando que gostava muito mais do Matussek autor da palestra?, esclareceu.
?Gostaria de ressaltar que a Embaixada tem evitado polemizar com esse jornalista, cujos comentários e ilações, sem exceção, transmitem ao leitor a impressão de que nada funciona a contento em nosso país?, afirmou o diplomata. E lembrou que num artigo recente, sobre os avanços tecnológicos no Brasil, Matussek afirmou textualmente que ?parece não existir país mais despreparado e despreocupado com o futuro do que o Brasil?.
Aos 47 anos, 25 de jornalismo e há dois no Brasil, Matussek reconheceu na entrevista que ?sem clichês, sem generalizações você não pode trabalhar?, e que sua dificuldade com o idioma português às vezes complica seu trabalho. ?Mas você acha que meu Brasil é tão ruim assim??, perguntou depois de vários tropeços no idioma e intervenções do seu professor e amigo.
Qual o conhecimento dos alemães sobre o Brasil?
Matussek – (Risos) É difícil. Acho que o que eles conhecem são só os clichês. O Brasil é o país do futebol, do carnaval, das garotas, Ipanema. Por outro lado, há os clichês negativos: da criminalidade, das crianças nas ruas etc. Sempre tentei trabalhar contra esses clichês. Por exemplo, escrevi uma série sobre a Amazônia. Minha tese é que os brasileiros tratam a selva melhor que nós, europeus, e os americanos acreditam.
Você só conhecia os clichês quando veio pra cá?
Matussek – Para falar a verdade, antes de chegar aqui, eu nunca havia lido muitas coisas sobre o Brasil. Chegando aqui, acho que era mais ou menos inocente. (Pede pela primeira vez a ajuda do professor). Virgem (risos). Mas acho que isso foi uma vantagem pra mim.
Por quê?
Matussek – Eu não tinha preocupações sobre o país. Cheguei aqui com uma máquina fotográfica meio fora de foco.
Você disse na embaixada brasileira em Berlim que é difícil vender o Brasil sem clichês?
Matussek – Sim. Minha consideração foi a seguinte: as imagens do Brasil são tão fortes, o carnaval, o futebol, a alegria, que, às vezes, obscurecem a realidade. Mas, ao mesmo tempo, existe uma verdade nesses clichês. Quando a ?Veja? publicou uma matéria sobre os alemães… dizendo que um alemão tem uma relação melhor com um cachorro do que com um vizinho, isso é um clichê. Mas aí existe uma parte de verdade também. Acho que você me pergunta por causa da notícia do ?Globo?…
Isso…
Matussek – Eu fiquei chocado. A jornalista distorceu meu artigo. Não escrevi sobre o antiamericanismo do Brasil baseado num almoço que tinha com amigos. Citei comentários em ?O Globo?, ?Jornal do Brasil? etc. Escrevi sobre a opinião crítica na América Latina em geral. Aliás, na mesma edição da revista, saiu uma grande matéria sobre o antiamericanismo dos alemães. Essa… eu não quero dizer colega… o que essa…
Jornalista…
Matussek – É… fez… foi não só distorcer minha matéria, mas denunciar meu trabalho ao Itamaraty. Para mim isso é um reflexo totalitário. Um reflexo que essa mulher não entende o caráter de uma imprensa livre. De que há opiniões controversas.
O jantar foi entre amigos seus?
Matussek – Foi. Como sempre faço, eu abro minhas matérias com uma cena mais íntima. Depois, no segundo e terceiro parágrafos, abri a imagem global.
Você disse na matéria que na América Latina se sente uma alegria escondida…
Matussek – Alegria clandestina. Eu não sou feliz com essa sentença…
Mas foi publicada…
Matussek – Foi, mas não saiu de mim. Foi colocada pelos editores. Eu tinha outro título. Para mim, esse é muito mesquinho. Eu posso imaginar por que escolheram…
Por quê?
Matussek – Nós tivemos essa edição em três dias. Todo mundo trabalhava sob pressão. Às vezes, acontece que você não pensa duas vezes. Eu não sou feliz com o título… O que foi o título? Alegria clandestina ou sentimentos contra o caubói?
Sentimentos contra o caubói.
Matussek – Posso dizer rapidamente que todo mundo está, agora, com uma política contra o caubói. Do bom contra o mau. Uma política branca e preta. Uma política dividindo o mundo entre justos e injustos. Essa é a fórmula que você tem aí.
Você diria que em algum momento do seu texto você foi infeliz?
Matussek – Não acho que não.
É antiamericano?
Matussek – Eu?! (risos) Meu filho é americano. Nasceu em Nova York. Tenho muitos amigos…
Você não tem esse senso crítico que descreve no texto?
Matussek – Tenho sobre a política americana e escrevi muito crítico, muitas vezes, quando fui correspondente em Nova York. Até mesmo minhas matérias sobre a Alemanha são muito críticas. Tenho um temperamento polêmico, mas acho que sempre baseei meus argumentos em fatos.
A imprensa alemã não publicou essas críticas aos EUA, à política externa do Bush nos últimos dias? Ela se calou?
Matussek – Eu mesmo, senhora, participei de uma polêmica sobre a política americana na Der Spiegel online (artigo). Polêmica muito forte, e recebi, em três horas, mais de 100 cartas de leitores.
E esses comentários de seus amigos não seriam comuns também na Alemanha?
Matussek – Naturalmente. Acho que sim.
Você acredita que, baseado somente em oito pessoas e algumas manchetes dos jornais, pode-se retratar a opinião do povo brasileiro? Essa generalização não seria perigosa?
Matussek – (Professor traduz) Ele disse que não baseia os argumentos dele só nos comentários dos amigos. Mas com fatos de jornais da América do Sul inteirinha.
Mas só reporta os textos antiamericanos. A cobertura brasileira, por exemplo, tem sido bem mais ampla.
Matussek – (Professor traduz) Ele está falando que sem essa generalização você não chega a nenhuma verdade. Isso faz parte do jornalismo. A função do jornalista é ter uma tese, fixar-se num ponto. Ele fixou-se na visão crítica e não vê razão nenhuma de retirar isso da imprensa.
Mas aí não corremos o risco de voltar aos clichês?
Matussek – Senhora, colega, você sabe, assim como eu, que sem clichês, sem generalizações você não pode trabalhar. Você tem de ser crítico com os clichês, mas nesse caso eu senti um sentimento antiamericano…
Com sua dificuldade com o idioma português, você não pode distorcer também as informações de seus entrevistados?
Matussek – Você vê que eu tenho a capacidade de entender. Eu posso falar com você. Numa maneira mais rudimentar, bem simples. Naturalmente, quando vou entrevistar o presidente Fernando Henrique, prefiro falar em inglês. Ele me pediu que a próxima seja em português, então tenho de aprender… Sim, são problemas… Às vezes, quando viajei pelo Amazonas, os caboclos têm um dialeto mais difícil de entender… Nesses casos eu tenho um tradutor. Muitas vezes trabalho com fotógrafo que fale português e alemão. Mas você tem razão, é um pouco complicado… mas você acha que meu Brasil é ruim?
Seu português?
Matussek – Meu português. Sim. (risos)
Melhor que meu inglês… Mas qual a sua opinião sobre a política de Bush?
Matussek – Acho que a retórica do Bush é ruim, mas a política parece ser razoável. Nós temos de esperar o que vai acontecer nas próximas semanas. Mas até agora acho que o Powell (Colin Powell, Secretário de Estado americano) tem uma boa influência sobre o Bush…
E sobre a capacidade intelectual dele? Também o vê como um caubói ignorante?
Matussek – Não conheço Bush pessoalmente, mas você sabe tão bem quanto eu todas as brincadeiras sobre o Bush na TV americana… até no New York Times que tinha dúvidas sobre… antes de ele ser presidente e até depois… se ele teria capacidade intelectual para ser o líder do mundo. Acho que essas dúvidas todo mundo, de certa maneira, compartilha.
Você também?
Matussek – Sim. A questão é a seguinte: se você tem uma última superpotência no mundo, liderada por uma pessoa que você não sabe se tem a capacidade intelectual, mental… (risos) a situação começa a ser perigosa, não?
Esclarecimentos
1. (Sobre o subtítulo a alegria clandestina, referindo-se ao ataque aos EUA, mas não às vítimas) ?Qualquer um, com olhos e ouvidos para absorver a reação, sabe que isso é verdade – seja no Brasil, na Argentina, na Venezuela, na China ou Palestina. (E Alemanha também.)?
2. ?Aqueles comentaristas me deram um material razoável para escrever: nas semanas e meses anteriores ao ataque os EUA sob o comando de Bush cortaram seus laços com o resto do mundo. Cancelaram unilateralmente acordos internacionais e concentraram seus esforços para tornar-se ?invulneráveis? àquelas ?fantasias de guerra nas estrelas?. Agora eles perceberam: são vulneráveis como o resto do mundo. Mais: eles não têm um passado tão inocente como tentavam fazer acreditar. Eles patrocinaram o terrorismo enquanto lhes era útil, eles não mostraram piedade pelas vítimas civis daquele terrorismo (como está documentado que a Casa Branca e a CIA celebraram o golpe de Pinochet -Augusto Pinochet, ex-ditador chileno – como a mulher palestina o terrível ataque). Todos esses argumentos eu acho altamente válidos.?
3. ?E acreditar que Bush é analfabeto (como você mesma confessou acreditar também) não qualifica um crime capital – se assim fosse, então 50% dos americanos teriam de ser presos, inclusive eu). Felizmente, ele tem um bom conselheiro em Colin Powell.? – N.R.: em momento algum a repórter afirmou que Bush é analfabeto."