Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

De dedo em riste

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VEJA
& ACM

Luiz Egypto

Carro-chefe da maior editora de revistas do Brasil, um dos cinco maiores semanários de informação do mundo, Veja é uma revista-espetáculo.

Folhear Veja sempre suscita alguma fruição. Os anúncios de abertura são impecáveis; como, aliás, é notável o conjunto da obra da área comercial, que conhece muitíssimo bem o meio impresso e faz de Veja (como de outros filhotes da Abril) sobretudo um sucesso comercial. Mas foi duro chegar lá. Desde seu lançamento, mais de 30 anos atrás, Veja passou por dificuldades históricas só superadas porque os Civita são do ramo. Disso são provas a capacidade de vencer adversidades do Grupo Abril e a preparação, ora em curso, de uma anunciada reestruturação corporativa cujo intuito é ajustar a empresa para o ingresso de capital estrangeiro em sua composição acionária. Isto será plenamente possível com a alteração do Artigo 222 da Constituição, que, enquanto não ocorre, dá um trabalhinho extra aos departamentos jurídicos daqui e de fora, encarregados de descolar formas e configurações para o negócio. Mas essa é uma outra história. No limite destas linhas, o que importa é Veja e sua pujança editorial. A competência de sua redação em fazer revista ? de resto o negócio principal da empresa que a controla ? e sua ligação umbilical com o senador ACM.

O semanário da Abril vale-se de uma justa indignação contra o senador Jader Barbalho para proteger, à custa de que piruetas editoriais, a figura impoluta de Antonio Carlos Magalhães. Tome-se a edição n? 1.697 (25/4/2001), que circulou depois do explosivo depoimento da ex-diretora do Prodasen Regina Célia Borges (cabe o adjetivo em razão do barulho que o testemunho provocou na seara dos usos e costumes do Congresso Nacional). Matéria de três páginas ("Semana de fúria"), primeira da seção "Brasil", traz em destaque a figura de Regina Célia com direito a foto grande, recortada, e cineminha de cinco imagens na dupla de abertura; e na seqüência, em página par, fotos, em sentido horário, de um José Roberto Arruda patético, de um ACM em doce paz, e de um raivoso Jader Barbalho que parece socar a mesa.

A linhas tantas, o texto afirma: "A cassação é improvável porque o processo, para ter solidez, requer provas. Até o momento, embora os depoimentos sejam acachapantes, eles fornecem apenas indícios a ser confirmados". Posição idêntica à defendida por ACM, que naqueles dias chegou a cogitar da aceitação de punição mais branda, ao invés de cassação ou renúncia.

Cabe observar que: 1) premida pela eloqüência do depoimento de Regina Célia na quinta-feira (19/4), Veja obrigou-se a "abrir" sua seção Brasil com a referida "Semana de fúria", na qual aproveitou para distribuir farpas a granel ao primeiro-desafeto Jader Barbalho. 2) Com toda a pinta de original prato de resistência da editoria, "Brasil" prossegue seu espetáculo com a dramática matéria "Jader cai no caldeirão da Sudam". Aqui novamente cabe o adjetivo porque, em revistas (e a Abril sabe disso melhor que ninguém), é preciso haver cadência, compasso e harmonia na distribuição das matérias. A dramatização em revistas ? tal qual nos jornais ? é obtida com recursos de arte e titulação. Em duas palavras: com edição.

"Festival nacional de algemas", título em caixa alta, de fora a fora de uma página dupla, não deixa de ser… dramático! A matéria seguinte, "O sigilo arrombado no Senado", reforça a tese de que o depoimento de Regina, dado ao Conselho de Ética numa quinta-feira, véspera da reta final de fechamento da revista, obrigou uma rápida mudança no "espelho" da publicação. Essa última matéria fechou a seção "Brasil".

[Espelho é o arranjo prévio que se faz das seções e, dentro destas, das matérias de um veículo impresso. Segundo o Aurélio, "desenho ou esquema que orienta a paginação de um impresso em conformidade com a diagramação"]

Pois muito bem: o escândalo do Senado, com ACM envolvido até a raiz dos ralos cabelos, era já àquela altura assunto comentado nacionalmente, com chamadas principais nos telejornais e nos maiores diários. Mas Veja circulou com uma capa trazendo… Gugu Liberato. "O domingão é dele", bradava a chamada principal ? matéria esta, aliás, que mereceu reações indignadas do apresentador do SBT, que acusou a reportagem de ser "uma avalanche de fofocas, intrigas e frases maldosas". Disse mais, à Agência Estado (26/4/2001): "Quando aceitei conceder entrevista para a revista Veja, fui transparente e abri meu programa e minha rotina de trabalho para o repórter. Mas, ao ver a reportagem publicada, fiquei surpreso ao ler declarações que não dei e alfinetadas desnecessárias em companheiros de trabalho".

Matérias frias

Corte rápido. Uma semana depois, nova edição espetacular de Veja (n? 1.698, 2/5/2001), com tudo que tem direito. "Eles engoliram o Congresso", pontifica a capa. "Como o Senado se transformou na Casa da Mentira com Jader, Arruda e ACM", complementa a chamada de apoio, com uma foto do Congresso Nacional ao centro, tudo sobre um fundo de céu carregado de nuvens negras. Sacou a dramatização? O fato de ACM vir listado por último, na capa, por enquanto é apenas um detalhe de somenos.

Veja outra vez trata o senador pela Bahia de forma muito especial. Na página de índice, um ACM dedo em riste, enérgico como sempre, acima de foto de um Jader Barbalho cabisbaixo-meditabundo, mas com aquele mesmo olhar sempre suspeito. Em "Brasil", a revista faz uma daquelas páginas que só gente competente é capaz de conceber. Fotomontagem com três closes de ACM discursando, três espécimes do mais puro estilo caras-e-bocas, como na TV, a ocupar dois terços da dupla de abertura. O título é "Ilha da Fantasia" ? não muito original considerando-se sua exaustiva utilização pela própria Veja, em outras tantas edições, o que depõe contra o elogio à revista contido neste parágrafo.

Continuemos a olhar a dupla: quem está em questão no "olho" da matéria é a instituição Senado Federal, "engolfado numa crise avassaladora" (adjetivo é isso aí!) e protagonizando um "festival de mentiras ? de funcionários e parlamentares" (sobrou para Regina Célia). A legenda da, digamos, cena montada na matéria (igualzinho a um espetáculo) informa o seguinte: "ACM, ao depor no Conselho de Ética do Senado: orientado por três advogados, fez um depoimento sem contradições, mas não convenceu nem os colegas". Grifo meu.

Como é cada vez mais difícil defender ACM, e ao mesmo tempo impossível não retribuir favores passados, cumpre dar uma aliviada naquilo que a esmagadora maioria dos "leitores" de fato lê ? os títulos, os "olhos" e as legendas das fotos. Foi "um depoimento sem contradições", crava a revista. O cacique baiano agradece.

Nas seis páginas seguintes, a ação é palpitante: muito bem-feita, há que se admitir, porque na Abril existe massa crítica suficiente para trabalhar em padrões altíssimos de qualidade gráfica e editorial. Fecham a matéria três fotos do sempiterno ACM, todas de arquivo, com ícones da Boa Terra: ACM abraça baiana típica; ACM com Jorge Amado, registrada no tempo em que o escritor ainda saia de casa; e, por último, ACM com Dona Canô, mãe de Caetano Veloso, notório desafeto da revista.

Informa a segunda parte da legenda: "a figura intrigante de um político popular em sua terra, mas cujo perfil não se encaixa na definição clássica nem do coronelismo nem do populismo". Veja recusa a dar-se conta que em ACM convivem coronelismo e populismo em harmônica simbiose.

Adiante, mais quatro páginas ("O sistema planetário de Jader") reiteram a propalada expertise em fazer revistas. Com Jader no lugar do sol, com a carranca de sempre, orbitam nove "astros" envolvidos em falcatruas na Sudam. Um primor de arte. Um espetáculo.

Com duas matérias frias, em duas páginas, encerra-se a editoria de "Brasil". Nos demais espaços (142 páginas + capas) da edição n? 1.698 da revista, apenas o texto com o título "Ação entre amigos" poderia fazer algum tipo de conexão com ACM. A denúncia apurada e estampada às páginas 104 e 105 mostra o envolvimento do empresário da educação João Carlos Di Genio, que Veja qualifica de "professor", num conflito de interesses no Conselho Nacional de Educação, motivado pela autorização de abertura de cursos superiores de propriedade de parentes e amigos dos conselheiros. Nenhuma palavra para o fato de Di Genio ser amigo do peito (e bota amigo do peito nisso) de ACM.

Declaração de princípios

Novo corte, nova semana. Na mesma edição (n? 1699, 9/5/01) em que Veja, num correto trabalho de investigação, selou a sorte do ex-ministro Fernando Bezerra, da Integração Nacional, o semanário da Abril oferece a palpitante chamada de capa "Tudo por um filho. Nove em cada dez casais brasileiros inférteis conseguem ter filho com a ajuda da medicina". No sumário da edição (pág. 8), novamente a foto de ACM, novamente de dedo em riste ("O senador manteve sua versão na acareação", diz a legenda, como se pudesse ser o contrário), acima de um sorridente então-quase-ex-ministro Bezerra e uma candidata a gravidez, personagem da matéria de capa.

Nessa edição, "Brasil" abre seis páginas que dissecam os negócios do senador-empresário-presidente-da-CNI ("O rolo de Bezerra na Sudene", em caixa alta), e, na seqüência, quatro páginas sob o título "A hora da verdade", com a cobertura da acareação de ACM, Arruda e Regina Célia promovida na semana anterior no Conselho de Ética, do Senado. Na arte de abertura, destacam-se as fotos um ACM de dedo em riste (que mania, meu Deus!) e um abatido Arruda, com ar de bichinho extraviado de um caminhão de mudanças. Registre-se que o texto, aqui, não alivia o senador pefelista: "Ou ACM e Arruda são os autores intelectuais da violação do painel ou ambos se calaram diante de um crime cometido por uma funcionária", está escrito, para em seguida arrematar: "Em outras palavras: ou estão mentindo ou foram omissos". Correto. Para fechar a matéria, uma espécie de declaração de princípios contra as eventuais manifestações de rua em favor da cassação dos dois senadores, tal como a ocorrida em Salvador, na quinta, 10/5: "Sábia como ela só, a opinião pública talvez esteja segura de que as punições serão aplicadas e, sendo assim, não vê motivos para pegar em bandeiras e fazer manifestações". A Polícia Militar baiana que o diga.

Para não dar trégua a Jader, "Brasil" continua com duas páginas ("Desfalque dos 10 milhões volta à cena", sobre falcatruas no Banpará) e mais duas com três matérias menores (Itamar, usineiros e muambeiros). Fim da seção.

Nobre deputado

Outro corte: Veja n? 1.700 (16/5/01). Na capa, uma chamada quente ? "Sem luz" ? com o complemento: "Prepare-se: o racionamento vai infernizar sua vida, desacelerar a economia e pode devastar a imagem do governo".

E onde ACM entra nisso? Na editoria "Brasil", depois da matéria de capa ("Blecaute!", em oito páginas, com a competência de sempre), vêm quatro páginas sob o título "Show do milhão no Congresso", contando com se deu a operação-abafa que o governo FHC desencadeou, com suce$$o, contra a instalação da CPI da Corrupção. Na página dupla de abertura, fotos de um FHC pensativo, de um Jader de mãos postas e de um ACM (não é possível!) de dedo em riste, apontando para um infográfico com os volumes de liberação de verbas para os signatários menos convencidos da oportunidade de uma CPI como a proposta da oposição.

Onde as menções a ACM no texto da reportagem? Na terceira coluna de texto, quando é referido o nobre deputado Eujácio Simões ? "que é filiado ao PL mas é um baiano mais ACM que Gal Costa" ?, na legenda de uma foto ("Em Salvador, manifestação pela cassação de ACM acaba em pancadaria") e no final da matéria, quando, ao comentar a ação do rolo compressor do governo contra a CPI, Veja escreve que nele "inclui-se o senador Antonio Carlos Magalhães, que ordenou a seus cinco comandados retirar o apoio à CPI. (…) ACM e Jader eram signatários do pedido de comissão de investigação. A unidade governista reconstituída na semana passada pode servir para mostrar que nem sempre faz mal ao governo ter um painel violado de um lado e um ranário de outro".

Tudo certo, tudo se ajeita. E assim caminha a humanidade.

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