LÍNGUA PORTUGUESA
“A bolsa, o bolso, a bursite etc”, copyright Jornal do Brasil, 22/09/03
“Na Califórnia brasileira, cuja capital é Ribeirão Preto, o município que alçou o então prefeito Antonio Palocci ao proscênio da vida nacional, a bolsa e o bolso são conhecidos também por ?borsa? e ?borso?.
E o dialeto caipira, pelo menos neste caso, é ?chique no úrtimo?, de acordo com expressão que de repente tomou conta do interior de São Paulo. Com efeito, bolsa, bolso e bursite têm origem comum no latim bursa. Já ?úrtimo?, em vez de ?último?, é forma dialetal sem amparo na etimologia. E chique veio do francês chic, elegante, bem vestido. Mas há outras etimologias, como o alemão Schick, forma abreviada de Geschick, aptidão. Pode ter vindo também de chicane, chicana, sutileza, ardil. Ou ainda do apelido de um moço pobre, discípulo de um pintor primitivo, o flamengo de origem holandesa Gérard David. Um de seus quadros mais conhecidos é O batismo de Cristo. Os trabalhos de Chic sempre agradavam ao pintor e, depois que o discípulo morreu, o mestre dizia dos bons quadros de seus alunos: ?É ?Chic?!?.
A bursa dos romanos era a nossa bolsa. Não as bolsas de valores, evidentemente, tema preferencial das reflexões e atos do agora ministro da Fazenda e de toda a equipe econômica, embora na Roma antiga o vocábulo designasse também o receptáculo para guardar denarius, a moeda de prata que serviu de origem para dinheiro, no português. Valia 10 asses de cobre.
O dicionário Aurélio, um dos mais consultados no Brasil, explica o que é bolsa em 13 pontos. Num deles, diz que bolsa é ?qualquer de vários tipos de saco com alça ou sem ela, de tamanho adaptado ao seu uso, e feitios diversos, ou de carteira, em geral com fecho, usado para guardar dinheiro, documentos, lenço, objetos de toalete, etc., e que podem ser feitos de couro, tecido, metal, plástico, etc?. Como se vê, o Aurélio põe vírgula antes de etc, o que é, no mínimo, controverso. Etc veio do latim et cetera, significando ?e outras coisas?.
Os romanos usavam também et reliquia como variante de et cetera. Reliquia significava ?e o resto?, inclusive o resto de comida que ficava entre os dentes, as migalhas. No cristianismo predominou o sentido de restos mortais dos santos (seus ossos) ou de objetos que lhes pertenceram.
O dicionário Houaiss é mais abundante no verbete. Indica 32 acepções. E não põe vírgula antes de etc, como se vê nesses exemplos: ?pequeno saco, de couro, pano, seda etc., para guardar o dinheiro em moedas?. ?Recipiente feito de couro, pano, plástico ou metal, com ou sem alça, no formato de saco, sacola ou maleta etc., usado para guardar, portar ou transportar objetos diversos?.
Bursite, entretanto, diz respeito a outro receptáculo, que afligiu mais e hoje aflige menos o presidente. É, segundo os dicionários, a ?bolsa, ou cavidade em forma de bolsa, que contém líquido viscoso, e situada em locais em que, sem a sua presença, ocorreria atrito?.
A Bolsa como instituição econômica refletiu as nefastas ameaças de que o Brasil quebraria se o candidato eleito fosse Lula. E o dólar seria visto apenas pelo telescópio Hubble. Acalmada essa Bolsa, o presidente Lula foi atormentado, ainda na posse, por outra bolsa, que conservou o ?r? original, mas, acrescida do sufixo grego ite, que indica inflamação, a bursite. Em resumo, saiu a ?bolsite? que jamais existiu e retornou a bursite, antiga companheira do presidente.
A bursite do povo brasileiro, porém, está atacando o bolso, a bolsa, a carteira, as contas. Os ganhos somem desses receptáculos rapidamente, bem antes que as contas possam ser pagas, embora todos vejam o dólar na mesma gangorra onde alguns sempre brincaram com ele. Tudo isso tem muito a ver com a língua, instrumento por excelência da cidadania, ainda que, como diz Guimarães Rosa no conto O espelho, ?quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo?.”
JORNAL DA IMPRENÇA
“Samba do Baiano Doido”, copyright Comunique-se (www.comunique-se.com.br), 18/09/03
“O crime aconteceu na Bahia e não em Diamantina, onde nasceu JK e a princesa Leopoldina ?arresorveu? se casar com Tiradentes; todavia, o Crioulo Doido é o mesmo daquele samba-enredo de Stanislaw Ponte Preta. Janistraquis garante que o personagem vive hoje em Salvador, onde arranjou emprego de redator em A Tarde, a julgar pelo seguinte texto publicado no jornal:
?A comunidade de Ibicaraí protestou, na manhã de ontem, durante o enterro do vereador José Silva da Hora Sobrinho, assassinado com dois tiros disparados por Ailton Pereira dos Santos e Marivaldo Neres de Jesus. Segundo a polícia, o vereador, conhecido como Zé Guaraná, morreu por engano, ao ser confundido com o empresário Gildevan Macedo. Os assassinos dispararam dois tiros, um dos quais se alojou num dos pulmões da vítima. Gravemente ferido, o vereador ainda conseguiu chegar ao local do velório, de onde foi levado para o Hospital São Lucas, em Itabuna. Ele morreu no último domingo. Os criminosos estão presos pelo assassinato, no último dia 14 de agosto, do empresário Gildevan Macedo, 32 anos, numa emboscada, no distrito da Saloméia, em Ibicaraí.?
O considerado leitor José Wellington R. do Nascimento, que nos enviou este autêntico despacho, desafia: ?Vejam se entendem o que está escrito?. Olha, meu rei, entender nós não entendemos; mas vamos e venhamos: o texto é criativo barbaridade.
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Cabra arretado
Cada vez mais assanhado e irreverente, o diretor da sucursal cearense desta coluna, Celso Neto, mandou ver:
?Eis que, mais uma vez, o nosso querido Diário do Nordeste nos brinda com uma ?santíssima trindade?, na qual três representam apenas um. O milagre ocorreu neste inesquecível texto publicado na editoria de esportes sobre o jogo do glorioso alvinegro de Porangabuçu: ?Vale salientar que o ingresso terá preço único: R$10,00 (arquibancada), R$ 15,00 (cimento) e R$ 25,00 (cadeiras), com meia entrada para todos os setores.?
Vale salientar que o torcedor ficou muito puto em não entender como preço único significa três valores diferentes.?
Quer dizer que o torcedor ficou muito puto, né, Celsinho? Você não tem jeito mesmo… E vale também esclarecer que o ?glorioso alvinegro de Porangabuçu? é o Ceará, que iria se defrontar com um tal de Paulista, time do qual Janistraquis jamais ouvira falar até então.
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De polpa, pompa e pomba
O considerado leitor Rodrigo Pinotti escreve à coluna: ?Vocês acompanham o jornal Lance!, que se auto-denomina ?O Diário dos Esportes?? Pois bem, lá estava, à página dois do referido periódico, seção ?As Luzes?, bem abaixo do título Corinthians – Derrota na Rússia:
?O Timão chegou a Moscou com polpa, foi recebido pelo governador e desfilou no Kremlin. Em campo, derrota para o Saturn.?
Para nós, corinthianos, já é bem difícil ver Fumagalli, Jamelli e Betão no time. Imaginá-los invadindo o centro do poder russo com saquinhos de morango, manga e abacaxi congelados, então, tal qual uma versão pervertida dos bolcheviques, é insuportável. Ou será que aproveitaram a viagem e fizeram propaganda da legítima polpa brasileira, para ajudar na balança comercial tupiniquim??
Sua dúvida procede, Pinotti, procede.
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Expelindo gases
Nosso diretor em Brasília, Roldão Simas Filho, ficou revoltado com Marcelo Onaga, editor de Economia do Correio Braziliense, autor do seguinte texto inserido no artigo intitulado O Gás da Salvação:
?A Petrobrás gastou os tubos para construir os 2.593km de gasoduto no lado brasileiro(…). O valor total da obra foi estimado em US$ 2 bilhões.?
É por causa dessas brincadeirinhas de gastar ?os tubos? que o jornalismo econômico às vezes entra pelo cano…
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Ó, Estadão, Estadão!
Nosso diretor paulistano, Daniel Sottomaior, examinava a edição on line do jornalão e anotou:
?Lê-se que Powell e Rumsfeld ?sublinharam que o tão falado aumento dos pagamentos do Iraque a famílias de terroristas suicidas palestinos encorajou atentados?. Não, os secretários não pegaram um papel e sublinharam um texto, como estava escrito. O original usa o verbo ?highlight?, que nunca significou sublinhar. No máximo, se refere à marcação com canetas fluorescentes. O sentido, evidentemente, é o do verbo ?enfatizar?. Alguns parágrafos adiante o texto fala em ?surpreendentes 57% dos homens?, uma expressão que também faz sentido em inglês, mas não em português. Ali a referência é ao surpreendente número de ou à surpreendente parcela ou fração de 57% dos homens.?
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Para evitar vexames
Na semana passada, a propósito do lançamento de meu livro Concerto Para Paixão e Desatino – Romance de uma Revolução Brasileira em São Paulo, enviei convite aos amigos. Um deles puxou-me a orelha; eu teria transformado a mensagem num ignominioso spam que distribuía pelo éter os endereços eletrônicos de pessoas inocentes. Severo porém generoso, o amigo me passou uma dica de como ocultar tais endereços, já que meu crime fora produto de absoluta e total ignorância. É expediente facílimo que até eu aprendi e repasso aos leitores. Por favor, acessem o link: http://www.infoguerra.com.br/infoguerra.php?newsid=989789061,37955,/, que o problema estará resolvido e vocês não correrão o risco de passar pelo vexame que passei…
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Nota dez
O melhor texto da semana é de Alberto Dines no Observatório da Imprensa. No artigo intitulado LEMBRANDO IBRAHIM SUED – A favor dos anúncios, abaixo a notícia paga, escreve o mestre:
?A veemente condenação da ANJ à prática de publicar matérias publicitárias disfarçadas, sem caracterização, merece reflexões. Em primeiro lugar porque chove no molhado. Admirável seria se a entidade protestasse contra a publicação de reportagens pagas em geral.
Esta história de caracterização é pura enganação. O leitor não consegue distinguir a paginação, muitas vezes não enxerga as minúsculas letrinhas onde está dito que a matéria foi paga. Uma entidade moderna como a ANJ deveria fazer uma cruzada para abolir toda e qualquer matéria paga com cara de notícia. Texto pago deve ter cara de anúncio. Fingir que o contrabando noticioso é legal só porque foi envolvido por um fio quase invisível ou usa fontes diferentes é hipocrisia. Farisaísmo.?
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Errei, sim!
?PAIXÃO NACIONAL – Manchete de página da Ilustrada, da Folha de S. Paulo: Kiri Te Kanawa diz que gosta de cerveja. Manchete de página!!! Janistraquis acha que a cantora deveria processar o jornal: ?Considerado, a moça possui certamente outras qualidades mais pertinentes e que merecem manchete?. Está certo. Concordo que seria título formidável se a matéria falasse de Madre Tereza de Calcutá.?(outubro de 1993)”
REVISTAS LITERÁRIAS
“Revistas que movimentam a literatura”, copyright O Estado de S. Paulo, 17/09/03
“Há dois eventos literários significativos na semana: o Perhapiness, em Curitiba, e a Primavera dos Livros, em São Paulo. Nos dois, haverá destaque especial para o segmento das revistas literárias: uma exposição no primeiro e uma mesa-redonda no segundo (domingo, às 15 horas, no Centro Cultural São Paulo). Convidados pelo ?Estado?, seis editores de periódicos do gênero responderam a perguntas sobre o suposto ?boom? e a relação entre suas revistas e a literatura brasileira de hoje. Mais da metade enfatizou o caráter de grupo das edições, nomeando colegas que participam do processo. Uma delas até respondeu a quatro mãos. Cada revista busca uma proposta, mas todas combinam textos inéditos e muitos autores. Algumas não se restringem à prosa e poesia, comportando outras linguagens, como quadrinhos e fotografia.
Ácaro (acaro@revistaacaro.com.br). R$ 10. Distribuição: Editora 34 (0-11 3032-6755)
Coyote (revistacoyote@uol.com.br) R$ 10. Distribuição: Iluminuras (tel. 0-11 3068-9433)
Et Cetera (Travessa dos Editores – editora@travessadoseditores.com.br). R$ 25. Tel. 0-41 264-9463
Inimigo Rumor (7 Letras/Cosac&Naify). R$ 25. Tels. 0-21 2540-0037 e 0-11 3218-1466
Rattapallax (Rattapallax Press/Ed. 34). R$ 23. Tel. 0-11 3032-6755
Sibila (Ateliê). R$ 20. Tel. 0-11 4612-9666
1. Você acha que há um ?boom? de revistas literárias no País hoje? Se há, o que isso significa?
Ademir Assunção (Coyote) – Não vejo ?boom? nenhum. As revistas surgiram pela necessidade de poetas e escritores mostrarem outras visões e percepções do mundo. A desinformação e a arrogância da crítica e da imprensa em relação a autores atuais contribuíram para o surgimento das revistas. Cansamos de ler que não havia nada de significativo na cultura brasileira. Essa ebulição criativa foi abafada e, no caso da literatura, criou as condições para o surgimento das revistas.
Carlito Azevedo (Inimigo Rumor) – O ?boom? é um fenômeno paulista: Cacto, Sibila, Rodapé, Sebastião, Ácaro, Teresa, Azougue, são todas paulistas. No Rio, por exemplo, não se pode falar em ?boom?. Se analisarmos o significado da preferência, não dá para esconder que a revista se tornou um meio seguro de autopromoção. Hoje é relativamente fácil editar uma revista de poesia, e em termos de visibilidade, o retorno é muito maior que o do livro. Esse comentário, contudo, pode soar muito moralista se não fizer a ressalva de que nada impede que uma revista nascida oportunista se torne oportuna.
Flávia Rocha (Rattapallax) – Há um ?boom? de revistas literárias no mundo, um fenômeno ligado ao avanço tecnológico que facilitou a impressão de produtos editoriais. Revistas tendem a procurar pelo que há de novo e melhor, ao mesmo tempo que promovem debates sobre formas tradicionais em ensaios e entrevistas que dificilmente seriam publicados pela grande imprensa. O ?boom? de revistas literárias no Brasil está apenas no início.
Régis Bonvicino (Sibila) – Creio, na verdade, em banalização da idéia da criação auto-intitulada poética. Uma quantidade influenciada pelo conceito de ?entretenimento?. Mas revistas como Inimigo Rumor, Coyote, Et Cetera significam um esforço dos poetas de se afirmarem no bom sentido, na tentativa de criar um circuito próprio, com outras possibilidades de reflexão.
Qual, na sua opinião, é o papel de uma revista literária? Como você procura cumpri-lo?
Ademir Assunção (Coyote) – O papel das revistas é ?oxigenar? o ambiente cultural. Procuramos mostrar que há uma criação artística riquíssima atualmente e, por outro lado, resgatar autores de outras épocas que tenham uma produção forte, perturbadora, crítica e que, por isso mesmo, são mantidos à distância dos feudos da discussão artística. Para nós, há no Brasil uma criação rica, contundente, visceral. A difusão é que é medíocre.
Carlito Azevedo (Inimigo Rumor) – As revistas devem ser diferentes umas das outras, e cada uma deve ter um papel diferente. O papel de uma pode ser o de descobrir novos autores, o de outra resgatar nomes esquecidos, de outra disponibilizar ensaios vigorosos. Não há muitas exercendo esse último papel, que é fundamental. Henri Michaux dizia que o Brasil tinha uma inteligência muito cafeinada – com muito reflexo e pouca reflexão.
Fábio Campana e Jussara Salazar (Et Cetera) – Uma revista deveria refletir a produção de literatura e cultura em todas as direções, de forma aberta, sem querer formar igrejinhas de opinião, ser espelhamento e enfrentamento de idéias.
Paulo Werneck (Ácaro) – Não queremos fazer uma revista apenas para os especialistas, mas para um público um mais amplo, que normalmente não leria uma revista literária, mas que pode passar a se interessar por literatura ao ler um bom conto, um belo poema, um ensaio bem escrito.
3. As revistas compõem painel representativo da literatura brasileira de hoje?
Ademir Assunção (Coyote) – Sem dúvida. Quem quiser se informar sobre a criação literária brasileira atual vai encontrar muito mais vida e inquietação nas páginas das revistas do que dos jornais. Até porque são revistas de criação e não sobre criação.
Flávia Rocha (Rattapalax) – Elas representam uma boa fatia do que está sendo escrito e publicado no Brasil. Há uma comunicação intensa em curso nos bastidores. Há debates sobre o que já existe e sobre o que deveria existir. E mesmo que se classifique esse fenômeno como ?boom?, sempre há mais espaço para novas publicações e editoras. As revistas criaram um circuito literário bastante ativo e diversificado, que é ao mesmo tempo alternativo e ligado à realidade do mercado editorial. É um fenômeno muito importante, que vai render frutos a curto e a longo prazo.
Paulo Werneck (Ácaro) – Não conheço a literatura brasileira contemporânea tão profundamente, nem as revistas, que são muitas, e muito variadas. De todo modo, na minha opinião o papel de uma revista não é necessariamente oferecer um painel representativo da literatura brasileira. Não são os editores das revistas que terão o discernimento para fazer esse tipo de julgamento; isso é papel de um crítico, por exemplo.
Régis Bonvicino (Sibila) – Acho que elas compõem um painel parcial. Essas revistas sobrevivem com dificuldades e empenho pessoal dos poetas. Na internet, tudo se publica e tudo perece! A internet é, neste sentido, mais representativa: todos estão lá e nada acontece! As revistas são underground e não são muito representativas, eu acho. Elas estão na contramão.
Você identifica alguma tendência estética ou política predominante nos textos que publica? Há algum movimento articulado em sua revista?
Carlito Azevedo (Inimigo Rumor) – Mais que uma tendência estética, há a resolução política dentro da revista de impedir que se crie um ?modelo? Inimigo Rumor. Quando acharam que a revista exibia tendências pós-concretistas, fizemos números dedicados a Gullar, Cacaso e Chico Alvim. Mesmo o nosso dossiê sobre poema em prosa impede qualquer um de tentar identificar um modelo Inimigo Rumor de poema em prosa: ali temos poemas em prosa de Arnaldo Antunes e de Eudoro Augusto, de Eugénio de Andrade e de Alberto Pimenta. É uma prática que nos orienta na produção de cada número.
Fábio Campana e Jussara Salazar (Et Cetera) – Claro que definimos uma linha editorial e estética, afinal estamos publicando textos e imagens de criação, mas isso não significa que seguimos uma estratégia ou uma tendência engessada e pautada nesse ou naquele posicionamento, que estamos nos articulando com finalidades quaisquer. Nos interessa a dialética polifônica que uma revista pode propor como um jogo de linguagens aberto e em movimento.
Flávia Rocha (Rattapallax) – O movimento é o mais vago possível, e tem algo de globalizante (mas que é exatamente o oposto da uniformização): o desejo de englobar poesia de toda a parte do mundo, dos mais diversos estilos e origens, seja a poesia pela poesia, a poesia política, ou nascida do trânsito entre diversas artes e mídias, etc. Fundamentalmente, procuramos por arte, qualidade, um sentido, se ele existir.
Régis Bonvicino (Sibila) – Inovação, vanguarda e termos correlatos são proibidos no Brasil. Nós lançamos então o impossibilismo…, que reflete esta paralisia… que reflete ainda mais o atual momento do mundo, onde o governo Bush rasgou as cartas de direitos e impôs a força dos mísseis… onde as corporações detém o poder total… o impossibilismo é uma brincadeira…
5. Qual a importância de revistas literárias para autores, iniciantes e não-iniciantes?
Ademir Assunção (Coyote) – É a mesma que o oxigênio tem para a sobrevivência humana. Torcemos para que as revistas, além de revelarem outros autores e textos, se tornem também pólos de aglutinação de escritores, de modo que ganhem força e possam cobrar políticas públicas para a literatura. Assim como existem incentivos para o cinema, o Brasil precisa ter incentivos para a literatura – não para as editoras, para os escritores.
Fábio Campana e Jussara Salazar (Et Cetera) – É exatamente poder dialogar com o todo, com o cosmo, e não apenas dar voltas em torno do umbigo, pois as revistas circulam, e isso é interessante tanto para os iniciantes e para os já tarimbados. Para nós, da Et Cetera, a maioria dos colaboradores têm sido de convidados e a recepção tem sido ampla, forma-se uma rede, uma teia de discussões e surgem outros que nos procuram, e chegam colaborações de todas as partes do planeta.
Paulo Werneck (Ácaro) – Nas revistas, os autores têm a oportunidade rara de experimentar e de mostrar seu trabalho sem ficar refém do livro, que exige rigor maior. Essa experimentação também tem sido feita na internet, com uns resultados legais, outros menos. O importante é a ampliação do espaço – a antiga queixa da falta de espaço tem muito menos força hoje.
Régis Bonvicino (Sibila) – É central para todas as gerações porque reinclui o que está excluído pela grande mídia e editoras. Porque recicla conceitos e estimula inclusive os novos autores. Procuramos publicar também jovens poetas. É nossa cota de generosidade. Embora haja novos talentos, não são em grande número. Retomo Mário Faustino: um poeta só pode ser considerado após 15 anos de existência. O mito do poder jovem contagia a poesia, mas não há nenhum Rimbaud no ambiente e, se houver, é algum de shopping center.”
ISTOÉ ABSOLVIDA
“IstoÉ se livra de indenizar o delegado Getúlio Bezerra”, copyright Revista Consultor Jurídico (www.conjur.com.br), 22/09/03
“A revista IstoÉ não tem de indenizar o delegado da Polícia Federal Getúlio Bezerra por ter noticiado a acusação feita pelo traficante Fernandinho Beira-Mar, na CPI do Narcotráfico, de que ele recebeu propina para beneficiar traficantes. Bezerra é o atual diretor de Combate ao Crime Organizado da PF.
A sentença é do juiz Claudio Martins Vasconcelos, da 18? Vara Cível de Brasília (DF). Ele afirmou que é entendimento pacificado nos tribunais que a publicação, pela imprensa, de fatos relacionados a processos investigativos, de natureza pública, não fere os direitos personalíssimos. Ainda cabe recurso.
O juiz acolheu o argumento da revista de que, mesmo que Bezerra tenha se sentido constrangido com a notícia, as acusações são de responsabilidade de Beira-Mar. Para ele, a IstoÉ apenas se limitou a reproduzir o teor das declarações do traficante. A advogada da revista, Claudia Regina Soares dos Santos, disse ainda que na mesma notícia, Bezerra negou participação em qualquer esquema que beneficiasse o narcotráfico.
De acordo com a sentença, ?a imprensa desempenha importante papel no sistema democrático?, ao revelar fatos, incentivar polêmicas, estimular críticas e, especialmente, exercer ?uma espécie de policiamento sobre conduta de autoridades encarregadas de zelar pelo patrimônio público em todas as suas esferas administrativas?.
A chamada ?indústria do dano moral? e os advogados que a estimulam também foram criticados pelo juiz. Segundo ele, é preciso acabar com a ?prática corriqueira? em que ?advogados inexperientes e porque não dizer descompromissados com os valores éticos supremos? invocam ?o menor contratempo encontrado por alguém em sua vida de relações sociais? para ?fundamentar uma pretensão indenizatória desprovida de sustentáculo legal?.
Leia a sentença:
Processo: 2001.01.1.083885-9
Ação: ORDINARIA
Requerente: GETULIO BEZERRA SANTOS
Requerido: GRUPO DE COMUNICACAO TRES SA
Sentença
Cuida-se de ação de indenização subordinada ao rito ordinário, movida por GETÚLIO BEZERRA SANTOS contra GRUPO DE COMUNICAÇÃO TRÊS S.A, ambos qualificados nos autos do processo em referência, almejando a obtenção de provimento final de mérito destinado a condenar o requerido a ressarcir os danos morais que lhe foram causados em razão das notícias falaciosas veiculadas no órgão de informação escrita de propriedade da ré as quais lhe acusaram de ter recebido ?propinas? e outras vantagens pessoais do narcotraficante conhecido por Paul Lir Alexander, tendo embasado a publicação desses fatos tão somente pelos depoimentos prestados pelo traficante ?Fernandinho Beira-Mar? o qual teria dito que o autor havia recebido dinheiro de traficantes para que o patrimônio adquirido ilegalmente através do narcotráfico fosse poupado de um possível confisco, tendo o texto da aludida reportagem salientado, ainda, que, apesar de encontrar-se preso em Miami, os bens do traficante Paul Lir Alexander ?permanecem intocados?, além de que divulgou, sem que houvesse autorização para tanto, uma fotografia do requerente com flagrante abuso aos limites da liberdade de imprensa.
Aduz que a veiculação leviana de notícias caluniosas a seu respeito provocou abalo direto à sua imagem e à honra e o fato da empresa ré ter reproduzido as afirmações de narcotraficante em hipótese alguma afasta sua responsabilidade pela veiculação de notícias equivocadas a seu respeito, eis que era obrigada a investigar a veracidade das informações que lhe foram passadas antes de publicar os fatos ofensivos à sua imagem e à sua reputação.
Alega que ante a natureza da atividade que desempenha, no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de informação, consoante os preceitos derivados da lei n? 5250/67, sua responsabilidade pelos fatos que são objeto de publicação e que causem danos a terceiros é objetiva e, por conseguinte, seu dever em reparar os prejuízos causados independe da verificação do dolo ou culpa, respondendo pela composição do dano a pessoa natural ou jurídica pelo simples motivo de explorar o meio de informação e divulgação.
Assevera, ainda, que ao atribuir a sua pessoa a imputação caluniosa de fato tipificado como crime a lei presume seu dolo, ainda mais quando os fatos relativos ao traficante Paul Lir Alexander são de domínio público e que foram relatados em inquérito policial que fundamentou a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal perante a 9? Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais, razão pela qual estava obrigada a verificar a autenticidade das afirmações que reproduziu e não conferir credibilidade às palavras de um criminoso.
Postula a indenização pela ofensa perpetrada contra sua honra e dignidade. Afirma que a divulgação de matéria jornalística falsa em que lhe fora impingido a pecha de corrupto, acusando-lhe de receber dinheiro do narcotráfico afetou a credibilidade que gozava no meio social e a respeitabilidade que detinha em seu local de trabalho, criando-se um ambiente de suspeita e desconfiança relativamente a sua idoneidade moral.
Atribuiu valor à causa e juntou documentos.
Regularmente citado, o réu ofereceu contestação alegando, preliminarmente, a perda do direito de ação diante do instituto material da decadência que fulminara a pretensão indenizatória veiculada neste âmbito de cognição exauriente, visto que, conforme prescreve o art. 56 da Lei de Imprensa, o prazo para o pretenso ofendido manifestar a sua indignação contra a reportagem veiculada pela imprensa é de 03 (três) meses e, acaso não a fizer imediatamente, dentro do prazo decadencial fixado em lei, perderá qualquer direito de conteúdo compensatório. Neste contexto, sustenta que a publicação da matéria na Revista ISTOÉ reputada ofensiva foi feita em 02/05/2001 (data da matéria de capa) com circulação desde o sábado imediatamente anterior, ou seja, em 28/04/2001, requerendo, desta forma, a extinção do processo com fulcro no art. 269, IV do Código de Processo Civil.
No mérito alega que a notícia foi veiculada sem a intenção de macular a honra e a imagem do autor e sem qualquer conotação crítica quanto à conduta profissional deste, sendo que pela simples leitura da matéria jornalística reproduzida na reportagem vergastada chega-se à conclusão de que a mera transcrição de fatos obtidos de forma lícita através de alegações produzidas em procedimento administrativo inquisitorial ou em juízo criminal, sem o intuito de difamar, caluniar ou injuriar qualquer pessoa, não configura abuso de direito quanto ao exercício da liberdade de imprensa, de modo que, inexistindo qualquer ilícito na conduta praticada, incabível o pleito indenizatório.
Ressalta que apenas narrou fielmente as declarações prestadas no âmbito da Comissão Parlamentar de Inquérito, com total imparcialidade e isenção de ânimo, e sem qualquer propósito de atingir a imagem do requerente, sendo que o traficante Fernandinho Beira-Mar é o único responsável pela notícia veiculada.
O autor falou em réplica às fls. 313/316.
Na fase de especificação de provas as partes atenderam ao despacho que foi exarado para esse desiderato, oportunidade em que apenas o demandado requereu a produção de prova oral consistente na oitiva de testemunhas.
Audiência prévia de conciliação e decisão saneadora às fls. 337/339.
Inconformado com a decisão que rejeitara a prejudicial de mérito concernente à decadência do direito de ação, o requerido agravou na modalidade retida nos autos (fls. 347/351) cuja decisão hostilizada foi mantida pelos jurídicos e legais fundamentos nela alinhavados (fls. 377).
No curso do procedimento em contraditório foi carreado para o seio dos autos uma fita magnética transcrita contendo a entrevista gravada por telefone de Fernandinho ?Beira-Mar? ao jornal O DIA em 05/11/1999 (fls. 466/491).
Encerrada a instrução processual (fls. 399/400; 451/452 e 636), as partes se manifestaram em alegações finais escritas sob a forma de memoriais, donde expenderam os argumentos delineados em vezes anteriores.
É o relatório.
Decido.
Diante da natureza da controvérsia desenhada no procedimento em contraditório ao qual se subordinou a vertente lide, é de bom alvitre, e portanto recomendável, tecer algumas considerações, em caráter pedagógico, sobre o entendimento da doutrina e jurisprudência a respeito da viabilidade jurídica de se indenizar o denominado dano moral puro.
Com o advento da atual Constituição Federal, e com o passar dos anos desde a sua entrada em vigor na transformação e consolidação da nova ordem jurídica calcada nos princípios democráticos de Direito e de proteção às garantia fundamentais do cidadão, restou afastada a velhaca discussão enfadonhamente travada nos tempos de antanha quanto à possibilidade ou não de se reparar uma lesão exclusivamente de natureza moral, independentemente de haver projeção na esfera patrimonial da vítima, de cunho material. Hoje, tal celeuma é por demais desnecessária, sendo despiciendo, pois, gastar tinta e papel, já que a partir do momento em que a Carta Constitucional conferiu tratamento igualitário entre o dano moral e material, tutelando individualmente cada espécie de agressão aos interesses subjetivos, restou indene de dúvidas a permissibilidade de se premiar o ofendido com a reparação integral de eventuais danos morais mesmo que não tenha suportado, em paralelo, um prejuízo patrimonial de interesse econômico, sendo, inclusive, permissível, a cumulação do dano moral com o material, sem nenhuma restrição legal, já que se destinam a tutelar bens jurídicos distintos e atender a finalidades diversas.
Para que a conduta do ofensor seja configuradora de atos lesivos ao patrimônio psíquico do ofendido, é exigível que o seu atuar exorbite o limite do suportável e relevável, pois não é todo comportamento ilícito que dá ensejo ao aparecimento do dano moral e autoriza sua respectiva reparação, mas apenas os fatos que transcendem à normalidade do cotidiano e que sobrepõem-se às barreiras legais disciplinadas pela ordem jurídica vigente, em dado momento e local, são caracterizadores do dano moral e, porquanto, passível de indenização, eis que meros aborrecimentos e pequenos desassossegos não são suficientes para gerar qualquer agressão relevante na esfera ética do indivíduo, pois cada um de nós está sujeito às contrariedades que a vida se encarrega de providenciar.
Há algum tempo o Judiciário vem se deparando com ações indenizatórias a título de ressarcimento por danos morais fundadas sem qualquer substrato material e jurídico, enfrentando, o que se costumou dizer, uma verdadeira indústria do dano moral donde o menor contratempo encontrado por alguém em sua vida de relações sociais é invocado como aparato fático para fundamentar uma pretensão indenizatória desprovida de sustentáculo legal que lhe dê viga de sustentação, utilizando-se daquele fato para angariar proveito descabido. É preciso extirpar essa prática corriqueira existente nos Tribunais onde pessoas, por vezes estimuladas por advogados inexperientes e porque não dizer descompromissados com os valores éticos supremos, socorrem do judiciário e fazem desaguar nos corredores forenses inúmeras ações dessa natureza alicerçadas em situações de somenos importância que sequer caracterizam violação ao bem estar emocional da esfera da subjetividade individual, transformando o instituto do dano moral numa verdadeira máquina de fazer dinheiro, o que só vem banalizar sua aplicação e o seu alcance.
Voltando especificamente para a hipótese dos autos não vejo como possa prosperar a pretensão indenizatória pretendida pela parte autora, porquanto não se aliviara do ônus de provar a procedência de suas alegações quanto ao propósito difamante e injuriante das reportagens feitas pela ré, relacionada a sua pessoa, decorrentes dos fatos que foram objeto de investigação pela CPI do narcotráfico e que também estão relacionados às declarações que foram prestadas pelo traficante conhecido pela alcunha de Fernandinho ?Beira-Mar? em entrevistas pessoais realizadas com integrantes desta comissão e com alguns repórteres interessados na transparência e divulgação dessas notícias.
Decerto, cotejando os argumentos expendidos pelas partes em contraditório, a alegação do demandante de que teria sofrido desfalque patrimonial no âmbito de sua personalidade humana em decorrência das acusações infundadas e caluniosas feitas pela demandada carece de substrato material e legal para potencializar o surgimento do alegado dano moral, eis que os dizeres apregoados pelo suposto ofensor na reportagem jornalística vergastada não foram direcionados objetiva e concretamente com o escopo doloso de ferir enormemente a honra e a imagem do autor perante o seio social, enquanto integrante e participante do mundo de relações intersubjetivas, mas, ao contrário, constituíram apenas em meras reproduções, fiéis e sistematizadas, das informações colhidas durante o curso das investigações promovidas pelas autoridades que integraram a Comissão de Inquérito Parlamentar que tiveram desdobramento e repercussão em todo cenário nacional, tendo ocupado o interesse da grande mídia escrita e falada.
Em nenhuma passagem do texto redigido encontram-se expressões ou palavras voltadas para macular o sentimento ético do demandante, bem como proferidas para malferir os bens inerentes à sua personalidade ou causar-lhe o menosprezo e o padecimento espiritual.
As acusações veiculadas pela imprensa, ainda que duras e contundentes, e ainda que desprovidas de veracidade fática, não bastam, por si só, para gerar dano moral, pois, para a configuração da responsabilidade absoluta, como primeiro requisito do dever indenizatório, mister se torna demonstrar que a conduta praticada pelo agente se encontre fora da órbita do direito e tenha extrapolado os acanhados limites da legalidade a ponto de ocasionar ao ofendido injusta agressão aos bens que compõem seu patrimônio de afeição com malferição de todos os predicados, atributos e perspectivas que o aformoseiam.
No caso vertente não logrou o demandante positivar o fato constitutivo do direito subjetivo reclamado. Com efeito, no que concerne à causa de pedir remota consistente na descrição genérica dos fatos que alicerçam o direito postulado, creio que o requerente não foi feliz e não cuidou em demonstrar, quantum satis, a impertinência da conduta lesiva da ré quanto à publicação dos fatos que teriam maculado e denegrido a imagem e a boa fama que detém no seio familiar e no âmbito da atividade profissional e nem que teriam acorrido os danos de ordem moral a sua esfera patrimonial, conforme alinhavado no corpo da peça de ingresso.
É de notório saber que a imprensa desempenha importante papel no sistema democrático, relevando fatos, incentivando polêmicas, estimulando críticas e, especialmente, exercendo uma espécie de policiamento sobre conduta de autoridades encarregadas de zelar pelo patrimônio público em todas as suas esferas administrativas, incluindo-se aí os agentes e autoridades policiais responsáveis por tutelar a tranqüilidade social e a segurança da coletividade, protegendo os cidadãos do fenômeno da criminalidade.
A exploração da atividade jornalística constitui direito assegurado não apenas pela lei 5.250/67, mas também encontra guarida na atual ordem jurídico-constitucional que elevou o relevante papel dos meios de comunicação e das pessoas que deles fazem parte ao status de direito e garantia fundamental, salvaguardado no rol exemplificativo do art. 5? da Carta Maior, justamente para que desenvolva melhor sua atividade essencial, de interesse social, na informação e divulgação à sociedade da realidade dos fatos tal qual se apresenta no mundo exterior.
Sobre a vantagem de disciplinar-se a matéria jornalística sem sede constitucional, escreveu o ilustre Antônio Jeová Santos, in verbis: ?sendo a liberdade de imprensa considerada um dos direitos individuais, para o seu pleno exercício, o constituinte dotou os meios de comunicação de outras possibilidades a fim de que possam exercer seu mister de forma plena?. E, parafraseando José Maria Desantes (apud Ignácio Burgoa, Derechos Individualis, p. 682) continuou o festejado doutrinador ?é mais perigoso o segredo e a falta de informação que a difusão de notícias. Tão perigoso, que o segredo é nada menos que cegar a fonte mesma da notícia e, portanto, da verdade?.
Contudo, a liberdade de imprensa não consubstancia direito absoluto, mas se acha relativizada dentro do atual sistema de normas constitucionais em cotejo com os demais direitos individuais, igualmente assegurados. Assim, não é porque os meios de comunicação gozam de especial liberdade, que se possa dizer que esse direito é colocado num plano superior e que possam agir sem restrição alguma.
Isso porque a Constituição da República assegura a todo e qualquer cidadão, sem distinção de raça, cor, sexo e poder social, a proteção a sua imagem, honra e intimidade, de sorte que se houver a violação de tais direitos em razão de abusos acometidos no exercício de atividade jornalística lato sensu, deve o Estado-Juiz intervir para pôr côbro as invasões desnecessárias que podem tornar o homem indigno. E, a fim de conciliar esses direitos de igual hierarquia, deve o magistrado, no caso concreto, harmonizar as regras constitucionais de tal sorte que seja possível a subsistência de cada um dos direitos.
O princípio constitucional da liberdade de imprensa merece ser exercitado com consciência e responsabilidade, em respeito à dignidade alheia, para que não resulte prejuízo à honra, à imagem e ao direito de intimidade da pessoa abrangida na notícia, sob pena do responsável pela publicação, tanto àquele que divulgou direta e pessoalmente os fatos, como assim a empresa na qual foram publicados, responder de forma integral e acertada pelos eventuais danos ocasionados à vítima, decorrentes da publicação inexata, imprudente ou sensacionalista da notícia mostrada.
Entretanto, para que se tenha como cabível o dever de indenizar, faz-se importante a presença dos pressupostos da teoria da reparação, quais sejam, dolo ou culpa, nexo de causalidade e o dano moral ou material a ser reparado, sem os quais impedem qualquer provimento judicial positivo. Tais elementos exurgem do próprio dispositivo legal insculpido no art. 186 do Código Civil ao dispor que ?aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia, violar direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito?.
Assim, a obrigação de recompor os danos se justifica no princípio informador da Teoria da Reparação, segundo o qual, aquele que, sua ação pessoal ou que guarde posição de garantidor, infringindo dever legal ou social, prejudica terceiro, é obrigado a reparar esse prejuízo.
Nesse particular, não há qualquer elemento de fato nos autos que possa servir de supedâneo à conclusão no sentido de que a matéria jornalística tenha desviado do real conteúdo do que foi colhido pelos trabalhos dos repórteres. De fato, não consta nenhum dado concreto do qual se possa extrair que tivesse à requerida extrapolado os lindes da realidade fática apurada em razão das investigações promovidas pela CPI do narcotráfico.
Ora, a mera veiculação de fatos apurados em depoimento prestado à Comissão Parlamentar de Inquérito não configura abuso no exercício da liberdade de imprensa de molde a determinar a responsabilização do requerido pelo conteúuacute;do da publicação.
Ressalto que a testemunha Luiza Melo, ouvida em juízo, declarou que ?durante o depoimento prestado por Fernandinho Beira-Mar aos parlamentares, ele chegou a afirmar que a atividade ilícita que desenvolvia teria a conivência ou a participação de policiais civil e federal; que para os parlamentares da CPI Fernandinho Beira-Mar não fez alusão à qualificação do autor, mas fez referências expressas a outros policiais supostamente envolvidos com o narcotráfico; que porém Fernandinho Beira-Mar disse à declarante que o autor teria recebido propina do traficante Paul Lir Alexander com o intuito de evitar o perdimento dos bens deste; …?. Ainda esclareceu que essas declarações foram veiculadas em outros meios de comunicação.
Sobreleva ressaltar, que é entendimento pacificado em nossos Tribunais que não constitui agressão à esfera dos direitos personalíssimos, a publicação de fatos relacionados a processos investigativos, de natureza pública, constando nas reportagens publicadas apenas informações ali existentes, sem qualquer vontade deliberada em atacar à honra e à imagem de terceiros, porquanto limitando-se apenas em reproduzi-los sem ultrapassar os limites éticos e legais do direito de informação.
Vale dizer que mesmo havendo eventual constrangimento pessoal do autor com a veiculação da notícia originada de entrevista concedida pelo narcotraficante, a publicação dos fatos não foi de responsabilidade da empresa ré que apenas se limitou a reproduzir o ter das declarações apregoadas pelo autor dessas notícias, único responsável pelo alegado conteúdo difamante da informação.
In casu, não se desincumbiu o requerente em demonstrar a matéria supostamente editada com intenção malévola de produzir injúria ou difamação. Destarte, do exame dos elementos de prova trazidos para os autos, especialmente na prova oral, deles não se colhe ação ou omissão culposa ou dolosa, praticada pela requerida, que possam servir de fundamento à reparação pretendida.
Se algum prejuízo moral decorrera para o demandante e, certamente acontecera, tal circunstância não deve ser atribuída exclusivamente ao teor das reportagens tiradas e produzidas em periódico de propriedade da demandada, mas sim, advém tão somente do próprio fato em si considerado, consubstanciado na imputação que lhe fora endereçada pelo narcotraficante.
No caso em relevo guardo no âmago que o autor não conseguiu demonstrar seu intento no que concerne aos fatos constitutivos de seu direito, haja vista que, ao contrário do que asseverara, as expressões e os pronunciamentos apregoados pela requerida não denotam o propósito precípuo de atacar sua esfera ética de dignidade.
Para que seja infligido a alguém a obrigação de reparar eventuais danos suportados por outrem, impõe-se, inarredavelmente, de acordo com a Teoria da Responsabilização, se demonstre de forma cabal e indiscutível, a presença do elemento culpa (latu sensu), bem assim a relação de causa e efeito entre a conduta do agente e o resultado funesto contra a vítima, situação não ocorrente no caso sub judice.
Ora, para a caracterização da responsabilidade civil por ato ilícito mister se faz exigível a congruência entre o nexo de causalidade entre o fato ilícito e o dano (patrimonial ou moral) supostamente sofrido pela vítima, cujo ônus probandi recai sobre o autor, sem o qual ter-se-á por afastado qualquer dever indenizatório postulado.
Com efeito, não se pode acatar a pretensão manifestada pelo requerente, pois, para a configuração da responsabilidade absoluta, como primeiro requisito do dever indenizatório, mister se torna demonstrar que a conduta praticada pelo agente se encontre fora da órbita do direito e tenha extrapolado os acanhados limites da legalidade, restando ausentes, pois, os pressupostos de fato e de direito inerentes à configuração da alegada ofensa à honra e à imagem da autora, já que, conforme restara às carradas demonstrado nos autos, as notícias dos fatos envolvendo o demandante se basearam na esteira das declarações pessoais emitidas pelo traficante Fernandinho Beira-Mar e nas informações colhidas junto à CPI do narcotráfico, sem conter em seu conteúdo informativo qualquer juízo de valor negativo a respeito da qualidades morais da pretensa vítima.
O dano moral é aquele capaz de incutir na vítima sentimento de pesar enorme e profundo padecimento espiritual oriundos de determinados comportamentos contrários ao Direito. Segundo a lição de Luiz Antônio Rizzato, ?o dano moral é aquele que afeta a paz interior de uma pessoa, atingindo-lhe o sentimento, o decoro e o ego, a honra, enfim, tudo o que não tem valor econômico, mas que lhe causa dor e sofrimento? (O Dano e sua Interpretação Jurisprudencial, Ed. Saraiva). Contudo, a reparação não é devida a quaisquer desagrados ou dissabores, ainda que veementes, pois não basta alegar a vítima qualquer espécie de mágoa ou aflição.
O fundamento indenizatório concernente ao dano moral puro se sustenta em três elementos a saber: conduta ilícita, desfalque no patrimônio personalíssimo da vítima e o nexo de causalidade entre o comportamento do ofendido e o prejuízo causado. Sem a coexistência de qualquer deles não se admite a responsabilização pretendida.
Outra não é a lição do eminente civilista Caio Mário da Silva Pereira: ?O fundamento primário da reparação está, como visto, no erro de conduta do agente, no seu procedimento contrário à predeterminação da norma (…) O segundo momento, ou o segundo elo dessa cadeia é a ofensa a um bem jurídico. É frequente a referência a esse requisito como sendo a verificação de um ?dano ao patrimônio? (…) Em terceiro lugar, cumpre estabelecer uma relação de causalidade entre a antijuridicidade da ação e o dano causado(…)? (Caio Mário da Silva Pereira, ?Instituições de Direito Civil, vol. II, 11a Ed., Ed. Forense, RJ, 1992, pág. 236).
Assim, sem que se tenham sido pronunciadas quaisquer palavras dotadas de depreciações à sua pessoa a impregnar nódoa a sua reputação social, ou adotada qualquer conduta ilícita, não há se falar em condenação por danos de natureza extrapatrimonial, pois não se cogita em ressarcimento se no fato descrito como danoso não se concentra um ato ilícito.
Ante o exposto, ancorado na fundamentação acima explicitada, JULGO IMPROCEDENTE o pedido declinado vestibularmente e, em vassalagem ao princípio da sucumbência, condeno o demandante no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que, atento às circunstâncias dos fatos, bem como a natureza e complexidade da lide, arbitro em R$ 1.000,00, nos moldes derivados do regramento inserto no art. 20, ? 4? do Código de Processo Civil.
Fulcrado no art. 269, inciso I do CPC, decreto a extinção do processo com avanço sobre o mérito do thema decidendum.
Após o trânsito em julgado e, pagas as custas, arquive-se e dê-se baixa com as cautelas de costume.
P. R. I.
Brasília – DF, quinta-feira, 11/09/2003 às 10h26.
Claudio Martins Vasconcelos
Juiz de Direito Substituto”