MÍDIA & GOVERNO
Thaïs de Mendonça (*)
Deu no Valor Econômico (11/2) que o governo está revendo todos os contratos de prestação de serviços e mão-de-obra terceirizada dos ministérios. Esses contratos, comuns durante os oito anos de governo Fernando Henrique, totalizariam R$ 12 bilhões do Orçamento Geral da União. A soma dos gastos com pessoal fora da folha de pagamentos para o ano de 2003 chegaria a R$ 78,5 bilhões.
Os números são realmente estarrecedores, vistos de maneira macro. Mas o que não se está dizendo é que, entre essas pessoas, estão jornalistas e publicitários ? um contingente que pode ser calculado, grosso modo, em cerca de 500 almas.
Contingente contratado para suprir falhas no sistema de admissões do governo, num longo período (2000-2001) de concursos vetados, salários defasados e incompatíveis com as necessidades técnicas de uma máquina estatal que não tem critérios para mandar embora quem não trabalha.
São cidadãos que, como todo mundo, têm família, casa e aluguel para pagar, contas vencendo no fim do mês e, se aceitaram trabalhar para o governo ? muitos, há mais de 10 anos ? sob condições nada estáveis, contavam, em sua trajetória, com um valor universal, provado no dia-a-dia: a própria competência. A eles não foi oferecida qualquer garantia de emprego, como também não lhes foi proposta alternativa de contratação que não a da terceirização.
É verdade que o apelo a esse recurso deve ter provocado muitas distorções. Um exemplo são as empresas de informática que atendem aos ministérios. Elas prestam serviços que poderiam ser assumidos por departamentos na estrutura ministerial. Outro exemplo é o do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), por meio do qual o governo encontrou uma brecha para fazer funcionar projetos ? como os das áreas de Desenvolvimento Urbano, Saúde e Meio Ambiente ? que, de outra forma, não teriam como caminhar.
O PNUD cobra do governo um percentual pela administração dos contratos. E grande parte dos projetos gerenciados vai engrossar a nossa dívida externa. Isso não é o melhor dos mundos, mas os técnicos que ocupam posições importantes na Esplanada, em Brasília, passam por uma seleção e desempenham funções que a burocracia não consegue cumprir. Não são empregados da máquina, mas a azeitam todos os dias.
Mau companheiro
Numa notícia de fins de janeiro, o secretário de Previdência Complementar, Adacir Reis, reclamava que o sistema havia pago cursos para funcionários contratados e logo depois eles foram para a iniciativa privada. Não se tem conhecimento disso em larga escala. Para começar, as verbas curtas nunca permitiram essa facilidade. Nem se registra que, no nosso setor, alguém tenha feito treinamento à custa dos cofres públicos.
Ao contrário, pesquisa encomendada pelo governo FHC em fins de 2000 sobre a eficácia das contratações constatou que quem trabalha mesmo nos ministérios são os terceirizados, enquanto muitos dos funcionários públicos se recolhiam à condição de barnabés e ficavam contando tempo para a aposentadoria.
Pergunte a quem comandou as assessorias de comunicação de ministérios, autarquias e empresas ligadas ao governo federal nos últimos oito anos. A resposta será que foram jornalistas e publicitários contratados de fora ou cedidos de órgãos extragoverno. Agora que a Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica resolveu mandar para casa todo esse pessoal, ministros estão indo para as entrevistas coletivas sem assessores, dando declarações infelizes por falta de conversa e aconselhamento político, e encarando maratonas de eventos sem critérios de horário, enlouquecendo a pauta das redações.
Para onde leva tudo isso? De um lado, para o descrédito das estruturas do governo Lula, que foi apoiado pelos jornalistas brasileiros em todos os momentos. De outro, para uma espécie de desemprego em massa que, ou não está sendo visto pelos veículos, ou está sendo menosprezado e encoberto pela categoria ? até hoje convencida da máxima de que "coleguinha" não é notícia. Esse é um detalhe intrigante da formação dos jornalistas: eles defendem todos os outros trabalhadores; porém, quando se trata de proteger sua própria sobrevivência, entendem que não podem usar o alto-falante que colocam à disposição dos demais.
E, nesse caso, o silêncio não é bom companheiro.
(*) Jornalista