Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

De inhapa, indicação de (alguns) filmes

ORIENTE MÉDIO

Francisco Moreno Carvalho (*)

O sr. José Arbex Jr. não gostou de ser comparado a Eichmann na discussão aqui iniciada a respeito de suas posições sobre Israel e o conflito do Oriente Médio [veja remissões abaixo]. Pois bem, quem compara o sionismo ao nazismo deveria mostrar uma postura mais democrática com relação a comparações. Ao fim e ao cabo, ele as faz quase sempre quando escreve sobre Israel e o conflito do Oriente Médio. Agora que foi colocado perto de Eichmann, ficou nervoso? Bom sinal, sr. Arbex, acho que ainda há alguma esperança para seu caso. Seu prognóstico me parece não tão fechado como de início avaliei. Desculpe, mas quando a política não consegue explicar, resta-nos a psiquiatria.

A constatação de que Eichmann não apresentava nenhum padrão agressivo, ou mesmo monstruoso, apesar de seu anti-semitismo, não é minha. Foi de Hannah Arendt que assinalou este estranho fenômeno. Um indivíduo que poderia ser o nosso vizinho, aquele fulano com quem se troca uma conversa na padaria, se acena na rua, era um dos principais arquitetos da Solução Final, do extermínio de seis milhões de judeus sob o nazismo. E ele realmente não parecia fazer muita idéia do que queriam com ele. Afinal, como alegou, era um "mero parafuso numa engrenagem".

Nunca imaginei que José Arbex Jr. fosse igual ou semelhante a Eichmann. Mas o padrão de não entender a existência e a profundidade de seu preconceito anti-judaico me parece sim passível de comparação.

O sr. Arbex, diz que "não sou sério" nem como médico nem como historiador. Até onde sei, este senhor não tem qualificação nem acadêmica nem intelectual para avaliar meu trabalho de pesquisa nestas áreas. Quem insiste em contos da carochinha, como a tal "bomba étnica", que volta a alegar sobre sua existência na sua resposta a Luis Milman, é que se desqualifica para qualquer debate. Se Arbex soubesse um pouco mais do que fala e com quem trata, em vez de ficar perdido nos seus slogans de "solidariedade proletária internacionalista", saberia que milito na esquerda israelense, pertenço o movimento "Paz Agora", integrei um grupo de diálogo israelense-palestino que unia pessoas de Jerusalém e Ramallah e já fui a muitas manifestações nos territórios ocupados para impedir demolição de casas palestinas e deportações. Já enfrentei, inclusive fisicamente, vários dos colonos judeus nos mesmos territórios ocupados (que espero poder me referir a eles como Estado palestino, em breve) e costumo escrever e me posicionar politicamente a favor da paz, do entendimento, da coexistência pacífica entre Israel e o futuro Estado palestino, contra a política da direita israelense e contra os fundamentalistas religiosos palestinos e seus atentados suicidas. Se isto ainda significa alguma coisa, sou filiado ao PT desde 1980 (e não "desde 1975", como alguns oportunistas de última hora). Considero, portanto, que tenho feito mais a favor dos legítimos direitos nacionais do povo palestino do que certos jornalistas esquerdistóides escrevendo peças anti-semitas recheadas de vermelho em publicações latino-americanas.

Claro que para o referido senhor isto é insuficiente pois "cometo o pecado" de ser sionista. Afinal, depois de Auchwitz a onda não é mais ser contra judeus (a não ser alguns parvos neonazistas) mas sim ser "anti-sionista". Escrever que Israel é um "Estado nazista", divulgar a tal "bomba étnica" (e continuar acreditando nela!!??) e outras sandices do gênero, revestido de um certo "esquerdismo" é o quitute intelectual de quem confunde crítica ao governo israelense e luta pelos legítimos direitos do povo palestino com a destruição de Israel e o genocídio de sua população judia. Sim, genocídio. Pois pregar a destruição do Estado de Israel nada mais é do que propor o extermínio dos 5 milhões de judeus que lá residem. E não basta uma leitura rastaqüera de novos historiadores israelenses, como Ilan Pappe e Tom Seguev, para que este dado de realidade seja mudado. A propósito, a proposta de "destruição da entidade sionista" é insana e ridícula, já que plenamente inexiquível. A não ser que Arbex tenha virado posadista e acredite em alguma intervenção extra-terrestre e imagine naves espaciais dando conta de exterminar uma das maiores potências militares do planeta. Contudo, a intenção da palavra, mais do que a potência do gesto, desnudam aqui do que se está falando: genocídio travestido de internacionalismo proletário.

Classificar o anti-semitismo como patologia social nada tem a ver nem com Stalin nem com nenhuma mentalidade totalitária. Esta é uma abordagem reconhecida e existente há muito tempo. O próprio filme que indicou, Arquitetura da Destruição deixa bem patente que uma visão de "pureza" e de "beleza" defendida pelos nazistas era patológica, ligado à idéia de exterminar o que estivesse fora destes padrões. Como mostra a posição dos nazistas à arte moderna, considerada "degenerada". Interessante que quando José Arbex Jr. fica irritado com esta abordagem ao problema do anti-semitismo ele parece estar preocupado mais em provar que o anti-semitismo não contém um elemento patológico do que deixar claro que não é anti-semita. Em suma, está mais preocupado em proteger estes ensandecidos que escrevem tolices sobre o sionismo e sobre Israel, condenando não seu governo mas negando a própria existência do mesmo enquanto Estado, do que marcar seu mais veemente repúdio ao anti-semitismo, mostrando, para começo de conversa, que não há outro termo para definir a tal "bomba étnica" senão o delírio.

O que é mais interessante nisto tudo é que este senhor escreve para uma revista que procura se definir como de "esquerda". Um dos próceres dos ataques à existência de Israel na mesma publicação é um jornalista de nome George Bourdokan. Este senhor, companheiro de redação de Arbex, editou um infame jornal, publicado em São Paulo nos anos 80, de nome Jerusalém. O dito cujo era um tablóide anti-semita. A manchete de capa do primeiro número era "Judeus comemoram o ano-novo matando mulheres e crianças", numa referência aos massacres de Sabra e Chatila, só que sem esconder sua verdadeira natureza racista ("judeus? matando?". Não é anti-semitismo? É o que, então?). Para vergonha dos jornalistas, esta infame publicação chegou a ganhar um prêmio do sindicato da categoria. Junto com Bourdokan trabalhava o sr. Ricardo Roman Blanco, conhecido delator durante a ditadura militar, implicado nas cassações de Florestan Fernandes e de Maurício Tragtenberg.

Pois bem, como é que uma revista que se diz de "esquerda" abre seu espaço para alguém com este perfil?

O anti-semitismo é sim uma forma de patologia. À revista Caros Amigos, para ser coerente com suas posições combativas, que sempre cobram coerência de tudo e de todos (e lembrando que o governo Lenin foi o primeiro a considerar anti-semitismo como crime, crime contra-revolucionário), compete implementar uma política de redação que extirpe de seu meio esta forma de preconceito, e todos os demais que houver (anti-semitismo nunca vem sozinho; começa com os judeus, ninguém sabe onde termina). Para isto, e mantendo a coerência revolucionária, há dois caminhos:

1. O do "guia genial dos povos"

2. O do"grande timoneiro"

Dada a ausência de grandes imensidões geladas no Brasil, e por uma certa antipatia ao camarada Koba (creio que também partilhada por Arbex), sugiro o segundo. Ou seja, aplicar o método revolucionário chinês de autocrítica, como no filme O Último Imperador, de Bertolucci . Ou seja, José Arbex Jr. deve ser posto para escrever, centenas de vezes, sobre a sua tese da "bomba étnica" e deixar claro que sua crítica às ações de qualquer governo israelense não significa nenhuma comparação deste com o nazismo, nem a negação ao direito à existência do Estado de Israel. Certo, é um método não muito psicanalítico. Tampouco é cirúrgico. Um pouco behaviorista. Mas, quem sabe funciona?

Claro que este método aqui exposto não deve ser posto em prática nem levado ao pé da letra, pois viola os princípios fundamentais da sociedade democrática. Considero-o, prezado Arbex, como uma peça de humor, em meio a esta sua rigidez revolucionária (os marinheiros de Kronstad já experimentaram os efeitos desta rigidez vinda de um grande líder revolucionário, não é mesmo?). Quem sabe, talvez, numa revista dita de "esquerda", que quiçá não aprecie a "legalidade burguesa", valha a pena que alguns de seus integrantes experimentem uma dose de seu próprio veneno, como Arbex Jr. já experimentou ao ser comparado a Eichmann?

Livrando-se deste ranço, a revista ficará mesmo mais "cara": em qualidade, coerência e conteúdo. Sem isto, vai continuar sendo aquilo que é mesmo: um tablóide marrom com pretensões esquerdistas.

E para arrematar, mais uma sugestão de filme. Conheço bem em Israel os companheiros de idéias de Arbex. O comitê central cabe num fusca e o partido todo numa van. Que tal A Vida de Brian, do Monthy Python, como inspiração para os que, ainda presos a uma das facetas do messianismo judaico na sua forma laica, o marxismo revolucionário, imaginam que a história é feita de slogans?

(*) Médico e historiador

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