O POVO
"O processo não pára", copyright O Povo, 6/1/02
"Em junho do ano passado, recebi e-mail da assessora de imprensa da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Vera Pinheiro, solicitando que eu respondesse algumas perguntas para publicação no Jornal ANJ. Vou aproveitar o término do mandato como ombudsman ? esta é minha última Coluna na função ? para dissertar sobre a experiência no cargo a partir da pergunta que achei mais interessante: erro zero em jornal é uma utopia?
Resposta que me parece natural: é uma utopia sim. A princípio, esse reconhecimento enfraquece a figura do ombudsman, que a princípio estaria fadado a falar, falar e falar sem a menor possibilidade de admitir um nível definitivo de excelência no jornal que analisa? Imagina. Se errar é inevitável, uma vez que essa constatação não está atrelada a esta profissão ou aquela ? mas à própria condição humana ?, o exercício da crítica permanente, por meio do ombudsman, pode e deve contribuir para a redução dos erros, isso sim. Sem contar com o aprendizado que cada erro deve incutir no profissional. Grave mesmo é quando o profissional erra seguidamente da mesma forma, batendo no pé e recusando mudanças que podem trazer melhorias a curto prazo para a qualidade do produto.
O ombudsman é um dos elementos que demonstram o compromisso de uma empresa de uma análise permanente sobre o próprio trabalho. O processo de busca pela qualidade não tem fim. Então no decorrer do mandato da próxima ombudsman, Regina Ribeiro, que tomará posse amanhã, muitas questões já discutidas poderão novamente voltar ao debate voltado por uma cobertura mais qualificada. Não significa que o trabalho e a discussão de temas tratados neste espaço, neste e em outros mandatos de ombudsman, tenham sido em vão. Significa exatamente o que eu disse acima: o processo de busca pela qualidade não tem fim, a não ser que os erros sejam repetidos em situações idênticas envolvendo os mesmos profissionais.
Como tratei na Coluna da semana passada, essa permanente e necessária preocupação pela qualidade na cobertura envolve muitos atores, e o ombudsman é um deles. É uma peça estratégica, uma vez que dispõe de um grau de autonomia de abordagem que os colegas de Redação não possuem. O texto do ombudsman sai do computador direto para publicação, com direito irrestrito de opinar sobre quaisquer assuntos. Não significa que essa liberdade toda signifique que exista uma limitação permanente em forma de censura junto aos outros setores. Mas que há temas mais polêmicos para trabalhar no jornal, de difícil negociação com a direção, isso há. É um dos grandes desafios do jornal, não só para O Povo especificamente, mas para a imprensa em geral: dar mais eqüidade de cobertura independente do assunto ou da instituição que estiver envolvida. Quando os cuidados forem iguais em quaisquer circunstâncias, a qualidade geral de cobertura realmente será muito superior do que já é.
Recado para você
Uma maior qualidade também depende de uma participação mais ativa dos leitores ? atenção leitor, participe mais. Veja os telefones e e-mails de todos os setores do jornal e entre em contato. Diga mais sobre o que gostaria de encontrar no jornal, sobre outras abordagens que gostaria de ter encontrado na edição. Muitos leitores se equivocam acreditando que a ausência de determinado assunto é necessariamente uma conseqüência de auto-censura no jornal.
É errado pensar assim. Muitas vezes algo passa despercebido justamente porque ninguém teve aquela mesma idéia. E cobrar, julgar, por aquilo que não foi dito ou sugerido, aí é complicado. Por isso, que no mandato da Regina a participação dos leitores seja bem superior do que a registrada na minha gestão. Durante o ano como ombudsman, recebi cerca de 500 e-mails de leitores, e um número aproximado de telefonemas. Isso dá uma média de uns 40 e-mails e 40 telefonemas por mês, com sugestões e reclamações, o que me parece uma participação ainda muito tímida. De qualquer forma, a todos os leitores que colaboraram com meu trabalho, meu muito obrigada, e que continuem participando ativamente para tornar o jornal cada dia mais interessante e aprofundado.
Estrutura aliada à competência
Uma das constatações que esse ano deixa é que o leitor não se atém a opinar exclusivamente sobre as grandes coberturas ? os maiores pontos fortes ou os maiores erros do jornal. O conceito de qualidade para muitos leitores que opinaram ao longo de todo o ano é bem amplo e jamais minimiza erros que aparentemente são mais insignificantes em termos de conteúdo. Me refiro aos erros ortográficos, que podem até não causar prejuízos imediatos e amplificados como acontece com uma manchete de capa errada, mas isso aplaca a indignação de um leitor que liga para perguntar por qual razão o jornal não evita a publicação de palavras como ?precalção?, ao invés do correto, ?precaução?? O argumento dos leitores é sempre o mesmo: jornal precisa ensinar os outros a escrever melhor, e não o contrário, até porque há uma faixa de leitores que estão em fase de formação escolar que têm menos discernimento para distinguir o errado do certo. Erros deste e de outros tipos só serão realmente reduzidos com eficiência quando houver um equilíbrio saudável entre compromisso do profissional com o próprio texto e o compromisso da direção da empresa em suprir melhores estruturas de trabalho. Uma coisa jamais poderá excluir a outra.
O reverso da medalha
Por fim, uma conclusão que me parece simples. Passar pela função de ombudsman não poderia jamais significar um atestado de garantia de que aquele profissional nunca mais cometerá erros na profissão. Mas após tantos meses de alerta permanente sobre falhas no jornal, a certeza que fica e o compromisso que assumo é que meu zelo no exercício de qualquer área da comunicação vai ser muito maior daqui em diante. Nas palavras da poetisa goiana Cora Coralina, uma bela verdade: ?feliz é a pessoa que passa o que sabe e que aprende o que ensina?."