CARTILHA DA DESINFORMAÇÃO
Alberto Dines
Os integrantes da maior bancada da Câmara Federal receberam da direção do partido o “Manual do deputado petista 2003” [O Globo, 20/01, pág. 4; veja íntegra da matéria na seção Entre Aspas desta edição, chapéu MÍDIA E GOVERNO].
O documento de 68 páginas designado como “arsenal petista” reúne uma série de recomendações de caráter “profissional” perfeitamente válidas para o conhecimento de parlamentares estreantes, não afeitos à máquina legislativa.
Chama a atenção o conjunto de orientações no tocante à imprensa. Aqui a cartilha deixa de ser um inocente bê-á-bá endereçado aos calouros para converter-se num compêndio destinado a explorar as deficiências intrínsecas da mídia. Significa que o partido que controla o Poder Executivo está preparando seu pessoal da linha de frente para colocar o Quarto Poder sob suspeição. A imprensa não aparece como peça democrática, elo entre governo e sociedade, mas como perigosa instituição que precisa ser driblada e ludibriada. Fica parecendo que a opinião pública não precisa ser abastecida com informações completas para formar seus juízos, mas enganada com o mínimo de elementos.
Alguns itens da suposta “Cartilha da Desinformação” mencionados na matéria do Globo:
** A imprensa separa o joio do trigo mas só publica o joio.
** Não existe informação neutra ou imparcial.
** É preciso cuidado para evitar que a declaração possa ser utilizada num contexto diferente.
** A recomendação é falar pouco.
** O deputado deve evitar a circulação na sala de imprensa da Câmara e deixar este papel para o seu assessor de imprensa.
** Devem ser exploradas as colunas de notas curtas de jornais e revistas porque têm elevado índice de leitura.
Se a imprensa não tivesse falhas ? e falhas graves ? não haveria razão para a existência deste Observatório e de outros grupos que fazem o mesmo trabalho. A crítica da mídia é atividade essencial no processo democrático contemporâneo. Mas a crítica da mídia visa, antes de tudo, melhorar o desempenho dos meios de comunicação, e não liquidá-los. A crítica da mídia é contrapoder, fator de aperfeiçoamento e incentivo à credibilidade.
Nenhum crítico da mídia pode pretender a desmoralização da instituição porque com isto estará solapando não só a razão de ser da sua missão como ferindo o delicado equilíbrio indispensável ao funcionamento de um regime democrático.
O mais grave é que esta “Cartilha da Desinformação” teria sido preparada por jornalistas profissionais que, teoricamente, deveriam ser os maiores interessados em melhorar a qualidade da informação. Pelo que mostra a matéria, não estão. Querem melhorar a imprensa pela via dos assessores da imprensa.
Para evitar mal-entendidos e desconfianças no início de um governo e antes de começada a nova legislatura é indispensável que a bancada do PT na Câmara desminta imediatamente a matéria do Globo e ofereça à sociedade a íntegra do documento.
O clima de esperança não pode ser conturbado pela desconfiança. [Matéria fechada às 18 horas de 20/1/03]