Saturday, 21 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Democratizar a sociedade

O PAPEL DA UNIVERSIDADE

Rogério Tomás Jr. (*)

Se é legítimo o princípio que dá título a este artigo, eticamente falando, então, na área da comunicação social e suas habilitações (Jornalismo, Publicidade, Relações Públicas, Rádio e TV, Cinema, Editoração e outras), a formação universitária deveria contribuir para a democratização da comunicação, tanto em relação às mais amplas concepções do termo quanto em conotações pontuais do mesmo.

A comunicação pode ser compreendida, pelo menos, sob a ótica de três campos:

a) campo social: todos os seres humanos e instituições sociais fazem parte deste campo, já que a Comunicação é inerente ao indivíduo e à vida em sociedade;

b) campo profissional: composto pelos indivíduos e instituições que têm na Comunicação um instrumento regular de trabalho;

c) campo científico/investigativo: composto por quem se dedica a estudar os fenômenos, objetos e processos da Comunicação, tanto do âmbito profissional quanto das relações sociais.

Não é difícil conceber o campo social como o mais importante ? por sua abrangência e primazia de existência em relação aos outros ? entre estes três. Por que, então, não se pode conceber o trabalho da universidade, agente por excelência do campo científico, como suporte ao campo social da comunicação?

Capacidade de percepção

Na saúde (com os cursos de Medicina, Enfermagem, Nutrição, Farmácia e outros), é indiscutível a referência maior pela qual deve se pautar ? ou a missão maior à qual está destinada ? a formação universitária: melhorar o sistema de saúde do país, sobretudo o sistema público, voltado à maior parte da população. Se a boa prestação de serviços relacionados à saúde pode ser concebida como um direito fundamental e inalienável da sociedade, esta referência torna-se ainda mais imperativa para a universidade.

Premissas semelhantes estão consagradas em outras áreas: o direito, em relação ao sistema judiciário na garantia do Estado de Direito; a arquitetura e as engenharias, em relação ao desenvolvimento do sistema de habitação e desenvolvimento material das cidades e da vida dos indivíduos; a pedagogia, no tocante à educação do país, e várias outras.

Há alguma justificativa para a exclusão da comunicação ? enquanto serviço público e direito inalienável da sociedade e de seus indivíduos ? na constituição deste cenário interdisciplinar? Os problemas epistemológicos ? de definição do objeto de estudo e de investigação e da consolidação do corpo científico ? do campo não podem ser utilizados, pois são parte de um debate que se dá puramente em nível teórico (filosófico, pedagógico, metodológico) e que não exclui, a priori, a discussão acerca da função e da dimensão pragmática da universidade e da própria Comunicação, que se dá numa esfera política, antes de mais nada.

Adotar a democratização da comunicação como referência e princípio norteador da formação universitária na área da comunicação social pode remeter a muitos significados. Desde uma estruturação didático-pedagógica específica ? com forte inserção de disciplinas e atividades extracurriculares voltadas à reflexão sobre o princípio e à sua concretização ? até a realização regular de projetos institucionais ? seminários, congressos, conferências, atividades de extensão e pesquisa, produção laboratorial audiovisual e impressa, entre outros ? que contemplem esta finalidade.

No entanto, cabe ressaltar (ao menos) alguns aspectos adjacentes a este princípio.

1) Qualquer instituição de ensino superior que pretenda contribuir com a Democratização da Comunicação, através do seu desempenho pedagógico, terá como resultado, no mínimo, a formação de profissionais/cidadãos críticos em relação ao contexto em que se encontram inseridos, além de serem capazes de intervir organicamente na realidade;

2) A capacidade de percepção, apreensão e análise desta realidade ou de parte dela ? na forma do conhecimento trans, inter e multidisciplinar ? só tende a ser aprofundada quando a perspectiva da necessidade de, efetivamente, atuar em prol da democratização da comunicação supera a simples constatação ou o reconhecimento passivo desta necessidade;

Desafio à academia

3) Como conseqüência do aumento desta capacidade, decorre naturalmente o acréscimo do potencial criador e explicativo acerca dos objetos e contextos observados e estudados. Esse é um anseio provavelmente consensual e prioritário entre os estudantes e seus professores.

Disciplinas ou projetos de Comunicação Comunitária (que incluam a perspectiva do jornalismo comunitário, das relações públicas comunitárias, das rádios e TVs comunitárias, entre outras), Crítica da Mídia, Educomunicação (que pode e deve ser trabalhada e experimentada por outras áreas além da comunicação e da educação), além de outras específicas (como, no caso da publicidade, da contrapropaganda e da culture jamming) devem fazer parte não apenas do currículo, mas também da agenda temática e da cultura política dos cursos de Comunicação.

Mesmo aqueles estudantes que têm por objetivo prioritário a qualificação técnica para atuarem no campo profissional ? que é uma opção legítima ? serão beneficiários de uma formação que aborde de forma mais profunda a realidade da comunicação em relação à sociedade em geral.

Os professores que consideram esta ? a qualificação para a atuação profissional ? o maior objetivo da formação superior talvez careçam de uma sensibilidade maior em relação ao papel da comunicação na configuração da sociabilidade contemporânea. Ou, talvez, o que pode ser facilmente comprovado em algumas ocasiões, sobrevalorizem o arquétipo do profissional desinteressado em metas situadas fora dos limites do seu próprio ofício. Aqui cabe a pergunta: quem define o alcance e a espécie destes limites? No caso da comunicação ? que existe "naturalmente" para promover o diálogo entre os diversos campos sociais ? que tipo de limites um profissional deste campo pode considerar, visto que, em tese, ele deve estar habilitado a transitar pelos mais diversos campos?

No estado em que se encontra estruturado o ensino de comunicação no país, fica até difícil encontrar coerência para justificar a defesa intransigente do diploma como requisito maior para a atuação profissional. Definitivamente, a formação superior em Comunicação não faz a diferença ? para a sociedade ? que se espera dela. Definitivamente, uma mudança profunda é desejada e necessária, mesmo após as novas Diretrizes Curriculares. O sentido em que vai se dar esta mudança é a grande questão que deve emergir para debate. As posições e a contribuição do movimento estudantil de comunicação estão começando a ser delineadas.

A democratização da comunicação é, inquestionavelmente, condição essencial para a democratização da própria sociedade. A hegemonia política, econômica, cultural, tecnológica e científica de pouquíssimos grupos, nos diversos níveis espaciais, é reproduzida e reforçada no âmbito da comunicação ? reiterando, um serviço público. Uma diminuta casta produz 90% de tudo o que é transmitido através dos meios de comunicação tradicionais (rádio, TV e impressos). A ampliação do acesso às tecnologias, ao conhecimento e ao capital ? para os sujeitos excluídos da casta dominadora ?, que pode alterar essa situação, também passa pelo engajamento ordenado e responsável da universidade nesta tarefa. O resultado disso só pode ser um: o desenvolvimento da cidadania e da própria condição da democracia em nosso país.

Se tal incumbência não for, também, da universidade ? que é o espaço de busca permanente e incansável da excelência científica e cultural ?, de quem será? A consagrada "academia" não pode continuar passiva diante de problemáticas sociais como a observada e enfrentada no campo da comunicação, sob pena de se tornar um ente que legitima e reforça tais problemáticas.

(*) Estudante de Jornalismo da UFMA, integrande do Diretório Acadêmico de Comunicação Social da UFMA, ex-coordenador regional da Enecos