Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

"De quem é a culpa?", copyright O Estado de S. Paulo, 6/05/01

QUALIDADE NA TV

ASPAS

VIOLÊNCIA E BAIXARIA
Renato Janine Ribeiro

"De quem é a culpa?", copyright O Estado de S. Paulo, 6/05/01

"Quem é culpado pela degradação ética da televisão? Gabriel Priolli tocou o dedo na ferida aqui, na semana passada, ao comentar as primeiras pesquisas sobre a TV paga. Notou que a classe média e a rica continuam assistindo, sobretudo, à TV aberta. A Globo continua campeã de audiência junto aos mais abonados. Portanto, é errado culpar pelo sushi do sexo ou pela banheira do Gugu o público pobre e inculto, que teria sobrado para os grandes canais enquanto um público sofisticado teria migrado para os canais pagos. Vale a pena continuar a discussão aberta por Gabriel.

Antes de mais nada, chega de responsabilizar os mais pobres pela decadência da TV. Alguns anos atrás, falava-se muito em vitimologia. Significava responsabilizar, por um crime, a vítima: por exemplo, quem exibe dinheiro e jóias numa zona de alta criminalidade. Ora, bom número das críticas à TV repete esse padrão. Pode até ser verdade que as classes pobres, por terem menor acesso à educação, não queiram programas sofisticados. Mas é errado supor que as outras classes sociais sejam sofisticadas ou educadas.

Porque o grande problema no Brasil é que educação e cultura não são valorizadas na televisão nem, o que é pior, na família. Os inegáveis defeitos de nossa TV não podem servir de álibi para ignorar as deficiências de nossa sociedade, que se expressam na educação que pais e mães se dispõem a dar a seus filhos. Quanto se valoriza, aqui, a leitura?

Já comentei um programa de Sandy e Junior, no qual o alunado desejava fazer um clipe de TV – e uma professora insuportável queria lhe impor uma biblioteca. Associar o livro à chatice, e o áudio-visual ao prazer, é uma empulhação enorme. Porque uma mídia surge e prospera a partir das outras. Quem não conhece os matizes da leitura tem mais dificuldade em apreciar, numa novela, o que o fará crescer como ser humano.

Quantos pais lêem um livro com o filho, em vez de entregá-lo à babá eletrônica? Quantos priorizam a boa educação e cultura, em vez da compra de um artigo de consumo luxuoso? Quantos gastam em teatro, mais que em tênis? O problema é que muitos pensam que educação, cultura e mesmo moral se terceirizam. Passa-se o problema para a escola, ou se culpa o poder público, mas com isso não se faz o que está a seu próprio alcance.

Ouvimos todo dia que, na empresa, está diminuindo o peso das matérias-primas e do próprio capital, e aumentando o da inteligência. Quem lê jornal sabe que a educação hoje é mais importante do que nunca, na definição de uma carreira profissional bem-sucedida. Mas isso parece ocorrer em outro planeta, mal afetando nossa TV e mesmo a demanda que os grupos mais informados dirigem a ela.

Receita segura para o insucesso: deixe seu imaginário à mercê de Faustão, Gugu e outros, mesmo mais cotados. Educação não é um bicho de sete cabeças, nem tem hora marcada. Cultura não é necessariamente algo chato. Podem e devem estar presentes no lazer. Ou conciliamos o prazer que temos no entretenimento com a cultura e a educação, ou formaremos gente cada vez mais deslocada, num mundo cada vez mais exigente."

Hélio Schwartsman

"Sartre e o controle remoto", copyright Folha de S. Paulo, 6/05/01

"Vocês vão rir da minha cara, mas, sempre que apanho o controle remoto da televisão, lembro-me de Sartre. Isso mesmo, Jean-Paul Sartre (1905-1980), o filósofo existencialista francês. Cometo essa inconfidência -meio ridícula, admito- a propósito dos planos que sempre surgem por aí de impor ?controle social? aos meios de comunicação.

Não me cabe defender a programação da TV, que, na média, é muito ruim mesmo. O lixo abunda, para perpetrar um trocadilho bem infame. Mas é estranho alguém se queixar de maus programas de TV depois que inventaram o controle remoto.

Lembrei de Sartre porque ele afirmou que nós estamos ?condenados à liberdade?. Diante de algo que nos desagrada na TV, somos livres para, com um leve toque num botãozinho, mudar de canal. Ouvi dizer que grupos radicais chegam mesmo à heresia de desligar o televisor.

Voltando a Sartre, a existência humana precede a essência. Se a garrafa d’água, por exemplo, foi uma idéia, uma essência, na cabeça do projetista antes de ser fabricada, o mesmo não se dá com o homem. Como, para Sartre, Deus não existe, o homem está abandonado no mundo. Ele apenas existe, sem determinações, e, diferentemente de objetos e animais, fabrica sua essência por meio de suas ações e decisões. Até o último instante, ele se torna o que escolhe ser.

A existência é um processo, uma projeção das inúmeras possibilidades que temos diante de nós e que realizamos ou rejeitamos mediante escolhas. Não é tanto ?liberdade de?, mas ?liberdade para?. E ela nos torna indesculpavelmente responsáveis pelo que fazemos.

Quando deixamos de apertar o botão do controle e permanecemos vendo aquela pegadinha ?horrível?, essa é uma escolha nossa. A ?culpa? não é do apresentador, da emissora nem dos raios catódicos, mas exclusiva e intrasferivelmente nossa. Escolher não escolher é uma escolha.

É claro que as pessoas não são obrigadas a pensar como Sartre. Criancinhas, por exemplo, não seriam assim tão livres, ficando expostas à influência perniciosa de programas violentos e/ou libidinosos.

Para Sartre, o argumento é pífio. O mundo existencialista não é um lugar agradável. Somos irremediavelmente solitários e -pior- sabemos que vamos morrer e então não seremos nada. Se há palavras que descrevem bem a condição humana, elas são: angústia, desespero, absurdo, náusea. Talvez até pudéssemos afirmar que o que vemos nos piores momentos da TV é um colírio perto de uma apreciação realista da condição humana. Como o Nelson Ascher bem mostrou aqui na semana passada, o mais violento Rambo não passa de uma historinha de amor.

Só o que resta, para Sartre, é a liberdade, ainda que ?situada?, ou seja, sob condições externas não controladas pelo indivíduo. Essa liberdade opera mais como uma condenação do que como uma dádiva. Não escolhemos existir, mas, uma vez lançados no mundo ao nascer, somos responsáveis por tudo o que fazemos. A liberdade é uma espécie de matéria-prima da existência e, assim, um dos ingredientes de nosso mal-estar para com o mundo.

Uma solução para o problema da angústia existencial seria, então, renunciar a essa liberdade. É claro que isso é impossível, pois existir como ser humano (existir para si) é indissociável de ser livre. Mesmo assim, o peso dessa liberdade é tamanho que muitas pessoas são vítimas de uma decepção intelectual que Sartre chama de má-fé. Sob essa condição, o homem deixa-se convencer de que não tem liberdade de escolha, transforma o sujeito livre que é em objeto.

O controle remoto é um pouco a metáfora dessa liberdade. Sempre está em nosso poder alterar nossa existência, cuja liberdade só cessa com a morte. Daí que outros existencialistas afirmaram que o suicídio é a única questão filosófica realmente importante.

É uma filosofia radical, admito. No limite, justifica-se o ato terrorista. O sequestrador que explode um avião cheio de crianças não age contra inocentes porque não existem inocentes. A responsabilidade é tanta que todos seriam culpados desde o nascimento.

OK. Sartre era ateu e comunista. Não respeitava nada do que é sagrado e não precisamos nem devemos concordar com ele. Ainda assim, é difícil rejeitar certos elementos de seu pensamento. A negação da responsabilidade implica um mundo regido pelo acaso ou pelo destino. Se não sou eu o responsável pelo que me acontece, ou ninguém é ou tudo é parte de um plano divino.

Na primeira hipótese, matamos o Deus onisciente. Ora, foi justamente daí que Sartre partiu para deduzir seu existencialismo radical. Na segunda hipótese, resgatamos o Deus onisciente, mas daí sacrificamos a noção de livre-arbítrio que é nuclear para o cristianismo. ?O homem tem livre-arbítrio. De outro modo, conselhos, exortações, ordens, proibições, recompensa e punição seriam vãos.? O autor da frase é insuspeito: santo Tomás de Aquino (?Summa Theologica?, Questão 83).

Entre Sartre e o Divino Doutor, somos livres para mudar de canal quando o programa não nos agrada. Afirmar o contrário e daí fazer surgir um ?controle social dos meios de comunicação? é má-fé ou heresia."

Denise Abarca

"Emissoras dos EUA transmitem execuções de condenados", copyright Agência Estado, 4/05/01

"Várias emissoras de rádio e televisão dos EUA estão transmitindo durante esta semana gravações contendo a narração de 23 execuções em cadeira elétrica, feitas por funcionários das penitenciárias. Os relatos são impressionantes, segundo informações do site do jornal espanhol El País. No caso da morte de Ivon Ray Stanley, em 1984, funcionários presentes riam ao comprovar que o condenado já não tinha mais pulsação. No mesmo ano, na execução de Alpha Oties O’Daniel Stephens uma segunda descarga elétrica teve de ser emitida, já que o preso sobreviveu à primeira.

Entre 1983 e 1998, autoridades do Estado da Geórgia gravaram as execuções e, em todos os casos, a voz de um funcionário descreve de maneira fria o que está ocorrendo na sala onde está a cadeira elétrica. No caso de Stanley, o funcionário disse que o condenado havia sido amarrado e se recusado a dar uma última declaração. ?Ele continua muito passivo, sem oferecer resistência, olhando para as testemunhas?, narrou. Em seguida, outro comentário. ?A execução está em marcha. Seu corpo se contraiu e se escutou um ‘pof’, como se tivesse arrebentado uma correia?. Ao final de cinco minutos, um médico procurou sinais de vida no executado, sem encontrar, de acordo com o relato. ?Tudo correu bem?, segundo a declaração do funcionário, logo após a qual seguem-se sons de risadas.

De acordo com o site, a execução de Stephens foi uma das mais impressionantes. O relator descreve com ?frieza clínica? como o corpo do condenado sofreu uma ?sacudida? ao receber a descarga. Os médicos se certificaram que Stephens seguia respirando, quando foi aplicada a segunda descarga, em um processo com duração total de 13 minutos.

Em 1998, o advogado Mike Mears teve acesso às gravações de áudio efetuadas pelas autoridades penitenciárias do Estado, entregando-as à emissora WNYC para a difusão. É a primeira vez que a população dos EUA tem acesso ao que ocorre dentro de uma câmara de execuções.

Internet

As transmissões acontecem no momento em que se reaviva o debate sobre se o público deve ter acesso direto, por meio de TV e Internet, à execução do terrorista Timothy Mc Veigh, no próximo dia 16, responsável pelo atentado que destruiu um edifício federal de Oklahoma, matando 168 pessoas em 1995. A execução por meio de injeção letal será transmitida para 250 sobreviventes e familiares de vítimas do atentado, via circuito fechado de televisão. Porém, uma empresa de Internet pleiteia a transmissão online da execução.

A última execução pública nos EUA ocorreu em 1936 em Owensboro, no Estado do Kentucky, onde 20 mil pessoas assistiram ao enforcamento de Rainey Bethea, um jovem negro de 22 anos. Atualmente, 38 dos 50 estados norte-americanos aplicam a pena de morte, mas em locais fechados, sendo permitida somente a presença de alguns funcionários, jornalistas e familiares das vítimas.

Apoio de 60% da população

Seis de cada dez americanos apóiam a pena capital por razões de vingança e por acreditarem que as vítimas queiram ver mortos os criminosos, aponta uma pesquisa do jornal The Washington Post e da rede ABC News, divulgada nesta quinta-feira. Antes de transmitirem o áudio, as emissoras informaram que menores e pessoas mais sensíveis poderiam ficar perturbados com o conteúdo das gravações."

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