Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Débora Cronemberger

O POVO

"Cópia do mau exemplo", copyright O Povo, 25/11/01

"Há três semanas, neste mesmo espaço, comentei a injustiça que uma generalização pode representar. Na coluna Ombudsman do último dia 4, tratei da cobrança feita pelo governador Tasso Jereissati, junto à Assembléia Legislativa, para que fosse divulgada a relação de nomes que constam da Folha 8, que vem a ser a folha de pagamento dos prestadores de serviço da Casa. Essa polêmica pegou fogo depois do acirramento da briga política entre o presidente da Assembléia, deputado Welington Landim (PSB) e o Governo do Estado. O argumento do governador era de que a folha atendia a apadrinhamentos políticos e proporcionava pagamentos irregulares. Dentre os beneficiados, profissionais de todas as áreas, inclusive jornalistas.

O problema é que, com a série de especulações sobre a Folha 8, houve a generalização, como se todos os prestadores de serviço que constam da lista estivessem necessariamente em situação irregular. Não deve ser o caso, mas o esclarecimento de todas as dúvidas está próximo. Na última quinta-feira, depois de cobranças por todos os lados para a exposição de como o dinheiro público vem sendo gasto, a Assembléia Legislativa aprovou uma emenda constitucional que obriga os poderes públicos a publicarem, no Diário Oficial, a lista de todos os seus servidores, inclusive inativos, pensionistas e terceirizados. A proposta vai no mesmo e saudável caminho do Poder Executivo, que comunicou que a partir do dia 1? de dezembro as informações sobre seus servidores estarão disponíveis na Internet. Por sinal, essas iniciativas não são uma mera concessão dos poderes públicos. Elas vêm a atender um pressuposto básico de que verba pública é assunto de interesse público.

Situações similares

Nesse episódio da Folha 8, a generalização permeou negativamente toda a discussão política do tema. Infelizmente, uma manchete do O Povo na última segunda-feira foi no mesmo rumo, lançando uma suspeição sobre a totalidade de um grupo, levando em consideração números que não permitem tal conclusão. A manchete de capa dizia: ?Polícia sob suspeita?. Na crítica interna que fiz na segunda-feira, comentei que O Povo tinha acertado na cobertura da página interna, mas errado na forma da manchete de capa.

Meu argumento foi o seguinte. A matéria informava que dos 122 delegados que ingressaram na Polícia em 2000, pelo menos 24 enfrentam denúncias, o que corresponde a 20,68% do total. Vamos supor que no Sindicato dos Jornalistas houvesse 24 denúncias contra um grupo de 122 jornalistas de diversas áreas (editores, repórteres, apresentadores). Isso nos permitiria dizer ?Imprensa sob suspeita?? Não. Estaríamos generalizando em nível da instituição, da mesma forma que aconteceu com a manchete de capa em questão.

O assessor de comunicação da Secretaria da Segurança Pública e Defesa da Cidadania (SSPDC), Pádua Martins, deu mais números para complementar o argumento. ?Dizer que a polícia está sob suspeita, com base nos números da matéria, é tão correto quanto dizer que todo muçulmano é terrorista, o que todos sabem que não é verdade. Dizer que a polícia está sob suspeita coloca no mesmo grupo os 14 mil profissionais da Polícia Militar e da Polícia Civil, embora a matéria faça referência a 24 denúncias que estão na corregedoria. Se considerarmos só a Polícia Civil, que tem 2.200 policiais, as 24 denúncias citadas na matéria significam 1,09% do total de profissionais da instituição. Isso é forte o suficiente para embasar a manchete de hoje??, questionou.

O assessor de comunicação da Polícia Civil, Edvaldo Filho, reforçou: ?A manchete criou um problema sério em função da generalização. Como é que vai se reverter essa má impressão causada por uma manchete que atinge toda uma instituição?? O número de 24 denúncias, levando-se em conta o universo de 122 delegados, é expressivo e obviamente precisa ser bem investigado. Mas o correto seria uma manchete que dissesse algo como: ?Grupo de novos delegados sob suspeita? ou ainda a apresentação do percentual puro e simples: ?20,68% dos novos delegados sob suspeita?.

A editora-chefe do O Povo, Fátima Sudário, concordou com as contestações. ?A generalização, além de duvidosa, é perigosa e danosa. Sobre a matéria, há lacunas. Poderia ter especificado as denúncias, mesmo preservando nomes, uma vez que as denúncias estão em fase de apuração. Poderia ter explicado trâmites e procedimentos?, afirmou.

Protesto, mas com responsabilidade

A indignação de parte da categoria resultou numa visita de novos delegados ao jornal na manhã de terça-feira, quando conversaram com a chefia de redação. O Sindicato dos Delegados da Polícia do Estado do Ceará (Sindepol) reagiu com a publicação de uma nota de repúdio no Diário do Nordeste, rechaçando a generalização que atingiu toda uma categoria.

Motivos para protestos sobre a manchete, a instituição da Polícia com certeza teve. É uma manchete errada, com base em números que não sustentam a conclusão. Mas na nota publicada no DN houve uma falta tão grave quanto a generalização que estavam criticando: o texto da nota de repúdio continha insinuações a respeito de interesses escusos na reportagem. A matéria em si pode até ter algumas lacunas, como a falta de aprofundamento nas denúncias mesmo sem citar nomes, mas ela lida com um fato: há 24 denúncias dentro de um universo de 122 novos delegados. Isso sustenta uma manchete de capa daquela forma? Não. Mas lida com um fato.

Ao insinuar algo que é extremamente grave, sem provas, ou sem formalizar uma denúncia para efeito de apuração, o Sindepol errou na forma de contestação de uma falha do jornal. Não é que um erro nesse caso vá eliminar o outro, mas o episódio oferece reflexão para os dois lados de maneira a evitar futuras e equivocadas generalizações e insinuações inconsistentes."