O POVO
"Na edição do último domingo do O Povo, foi publicada uma manchete de página que revelou bem o estrago que uma única palavra pode causar. O texto tratava do cancelamento da apresentação da banda Cidade Negra, na barraca Opção Futuro, devido a chuvas. Um segurança, que não foi identificado, levou uma descarga elétrica debaixo do palco. No texto, nenhuma impropriedade, mas a manchete saiu da seguinte forma: ?Show cancelado; segurança eletrocutado?. O detalhe fundamental é que o segurança não morreu devido ao choque, como foi dito na matéria.
Na segunda-feira, indignado e coberto de razões, o proprietário da barra Opção Futuro, Carlos Aragão, conversou com a ombudsman. ?Talvez o leitor comum não tenha obrigação de saber que eletrocutar é matar por eletricidade, mas o jornalista tem essa obrigação. Precisa pelo menos checar o verdadeiro significado da palavra antes de publicá-la?, ressaltou. As desagradáveis conseqüências do uso incorreto da palavra ?eletrocutado? não tardaram para o dono da barraca, que foi procurado pela polícia e pelo Ministério Público, preocupados em apurar a suposta morte por choque durante o show.
A retificação foi publicada pelo jornal no dia seguinte, também como manchete de página (?Título de texto sobre acidente estava errado?). Providência mais do que correta, pois se trata de obrigação prevista na Lei de Imprensa. A retificação é obrigatória no caso de erro, e isso não se discute, é consenso. Mas e quanto à forma da correção?
O texto da matéria com a retificação abria com o pedido de desculpas assumido pelo editor-executivo do O Povo, Demitri Túlio, e o editor-adjunto, Cláudio Ribeiro, em nome do Núcleo de Cotidiano, no qual está incluída a Editoria Fortaleza. Eles se desculpavam junto aos leitores e ao proprietário da Opção Futuro pelo erro cometido no título da matéria de domingo e esclareciam que o segurança levou um choque elétrico durante uma chuva, mas não foi eletrocutado.
O problema que apontei em comentário interno, logo após a publicação desta retificação, é que o pedido de desculpas foi assumido exclusivamente pelos profissionais. Mais do que pelos jornalistas, é um pedido de desculpas que precisa ser feito pelo jornal. Não que os dois não tenham responsabilidade no caso, mas O Povo não personalizou a questão em casos bem recentes. Cito exemplos de duas semanas para cá: o erro na capa sobre o resultado da corrida de Fórmula 1, o erro sobre o resultado da partida de futebol da seleção brasileira, o erro na publicação de coluna Vertical desatualizada. As devidas correções foram publicadas em seguida, mas em nenhum momento foi citado o nome de jornalistas nestes casos.
Antes da publicação, o formato do texto da retificação sobre o segurança foi longamente discutido entre o presidente do O Povo, jornalista Demócrito Dummar, a chefia de redação e os jornalistas citados na matéria. O presidente do jornal se propôs a pedir, ele próprio, as desculpas aos leitores, proposta rejeitada pelos outros jornalistas presentes. ?Talvez seja a hora de começarmos a assumir nossos erros individualmente, em atenção à instituição O Povo. Todos nós somos falíveis e estamos sujeitos a errar, então não vejo problemas em pedir desculpas individualmente por algum problema?, avaliou o presidente do jornal.
De fato, não há demérito algum em admitir erros e pedir desculpas por eles. Pelo contrário, é o que se espera de empresas e pessoas responsáveis que não são movidas por má-fé. A presença do nome dos jornalistas na matéria não é em si o problema, mas o fato da responsabilidade da retificação não ter sido também assumida pelo jornal.
Essa avaliação não é meramente subjetiva. É baseada na Lei de Imprensa, que regula a liberdade de manifestação do pensamento e de informação, que se pode afirmar que o procedimento da retificação foi errado. No capítulo IV, a lei trata do direito de resposta. O artigo 28 diz que o escrito publicado em jornais ou periódicos sem indicação de seu autor considera-se redigido pelo redator da seção em que é publicado, se o jornal ou periódico mantém seções distintas sob a responsabilidade de certos e determinados redatores, cujos nomes nelas figuram permanentemente; pelo diretor ou redator-chefe, se publicado na parte editorial; pelo gerente ou proprietário das oficinas impressoras, se publicado na parte editorial.
?Erro do jornal é erro do jornal. Cabe ao jornal pedir desculpas, e não ao jornalista?, diz a professora e jornalista Adísia Sá, integrante da Comissão de Ética da Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj) e ex-ombudsman do O Povo. Questionada se esta não poderia ser considerada uma visão corporativista, Adísia afirma: ?Não tem nada de corporativista. Ao jornal cabe publicar a retificação e punir o profissional da maneira que considerar mais correta?. O coordenador de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará e membro da Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas do Ceará, Ítalo Gurgel, vai pelo mesmo caminho. ?Ao jornal, cabe o ônus e o bônus. Se há a conquista de um prêmio, o mérito é principalmente do jornal. Se é para pedir desculpas, que seja também o jornal a assumir?. Ambos avaliam que o jornalista poderia ser citado em matéria de retificação se a matéria fosse assinada.
Não é que cobrar o posicionamento também do O Povo signifique jogar panos quentes sobre os funcionários. Nossa obrigação profissional é acertar. Nossa maior moeda é a credibilidade, e é em nome disso que se consegue respeito dos leitores. Por outro lado, que não haja diferença de tratamento quando a retificação for necessária."