ÉTICA NA TV
Paulo Stenzel (*)
Um jarro com água pela metade pode estar meio cheio ou meio vazio, cabe a você decidir como prefere enxergar. Vejam que bela frase de auto-ajuda, dá até vontade de chegar em casa, encher um jarro d?água e ficar lá, por horas e horas com os meus botões, tentando decidir. O mesmo exemplo pode ser dado com copos de vinho, potes de iogurte e xícaras de café. Mas não vamos dificultar, até porque o jarro é muito mais poético. Penso até me desesperar. Meu Deus, afinal isto está quase cheio ou quase vazio? Ahá! A resposta é "c" ? tanto faz, afinal, de uma forma ou de outra eu só terei a metade.
A atual discussão em torno da programação da televisão é quase como a história do jarro. Os programas de TV são meio bons ou meio ruins? Para a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, a qualidade é muito ruim. Por isso, criaram a já tão falada campanha de ética, com direito a sítio na internet, e-mail para denúncias e promessas de investigação e pressão sobre as emissoras. A iniciativa, embora mereça aplausos, esbarra na subjetividade da interpretação do que seja bom e ruim, bom gosto e mau gosto, cidadania e contra a cidadania.
De olho na audiência
Aqui em Portugal, assisti pelo GNT (Globo Internacional) o animadinho Caldeirão do Huck. Lá pelas tantas, deparo-se com o grotesco quadro "É agora ou nunca". Um cidadão humilde é escolhido, sua família é apresentada, bem como todas as suas dificuldades de trabalhador honesto. Depois, um treinamento para participar de um jogo e, finalmente, o jogo. Não sei se é sempre assim, mas no dia em que vi o pobre homem não conseguiu enfileirar os dominós no tempo estipulado e, por isso, deixou de ganhar o dinheiro que mudaria sua vida (e que nem era tanto assim). Muitas lágrimas, o apresentador quase chora enquanto consola o "amigo". O homem sai de cena e, dois segundos depois, a música já está animada e um sorridente Luciano Huck fatura, digo, delicia-se demonstrando os, obviamente saborosos, produtos dos patrocinadores. Onde alguns vêem caridade e oportunidade outros percebem a exploração da miséria humana, a pobreza transformada em espetáculo, a pseudocaridade.
Cito este exemplo para não falar nos mais óbvios, como o Ratinho, ou mais discutíveis, como o Big Brother. Se funciona como consolo, este fenômeno está globalizado, não é exclusividade brasileira. Em Portugal, o apresentador do polêmico e sensacionalista Bombástico desafia os juízes que tentam tirar o programa do ar: "A mim ninguém cala!" E, até agora, não calaram mesmo.
Está meio vazio ? dizem os responsáveis pelo Ética na TV. Absurdo, está meio cheio ? retrucam as emissoras. Os patrocinadores, nem um pouco preocupados em como enxergar o objeto, só têm olhos para os índices de audiência da água em questão. E o jarro deles inalterado, pela metade como sempre esteve, enquanto o do telespectador já está transbordando.
(*) Publicitário brasileiro residente em Portugal