O POVO
"?Nada a comentar, tudo irrelevante, irrisório e redundante neste negro setembro mundial. No passado, saíamos à rua para comprar jornais e saber o que se passava. Agora, somos empurrados para casa juntando farrapos de informações que chegam pelos monitores, rádios, telefones. E imaginando uma segurança definitivamente implodida. Neste aconchego às avessas fomos convertidos em observadores – não apenas da imprensa e da mídia, mas de um mundo de repente menor e virado de cabeça para baixo. A vida continua, mas amanhã será tudo diferente.?
O texto acima consta do Observatório da Imprensa (www.teste.observatoriodaimprensa.com.br). Neste momento, nada me parece mais adequado do que este texto para exprimir o saldo da última semana, que girou em torno das tragédias nos Estados Unidos. O POVO demonstrou sobriedade e eficiência no repasse das informações ao leitor, especialmente com a bem sucedida edição extra que circulou na tarde da última terça-feira, o dia dos atentados terroristas (15 mil exemplares vendidos em menos de uma hora). Pouquíssimos jornais do país demonstraram essa mesma agilidade. Tive conhecimento de apenas outros quatro jornais, todos cariocas, que fizeram o mesmo: O Globo, Jornal do Brasil, Extra e O Dia.
No decorrer da última semana, fiz várias observações sobre a cobertura do O POVO sobre a tragédia. No geral, uma cobertura muito boa, com vários pontos fortes, como o trabalho da Editoria de Arte nos quadros e ilustrações. Houve também deslizes: assuntos importantes que até constavam do material do O POVO, mas em um formato minimizado. Um exemplo é o que aconteceu na última sexta-feira. Pela primeira vez, o governo americano apontou oficialmente o milionário saudita Osama bin Laden como o principal suspeito pelos atentados. A informação puxou a manchete de vários jornais pelo país, mas no O POVO aparece citado no oitavo parágrafo de uma das matérias.
No entanto, falar de erros e acertos na cobertura da imprensa na última semana me parece pequeno diante do quadro que se tem pela frente. Repetindo o que foi dito no Observatório da Imprensa, ?fomos convertidos em observadores – não apenas da imprensa e da mídia, mas de um mundo de repente menor e virado de cabeça para baixo?. Mais impactante do que a cobertura posterior aos atentados, foi a impressionante transmissão ao vivo da tragédia. Viramos todos testemunhas da História pela televisão, por onde pudemos acompanhar com detalhes os fatos à medida em que eles iam acontecendo. O choque dos aviões nas torres do World Trade Center, os edifícios em chamas, pessoas acenando por socorro, o desabamento sucessivo dos prédios, a reação desesperada das pessoas buscando abrigo e chorando de medo nas ruas de Nova York. Mais do que nunca, a televisão teve o poder de abalar as percepções de espaço e tempo. De alguma forma estávamos todos lá.
Na Guerra do Golfo, o binômio comunicação-tecnologia já tinha dado mostras do seu poder de alcance. Instalados confortavelmente em nossas casas, podíamos acompanhar ao vivo e a cores uma guerra no Oriente Médio, uma região pouco familiar aos brasileiros. Mas nada pode se comparar aos atentados da última semana. Os ataques não renderam imagens estilizadas como as que costumavam ser transmitidas pela rede americana de televisão CNN na Guerra do Golfo. Nada de luzinhas (mísseis) cruzando o céu escuro de uma cidade iraquiana. Os ataques nos Estados Unidos foram à luz do dia, início de expediente de um dia aparentemente normal de trabalho, em um cenário ?ocidental? tão típico que o visual me remeteu logo à cidade de São Paulo. Sem falar que os locais dos atentados são dos mais conhecidos entre turistas brasileiros que já viajaram para o exterior.
Tudo pareceu ter sido planejado pelos terroristas justamente para que as imagens pudessem ser presenciadas e/ou transmitidas para o maior público possível. É a comunicação, portanto, utilizada como instrumento de guerra. Uma agressão para não ser abafada, minimizada, esquecida.
Entre tantos veículos que hoje permitem transmissão instantânea de informação, há que se reconhecer a enorme força da televisão, que em nada foi reduzida pela banalização do acesso à Internet, por exemplo. Caso clássico de como uma mídia não exclui a outra. Na terça-feira, quando o mundo parou para acompanhar as notícias dos atentados, vários meios e instrumentos de comunicação entraram em colapso – os sistemas de telefonia nos Estados Unidos foram suspensos, e a Internet congestionou em nível mundial.
Como a televisão tem o poder de repassar as informações e veicular as imagens à medida em que os fatos vão acontecendo, a responsabilidade pelo teor e pelo tom da notícia aumenta de forma grandiosa. Quem acompanhou a cobertura ao vivo pela televisão, viu de tudo: notícias desencontradas, a busca dos ângulos mais chocantes. Nem poderia ser diferente. Passados alguns dias dos atentados, as informações ainda são muito incertas. Não há número fechado de feridos ou mortos, assim como não há a dimensão exata sobre o grupo de terroristas envolvido no episódio.
Justamente porque a situação é confusa por si só é que os veículos de comunicação precisam ter cautela e não partir para o ?achismo? como justificativa para sustentar audiência, como aconteceu em alguns momentos na cobertura de televisão. Em editorial da última quarta-feira, o jornal The New York Times citou uma frase memorável: ?Raiva é um luxo do público, que espera que o presidente exerça um julgamento ponderado?. É possível fazer um paralelo com o trabalho da mídia: especular sem fonte confiável é um luxo do público. Para a imprensa, sempre será melhor admitir quando as informações ainda não são precisas."